Luciano Meira: “Precisamos redesenhar a sala de aula, este é um momento apropriado.”

Luciano Meira, professor de psicologia da UFPE, sempre foi um entusiasta do uso das novas tecnologias na educação, por isso, tem olhado com profunda atenção a repentina introdução da aprendizagem remota na pandemia. Mas ele sempre defendeu que não basta transpor para mídias digitais a tradicional aula expositiva, na qual o professor apenas coloca os conteúdos para os estudantes. O resultado disso são alunos desinteressados e exaustão de docentes e aprendizes, que, segundo o especialista, é o que tem acontecido na maioria das escolas, salvo exceções. Nesta entrevista a Cláudia Santos, Meira, que também é sócio-empreendedor da Joy Street e professor colaborador da Cesar School, aponta os caminhos para a construção de propostas didáticas que engajem alunos e transforme a aula remota numa experiência virtual significativa. Ele reconhece as dificuldades e a falta de apoio na formação dos professores para este momento, critica a ausência do Ministério da Educação e opina sobre a reabertura das escolas.

O que o você tem achado da experiência das aulas remotas na pandemia?

O primeiro a se destacar é o papel central, crítico, fundamental do professor e de sua gestão na organização de um ambiente de ensino e aprendizagem que favoreça a construção das relações entre professores e estudantes – que são essenciais como sustentação para o aprendizado nesse novo ambiente.

Outro destaque é a necessidade de elaborar o design instrucional, que cuida da montagem de trajetórias de aprendizagem, desde a construção da matriz de competências a serem desenvolvidas, passando pelo desenho detalhado das sequências didáticas para cada tópico de aprendizagem, até os métodos de ensino e formas de avaliação de desempenho dos aprendizes.

Temos visto muitas excelentes iniciativas, que são extremamente interessantes, mas, por outro lado, não há muita novidade. Segundo o Instituto Península, em pesquisa realizada ainda no início de abril, com cerca de 2.500 professores no Brasil, mais de 50% deles tentavam construir algum tipo de contato com seus alunos. O que era fundamental naquele momento para evitar que os estudantes deixassem de perceber a escola como um centro das suas vidas ou pelo menos com alguma centralidade nas suas vidas. Um dado interessante é que 60% dos professores ocuparam o seu tempo estudando. É uma situação nova para muita gente, muitos professores jamais haviam entrado num ambiente de salas de aula virtual ou feito cursos online. Isso deveria ser muito frequente, mas a pandemia nos levou para esse ambiente, fazendo avançar, talvez em vários anos, a transformação digital, tão necessária para a educação. Transformação digital não é usar equipamentos ou dispositivos tecnológicos na escola, mas mudar comportamentos e inovar na sala de aula. É uma nova forma de ver a educação habilitada por plataformas digitais. O Instituto Península, um mês depois, em maio, realizou a segunda pesquisa, dessa vez com cerca de 7.500 professores, dos quais 83% não se sentiam preparados para o estabelecimento de um ambiente de aprendizagem produtivo remotamente. Isso é revelador.

O fato é que, caso se trate apenas da transposição de uma aula expositiva para uma mídia digital, não vamos ter a mudança fundamental que precisamos na educação, em termos do engajamento das crianças, da imersão dos professores em propostas e práticas didáticas que favoreçam uma aprendizagem significativa. O que me parece é que os ambientes e a abordagem utilizados no ensino remoto até aqui, na maior parte dos casos, não favoreceram à transformação inovadora para engajar melhor os estudantes e construir cenários de aprendizagem que já necessitávamos antes desse movimento. Precisamos muito mais de design instrucional para fazer da aula remota uma experiência virtual significativa.

Após seis meses de aulas por sistemas online, há relatos de alunos que se sentem muito cansados. Por que isso acontece e qual seria a possível solução?

A fadiga tem uma diversidade de origens. Pode ser a fadiga ocular, que aflige o nervo ótico pela hiperexposição à tela, mas essa não é minha área de expertise.

Ficamos também fatigados porque somos seres corpóreos. Todos temos uma presença física no mundo que precisa de uma expressão. Isso exige um tipo de interação social que é melhor estabelecida quando estamos em momentos de conversação com as pessoas convivendo num mesmo ambiente físico. Quando você está numa tela e vê as faces de várias pessoas, você passa a se fixar e, de uma certa forma, estabelecer um escrutínio do rosto de todas elas. Isso é cansativo porque você começa a avaliar todas as expressões que estão ali naquela tela mais detidamente, o que não é o caso do mundo físico, porque nossa atenção é fluida e está mais conectada com o sentido, não com a imagem do que aparece. Isso se dá porque no mundo físico nós transitamos corporeamente e no mundo online estamos fixos diante de uma observação e de um conjunto de imagens.

Não temos os dispositivos psicológicos que permitem no mundo físico nos desconectarmos, digamos assim, a atenção de um rosto específico e passar a ter uma análise mais ampla do sentido de uma interação. Bom, isso é um pouco da explicação psicológica. Além disso, do ponto de vista educacional, essa fadiga, emerge, na minha opinião, mais rapidamente e com consequências mais sérias se a transposição que foi feita daquela experiência da sala de aula for unicamente baseada na exposição de conteúdo. E mesmo que haja um debate após a exposição, é sempre o mesmo debate, a criança se esforça para participar disso.

Mesmo um bom jogo quando é jogado diversas vezes, a criança não quer mais jogar, ela precisa de novos jogos, novos tipos de sequenciamento das formas didáticas e isso exige, como já disse, inovação das práticas didáticas.
Existe hoje um conjunto enorme de possibilidades: sala de aula invertida, prática por projetos, challenge basead learning (aprendizagem baseada em desafios) que os professores podem pesquisar em lugares como site da Nova Escola e o portal do Porvir (porvir.org), talvez um dos melhores que temos hoje no Brasil para os educadores buscarem boas ideias de como pode se dar essa reorganização didática no âmbito da sala de aula.

Professores também se queixam de exaustão, das longas horas em frente à tela e do fato de os alunos não abrirem as câmeras durante as aulas.
A situação dos professores é igualmente preocupante, inclusive, como já relatei, a maioria deles não se sente
pessoalmente preparada para enfrentar o mundo da virtualidade remota. E nem sei como deveriam, porque lhes
faltou a formação necessária das habilidades requeridas para o enfrentamento desse tipo de ambiente, não houve um planejamento adequado. Quando o professor reclama que o estudante não abre sua câmera, veja, essa é uma situação totalmente nova, inusitada. Precisamos desenvolver formas específicas de enfrentamento e montagem de novos tipos de relacionamento com nossos estudantes, que inclui, por exemplo, não poder vê-lo nessa interação ao vivo. Precisamos redesenhar a sala de aula, este é um momento apropriado, se as gestões das escolas e das redes incentivarem e apoiarem, este é o momento de o professor fazer um investimento crítico no redesenho do que é uma sala de aula.

Você é favorável ao retorno das aulas presenciais neste momento?
Veja, a escola tem sido chamada pelos epidemiologistas de um amplificador de contaminação. Ela espelha o que está acontecendo na sociedade. Se o vírus tem um controle, está bem monitorado, bem testado, a doença controlada na comunidade, você teria, em tese, condições de replicar isso dentro do espaço escolar. As crianças, apesar de sofrerem menos o impacto da doença, são vetores importantes de contaminação para professores e para sua própria família, fazendo amplificar o descontrole que existe na comunidade. A resposta é assim: você retorna quando controlar a contaminação comunitária. Quando é que isso vai acontecer? Nós não precisamos esperar a vacina, até porque, muito possivelmente, uma vacina eficiente só existirá em 2022, e já está sendo uma catástrofe de direitos de aprendizagem manter as crianças e jovens tanto tempo fora do ambiente escolar. Por outro lado, você não deve retornar enquanto as taxas de contaminação forem essas no Brasil, nós ainda estamos com uma média de fatalidades extremamente alta. É uma decisão a ser analisada todos os dias e devemos nos esforçar para manter nas comunidades, às quais a nossa escola serve, as tentativas de contenção, ou seja, o uso correto das máscaras, distanciamento social e lavar as mãos constantemente. Se não conseguirmos estabelecer esses comportamentos, será muito difícil controlar a contaminação.

Assine a Revista Algomais e leia a entrevista completa na edição 174.3 

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