O drama enfrentado por muitas famílias pernambucanas que esperam pela indenização referente a imóveis residenciais interditados por problemas na construção é um problema antigo que não se resolve. Os moradores, na grande maioria dos casos, chegam a esperar de 15 a 20 anos para receber a indenização. No entanto, uma luz no fim de túnel parece acender. O Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) e o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) assinaram, recentemente, um acordo de cooperação judiciária para tramitação e julgamento desses processos em trâmite nos dois ramos do poder judiciário.
Para viabilizar a atuação conjunta para padronização das rotinas processuais, objetivando a agilização de acordos ou julgamentos dos processos, o TJPE e o TRF5 criarão dois Núcleos de Justiça 4.0, um em cada ramo do judiciário. Nos Núcleos serão priorizadas a resolução dos processos com ênfase em estratégias de solução negocial, como conciliação e mediação.
Após a identificação dos processos que envolvem vícios construtivos em imóveis financiados pelo SFH, nas varas estaduais e federais, e a digitalização de processos físicos, se for o caso, estes serão enviados ao respectivo Núcleo do órgão judiciário estadual ou federal para resolução por meio de julgamento ou acordo com auxílio do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) da Justiça Federal e do Núcleo de Conciliação (Nupemec) do TJPE.
Como forma de facilitar a prática de atos concertados, juízes e servidores de um Tribunal poderão atuar nos sistemas de tramitação processual eletrônica do outro, bem como serão promovidos esforços para integração dos sistemas de Processos Judiciais Eletrônicos – Pje.
O termo recomenda ainda reuniões periódicas de alinhamento, entre os magistrados dos Núcleos e as respectivas equipes, para definição das estratégias e medidas a serem adotadas em relação aos processos tanto de competência exclusiva da Justiça estadual ou Federal quanto de competência conjunta.
Para o presidente do TJPE, Fernando Cerqueira, a formação da parceria se mostrou relevante a partir da constatação da existência de numerosos processos envolvendo seguros habitacionais aplicados a vícios construtivos, em variados empreendimentos localizados em Pernambuco. O magistrado destacou a assinatura do termo para a conquista de mais celeridade processual em relação ao acervo dessas ações nas instituições judiciais. “É um marco de cooperação histórica entre dois grandes tribunais de nossa região. Que possamos viabilizar essa parceria de forma positiva. A equipe do TRF5 junto aos nossos servidores e magistrados atuarão no sentido de desenvolver o melhor trabalho possível em prol do atendimento ao jurisdicionado”, pontua.
O presidente do TRF5, desembargador federal Edilson Pereira Nobre Júnior, enfatiza a parceria como fundamental no contexto vivenciado pela população local caracterizado pelo déficit de moradia. “É com imensa satisfação que vejo esse trabalho tão bem elaborado através da colaboração dos órgãos judiciários estadual e federal. As duas instituições se uniram com o objetivo de implementar o tratamento jurídico das demandas relativas a vícios construtivos de imóveis financiados pelo SFH, que são destinados à população de renda mais baixa. Que esse trabalho produza frutos concretos e ao fazê-lo beneficie o cidadão que mais precisa através da realização do direito à moradia”, observa.
De acordo com o advogado Guilherme Veiga, do Escritório Gamborgi, Bruno & Camisão, especialista em direito securitário e representante de vários casos no Estado, o acordo é um divisor de águas na cooperação judiciária nacional. Um marco histórico que une o TJPE e o TRF5 para trabalharem conjuntamente na solução desses casos. “A iniciativa é motivo de comemoração e esperança para os mutuários. Os processos passaram a ser agrupados por empreendimento, o que facilita muito o acordo nesses casos, conforme a mediação que está ocorrendo no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O acordo já está sendo implementado. Esta semana serão criados os centros onde os processos tramitarão”, destaca. “Agora falta o STJ julgar um recurso repetitivo. A Corte Superior determinou a suspensão nacional de todos os processos há dois anos. O Tribunal da Cidadania, como é conhecido o STJ, tem que julgar essa causa repetitiva que envolve o direito básico à moradia desses humildes cidadãos brasileiros”, conclui o advogado.
Anos de espera – A aposentada Isís Lopes, 51 anos, é um exemplo desses casos em Pernambuco. Em 1993, ela adquiriu um apartamento no Condomínio Privê Maria Guiomar, no bairro do Cordeiro, no Recife, e teve que sair às pressas devido aos problemas, riscos e perigos que os blocos apresentavam. O processo dela e de outros moradores do conjunto habitacional tramitam na justiça desde 2004. “Eu acho isso um absurdo porque é o sonho da casa própria. Para a maioria das pessoas, inclusive eu, este foi o primeiro imóvel. E de repente começam os problemas de construção e a gente perde aquele sonho. Ficamos na esperança de receber a indenização para comprarmos outro imóvel e continuar o nosso sonho. Já se passaram 17 anos e até agora não tivemos reposta”, relata.
Isís, hoje, mora num apartamento alugado, no Janga, em Paulista. Segundo ela, com o aluguel recebido, no valor de R$ 1.065,00, não dá para alugar um apartamento no bairro do Cordeiro, onde morava. “Comparado à minha moradia anterior, moro muito mal, numa região afastada, longe de tudo e bem esquisito, numa rua que não é calçada”, lamenta.
Existem cerca de 5.300 prédios-caixão na Região Metropolitana do Recife (RMR), sendo a maioria nas cidades do Recife, Paulista, Olinda, Camaragibe, Olinda e Jaboatão dos Guararapes). Mais de dois mil desses imóveis apresentam grau de risco alto ou muito alto. Uma média de 5 mil processos referente a prédios residenciais interditados por problemas na construção, em Pernambuco, encontram-se em tramitação na justiça. Cerca de 12 prédios desabaram total ou parcialmente nos últimos 15 anos, levando 12 pessoas a óbito no Estado.