*Por Rafael Dantas
Samila Macedo, Auricleia Gomes e Tatiana Melo têm alguns pontos em comum em suas trajetórias. São três mulheres sertanejas, empreendedoras e inovadoras no setor agropecuário. O Vale do São Francisco, já é um case pernambucano conhecido pela sua internacionalização e pela modernização das cadeias produtivas do agronegócio. A experiência recente, porém, tem indicado que a economia do campo tem-se movido com experiências corporativas em direção à sustentabilidade, agregando mais valor aos seus produtos.
A associação entre as inovações no campo e o protagonismo feminino está relacionada com o posicionamento ousado e conectado com as tendências que estão transformando o mundo. “As mulheres que estão à frente dos negócios rurais têm tido uma visão atenta às inovações no mercado. É fácil associar o empreendedorismo feminino à inovação, pois elas buscam ativamente novas soluções e têm a proatividade de implementá-las na prática”, afirma Heloísa Nóbrega, analista do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresa) em Petrolina.
A diversidade na composição das equipes e das gestões é um fator percebido há algum tempo no meio corporativo como um valor de qualquer empresa. De acordo com dados do Ministério da Agricultura, Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), as mulheres estão à frente da gestão de 8,4% das áreas rurais no no Brasil. Em Pernambuco, segundo dados do RAIS, o número formal de mulheres no setor agropecuário em 2022, em cargos de direção ou gerenciamento, foi de apenas 174 profissionais. Apesar do número ainda reduzido, ele é crescente.
“Diferentes estudos sobre a diversidade nos ambientes de trabalho já indicam valiosos ganhos para as organizações e para os profissionais, independentemente do setor. Quando falamos de inclusão de mulheres, estamos também falando de dar espaço à diversidade. Organizações ganham com aumento de produtividade, melhoria do clima organizacional, multiplicidade de habilidades na tomada de decisão estratégica. Porém, é importante ressaltar que ainda existem muitos desafios quando falamos das mulheres na gestão das empresas. Ainda há muita dificuldade para assumirem cargos de liderança e apesar de desempenharem um papel significativo na agricultura, ainda são a minoria no campo”, afirma Luciana Almeida, consultora e sócia da TGI.
Se as mulheres são minoria na administração no campo, a agropecuária permanece como um dos protagonistas da economia nacional, com 23,8% na participação do PIB, segundo cálculo do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da USP. Sem considerar os agrosserviços e a agroindústria, o setor representa 15,1% da atividade econômica brasileira, de acordo com dados IBGE.
ORGÂNICOS DO VALE
Em Pernambuco, com mais de dois terços do seu território no semiárido, o primeiro setor tem uma participação menor nessa composição, de apenas 5,17%, segundo os números da Agência Condepe Fidem. Uma das exceções é justamente Petrolina, em que a indústria, agroindústria e os agroserviços jogam um papel mais relevante na atividade econômica. A cidade é onde Tatiana Melo apostou em uma produção orgânica para se diferenciar no mercado.
Formada em tecnologia da informação, a empresária optou por abandonar a sua rotina urbana e o promissor setor tecnológico para voltar ao campo. Filha de um produtor de frutas, ela comprou uma propriedade na área rural do município para investir na fruticultura irrigada, atividade que atrai pessoas de todo o País para o Vale do São Francisco.
Os primeiros passos foram no cultivo de goiaba, logo após direcionou seus esforços para a manga e a acerola. Sua diferenciação no mercado agrário, com o suporte do Sebrae Pernambuco, foi a adoção de práticas orgânicas e a busca por selos de certificação. “Quando mudei de setor, percebi que precisava fazer algo diferente, não poderia ficar como todo mundo. Então percebi que a produção de orgânicos era a melhor saída. É para onde o mundo está caminhando. A Europa já bateu o martelo de que, até 2030, os supermercados terão metas para oferta de produção orgânica. Hoje eles compram para atender o mercado, mas serão, pelo menos, 25% da composição das prateleiras. Isso para a Europa é muita coisa”, vislumbra Tatiana.
Ela começou esse processo com a acerola, vendida para a empresa de origem japonesa Niagro, que tem uma unidade em Petrolina e, recentemente, começou a trabalhar também com mangas. Neste ano, as primeiras vendas orgânicas do produto estarão no mercado nacional e internacional. “Quanto mais certificações temos lá fora, o preço sobe. Lá dão valor à certificação”, conta a empresária.
Sua produção de acerola está planta- da numa área de 3,5 hectares, sendo 1,8 hectares de produção já efetiva da fruta, que é transformada em pó pela Niagro para atender setores industriais de cosméticos, medicamentos, alimentos, entre outros.
Após ter expertise nesse produto, ela começou a investir na manga, que é o carro-chefe da atividade na região. Ela possui 4,6 hectares plantados com a fruta, sendo 3 hectares já mais consolidados para produção, que seguirá para os Estados Unidos e para São Paulo.
O quilo de manga convencional, por exemplo, é vendido por R$ 5, enquanto o da fruta com certificação orgânica está por R$ 6 no mercado. O quilo da acerola convencional custa R$ 3,50, enquanto a orgânica é comercializada por R$ 4,30. Além da melhora no preço, ela revela que a produção orgânica reduz a incidência de pragas.
A produtora enfatiza que há um mito de que a fruta orgânica é feia e não tem produtividade. Ela esclarece que isso depende do manejo produtivo. “São frutas bonitas sim, mais saudáveis e com mais tempo de prateleira. Esses são alguns diferenciais da fruta orgânica. Hoje nosso grande desafio para essa produção tem sido a mão de obra escassa na região “.
PETROLINA ALÉM DAS FRUTAS
Ainda na principal cidade do Vale do São Francisco, outro produto que vai ganhando espaço é o mel. Apesar de a apicultura não se comparar com o porte e a produtividade da fruticultura, a atividade tem-se adaptado à Caatinga, alimenta circuitos curtos de comercialização e promete alcançar novos mercados com as experiências de produção orgânicas. Além de mais produtivas, elas têm melhor receptividade do consumidor e maior valor agregado. Só no Brasil, 36% da população afirma que consumiu produtos orgânicos nos últimos 30 dias, de acordo com a Pesquisa Organis, realizada pela Brain Inteligência Estratégica e viabilizada graças ao patrocínio da BioBrazil Fair, Mercado Diferente e QIMA IBD. Entre os consumidores frequentes de orgânicos no País, 21% afirmam que compram sempre mel e 29% compram às vezes.
Quem está neste momento à frente de um negócio familiar focado na conquista de certificação nesse mercado é Auricleia Gomes, 34 anos, que é produtora de mel orgânico na área rural de Petrolina. Combinando conhecimento, inovação, tecnologia e práticas sustentáveis, com apoio do Sebrae, ela conseguiu trilhar passos relevantes para modernização da atividade, que está no DNA da família.
Quando ela assume a direção das atividades, após o falecimento do pai, que foi o pioneiro na família com a apicultura, Auricleia começou a implantação de novas técnicas produtivas, como o sombreamento das colmeias e o manejo correto das abelhas, que contribuíram para um aumento na produtividade do mel. Além disso, a transição para a produção de mel orgânico está em andamento, com a expectativa de obter uma valorização econômica significativa, conforme evidenciado pelos valores de mercado observados. Ela conta que enquanto o quilo do mel convencional é vendido a R$ 31, o mel orgânico é comercializado por R$ 42.
“A transição para a produção de mel orgânico representa não apenas uma mudança em nossos métodos de cultivo, mas também uma valorização econômica significativa. Estamos otimistas quanto ao potencial desse segmento e ansiosos para obter a certificação orgânica, que abrirá portas para novos mercados e consumidores conscientes”, afirma a produtora.
O mel produzido é comercializado pela Ascamp (Associação dos Criadores de Abelhas do Município de Petrolina), da qual ela faz parte, bem como por sua marca própria, a Mel no Favo. O produto é vendido para programas governamentais que fornecem alimentos para merenda escolar e em feiras locais, além de atender a pedidos de clientes em outras cidades.
Na sua trajetória de modernização da atividade, os planos futuros de Auricleia incluem a diversificação dos produtos oferecidos, com a introdução de itens como produtos de higiene e cera de abelha. Essa estratégia visa a agregar ainda mais valor à produção e explorar novas oportunidades de mercado. Com uma visão empreendedora e atenta às demandas do consumidor, ela mira no fortalecimento do negócio apícola, adaptando-se às mudanças do mercado e às oportunidades de inovação no setor.
OVINOCULTURA EM DORMENTES
Distante 752 quilômetros do Recife e aproximadamente 130 quilômetros de Petrolina, o município de Dormentes é um dos destaques na criação de ovinos no Estado. Samila Macedo, 30 anos, é uma das produtoras que se têm firmado como referência na região. À frente do Sítio Lagoinha, ela percebeu a necessidade de investir em capacitação e em infraestrutura para garantir maior competitividade ao seu negócio.
“A propriedade da gente fica próxima da cidade, distante apenas 14 quilômetros. Eu saí para trabalhar fora por alguns anos. Só que depois de um tempo, percebi que a renda dos ovinos era maior do que eu estava recebendo de salário. E trabalhando para os outros, não tem uma evolução. Então voltei para investir na ovinocultura e estudar novas formas de criação, com inovações que me dessem mais resultados”, afirma Samila.
A empreendedora passou a apostar na transição para métodos mais modernos de criação de ovinos. Investiu no confinamento dos cordeiros em terminação (engorda) e, posteriormente, na aquisição de reprodutores Doper pura de origem (PO). Os passos seguintes foram o melhoramento genético do rebanho, com a aquisição de embriões, e a adoção de práticas que garantiram mais sustentabilidade ambiental e econômica ao negócio.
O investimento em reprodutores de origem pura, por exemplo, permitiu a Samila a obtenção de animais com características desejáveis, como maior robustez, melhor conformação corporal e qualidade da carne. Isso contribuiu para a obtenção de um rebanho mais produtivo e rentável. A inserção da produção de palma na propriedade foi outra novidade que teve o papel de garantir uma fonte de alimento sustentável para os ovinos. A palma é resistente à seca e fornece nutrientes essenciais para os animais, reduzindo a dependência de outras fontes de alimentação que podem ser mais escassas ou mesmo caras. Ao ter sua própria produção de alimento dos animais, Samila induziu a baixa dos custos com suplementação alimentar para seu rebanho.
Os planos futuros incluem não apenas o crescimento de criação de ovinos mas, também, o compartilhamento da sua experiência para beneficiar outros criadores. “Eu quero incentivar mais produtores, principalmente os filhos deles. Enfrentei muita resistência quando quis inovar. Quero atingir principalmente os filhos de Dormentes que têm pais que criam de formas tradicionais, passando um pouquinho de conhecimento que deu certo para permitir que outras pessoas também possam evoluir”.
Para um futuro próximo, ela está otimista com a possibilidade de expandir seus negócios, como a venda de carneiros para outros estados e até mesmo para exportação, pois já houve propostas para levar a produção para fora do Brasil. Para isso, ela e os produtores locais aguardam a liberação do abatedouro local, que permitirá a certificação dos produtos.
SUSTENTABILIDADE NA AGENDA PRIORITÁRIA
Heloísa Nóbrega, do Sebrae, ressalta que um aspecto comum dessas experiências inovadoras no campo é a sustentabilidade. “Os produtores estão adotando práticas mais sustentáveis, como o uso eficiente da água e métodos orgânicos de cultivo. Essa preocupação não apenas atende às exigências do mercado mas, também, beneficia os produtores em termos de custos e competitividade.”
O estudo A Liderança Feminina na Agenda Sustentável, conduzido pela Fundação Getúlio Vargas, em 2022, revelou uma relação positiva entre o desempenho em ESG nas corporações brasileiras que possuem presença de mulheres na diretoria e no conselho de administração. ESG, que significa Environmental, Social, and Corporate Governance (Ambiental, Social e Governança Corporativa), é uma abordagem que avalia como uma corporação incorpora aspectos ambientais, sociais e de governança em seu processo de tomada de decisão.
Para Luciana Almeida é bastante simbólico para a região que esse processo seja tocado por lideranças femininas. “As mulheres, comumente, conseguem trazer para a mesa de debate uma perspectiva diferente e agregadora. Historicamente assumindo o papel de maior cuidado com o outro, com os filhos, com a casa, conseguem colocar luz em aspectos mais sensíveis e que quando se pensa em processo produtivo tendem a ser menos explorados. Por exemplo, adoção de meios de produção mais sustentáveis ou o foco em produtos orgânicos”.
A consultora considera ainda que o empreendedorismo dessas mulheres no campo potencializa uma rede de inspiração para que outras possam enxergar possibilidades além do trabalho doméstico ou na comunidade. “Essas novas experiências no agro podem ter um papel importante no desenvolvimento de uma nova perspectiva de vida para muitas pessoas e famílias”.
Com apoio técnico, conexão com as tendências de consumo globais e nacionais e muita proatividade, as lideranças femininas têm orientado transformações importantes no setor agropecuário pernambucano. O interesse em compartilhar suas experiências e multiplicar essa modernização do campo são indicadores que apontam para mudanças mais amplas no setor e com mais presença de mulheres no futuro.
*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com)