Na pele dos meus irmãos negros - Revista Algomais - a revista de Pernambuco
Ninho de Palavras

Ninho de Palavras

Bruno Moury Fernandes

Na pele dos meus irmãos negros

Descobri que o racismo existe no Brasil desde cedo. Sou branco e tenho um irmão negro. Quando pequenos, indagados se éramos realmente irmãos, respondíamos: “é que nosso pai é moreno e nossa mãe é loira”. A resposta apropriada, claro, seria a verdadeira: eu sou filho biológico dos nossos pais que são brancos e ele é filho adotivo, e provavelmente, filho biológico de pais negros, apesar de não os conhecermos.

Ninguém nasce racista. Mas até mesmo essa resposta era de cunho racista. Porque a sociedade nos ensinou sutilmente que a cor do meu irmão deveria ser negada. Eu dizia a todos que ele era moreno. Como se fosse pejorativo dizer que era negro. Nunca conversei com meu irmão sobre o racismo que sofrera. Mas evidente que isso marcou sua vida. Deve ter sido foda ser o único negro da escola particular “cristã” da classe média da Zona Norte do Recife, na década de 80.

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Deve ter sido cacete sentar todos os dias no sofá, com a família, e se ver representado nas telenovelas por atores negros a quem sempre eram reservados os papéis de escravos ou criminosos e, jamais, papéis de empresários, executivos ou cientistas. Não deve ter sido fácil estacionar o carro numa padaria e ouvir “cuidado para não arranhar o carro do patrão”, sendo aquele o carro do seu próprio pai. Deve ter sido difícil ser o negro do apartamento 602, o único do prédio totalmente ocupado por brancos, racistas na sua maioria. Foi compreensível que ele tenha pedido para se “exilar” no nosso sítio, aos 15 anos de idade, e de lá não querer mais sair, em sinal de esgotamento.

Já minhas irmãs, gêmeas, que nunca se viram representadas nas princesas da Disney (“ô mainha, por que meu cabelo não assanha igual ao da Cinderela?”), talvez tenham sofrido menos, pois são mais jovens e, afinal, hoje é mais cult assumir a negritude. Há um certo freio no processo de branqueamento que vivemos. Isso é fato. Mas o racismo está longe de acabar. Está nas facetas da sociedade. Na forma de olhar. Nas entrelinhas das expressões. Covarde e cretino. Por isso, sou adepto do empoderamento. Não basta ser contra o racismo. É preciso ser antirracista. É preciso falar do orgulho de ser negro. Falar de negros de sucesso para que jovens negros se sintam empoderados e confiantes. Falar de pessoas como José do Patrocínio, Juliano Moreira, André Rebouças, Joaquim Barbosa, Lázaro Ramos, Taís Araújo, Milton Santos, Ernesto Carneiro Ribeiro, Lima Barreto, Carolina Maria de Jesus, Sueli Carneiro, Gilberto Gil, e tantos outros.

"É triste, senhores, que até hoje, quando apenas cinco anos nos separam do centenário glorioso dos direitos do homem, nesta América que parecia dever ser o refúgio de todos os perseguidos, o asilo de todas as consciências, a praça inexpugnável de todos os direitos, a escravidão ainda manche a face do continente, e um grande país, como o Brasil, seja aos olhos do mundo nada mais, nada menos, do que um mercado de escravos" (Trecho do discurso proferido por Joaquim Nabuco, no Recife-PE, na Praça S. José do Ribamar, no dia 5 de novembro de 1884, sob aplausos da multidão que o ouvia). Quero meus sobrinhos com orgulho da pele.

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