Nem essa tarde de sol aqui na Zona Norte do Recife. Nem esse pássaro que pousa na janela. Nem o bater das suas asas. Nem seu voo. Nem a árvore onde pousará mais adiante. Nem a sombra. Nem o homem que nela repousa seu cansaço. Nem o cansaço do homem. Nem o vai e vem da folha, bailando no ar, a pousar no vidro do carro estacionado logo em frente. Nem o carro. Nem a mulher triste que dentro dele chora. Nem seus problemas. Nem seu choro. Nem sua tristeza. Muito menos sua melancolia. Nem a alegria no sorriso daquele garoto que caminha segurando a mão do pai, na calçada ao lado. Nem o garoto. Nem sua confiança no pai. Nem o pai. Nem a calçada ao lado. Nem o brinquedo que a outra mão da criança segura. Nem o fabricante do brinquedo. Nem a fábrica. Nem seus empregados. Nem a jornada dos operários. Nem a rotina pesada do serviço. Nem o voltar para casa. Nem a casa. Nem suas janelas para observar pássaros e ter devaneios. Nem os devaneios. Nem sonhos. Nem o sonho de ter a própria casa. Nem quem mora dentro dela. Nem o cachorro que late no quintal. Nem o quintal. Nem o menino que passa vendendo o jornal. Nem o jornal. Nem a tinta. Nem as notícias que a tinta anuncia. Nem o impacto negativo das notícias. Nem o impacto positivo das notícias. Nem mesmo o que provocou a notícia. Nem o fato noticiado. Nem a jornalista. Nem sua carreira. Nem seu esposo. Nem seu amante. Nem a traição. Nem o desejo. Nem o cigarro antes. Nem o cigarro depois. Nem o sexo no meio. Nem o meio. Nem o gozo. Nem a chupada. Nem a boca. Nem a língua. Nem a fofoca. Nem as pessoas comentando. Nem os comentários das pessoas. Nem suas doenças. Nem a pandemia. Nem a vacina. Nem o negacionismo. Nem o cinismo. Nem o presidencialismo. Nem o presidente. Nem seu charlatanismo. Nem a facada. Nem a lâmina da faca. Nem o aço. Nem o cabo. Nem a madeira. Nem a floresta. Nem a Amazônia. Nem os índios. Nem as tribos. Nem o chefe da tribo. Nem seu calção Nike de homem branco. Nem a Nike. Nem a chuteira. Nem o futebol. Nem o jogador. Nem a bola. Nem o couro. Nem a vaca e suas tetas. Nem o leite. Nem o chocolate. Nem o leite com chocolate. Nem a gordura. Nem a carne. Nem o sal. Nem o carvão. Nem o churrasco. Nem a gula. Nem o gordo. Nem o magro. Nem a vaidade de ambos ou a falta de. Nem a terra onde urinam. Nem a urina. Nem a planta molhada pela urina e pela chuva. Nem a chuva que insiste em esconder o sol, que já se vai, no crepúsculo da Zona Norte do Recife. Nem você. Nem eu. Nem nós. Nem a sociedade. Nem suas imperfeições. Nem a abundância. Nem a fome. Nem a miséria. Nada! Absolutamente nada é para sempre…
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