Atribui-se a Ulisses Guimarães a afirmação de que “não se pode fazer política com o fígado”. Essa frase sempre me impressionou bastante desde que tomei conhecimento dela, muitos anos atrás. Nos dias que correm, neste período pré-eleitoral, lembrá-la me parece ainda mais necessário.
A disputa política nacional transformou-se numa verdadeira guerra de acusações e insultos que termina por comprometer a qualidade do voto e colocar em risco o próprio futuro da democracia, duramente conquistada no Brasil.
Sim, é verdade que as imperfeições do regime democrático são enormes mas não se inventou ainda coisa melhor, como bem destacou o grande Winston Churchill: “a democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais”. E no Brasil, país enorme, diverso e conflituoso, a democracia é irrecorrível. Sem ela, com o seu sistema de freios e contrapesos, nosso destino seria o caos. O problema é que, com a política sendo feita “com o fígado” e o consequente voto raivoso, a democracia sofre e pode sucumbir.
Não por acaso, foi recentemente lançado e está sendo bastante discutido no Brasil o livro Como as Democracias Morrem dos pesquisadores da Universidade de Harvard, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt. O livro mostra que, na atualidade, as democracias não terminam vitimadas por golpes de estado, como foi no passado, mas com o “lento e constante enfraquecimento das instituições”. Enfraquecimento este substancialmente ajudado pelo voto raivoso.
É perfeitamente compreensível que o eleitor brasileiro se sinta traído pela classe política em face dos desmantelos administrativos, da crise política, da crise ética, da crise econômica… Todavia, o fígado e a raiva são péssimos conselheiros quando se está buscando, de forma responsável, colocar as coisas nos eixos novamente como o País, e todos nós, merecemos e precisamos.
Tenho 40 anos “de janela” observando a vida política nacional (há mais de 30 anos de forma profissional na consultoria) e todas as vezes em que vi prevalecer o fígado na política e o voto raivoso sendo colocado na urna, o resultado foi simplesmente trágico. Por isso, faço daqui meu humilde apelo: na hora de votar evitemos a raiva e pensemos qual candidato pode, de fato, contribuir para a resolução dos problemas e para a preservação da democracia. Fora disso, infelizmente, continuaremos mirando perigosamente o abismo.