Não é possível que o prefeito desta cidade do Recife, Geraldo Julio, depois de reeleito com expressiva maioria de votos no último pleito municipal, continue de olhos vendados para o abandono da Praça Maciel Pinheiro no bairro da Boa Vista. De alguns anos para cá, na Praça Maciel Pinheiro, reina o completo abandono e o descaso, não havendo quem se atreva a sentar em seus bancos nas manhãs ou mesmos nos fins de tarde e, muito menos, nas noites amenas do bairro da Boa Vista.
Antes belo e bucólico, esse recanto daquele bairro foi transformado em “teto” dos moradores de rua, que lá espalharam os seus andrajos e entulhos, misturados aos viciados no crack e outras drogas, o que torna impossível a frequência de quem quer que seja. Em meio a tal abandono, a secular fonte encontra-se relegada ao descaso, fissurada pelos pregos que vez em quando nela são introduzidos, num verdadeiro atentado a esta cidade que se diz civilizada.
Com seus 7,85 metros de altura, a velha fonte portuguesa, esculpida em Lisboa pelo renomado artista Antônio Moreira Ratto (1818-1903), que tem sua assinatura em vários monumentos que ornam praças e passeios de Lisboa, de Évora e do Rio de Janeiro, resiste à incúria do tempo e a agressividade dos homens.
Trata-se do mais belo monumento do Recife, erguido em comemoração ao término da Guerra do Paraguai (1864-1870), ali instalado por subvenção popular, em 31 de março de l875, assim descrito pelo Diario de Pernambuco, em sua edição de 1º de abril:
O chafariz mede da base, que é em forma de cruz e assentada em granito, até o cimo do emblema representando a América – uma cabocla selvagem – que o coroa, 7,85 m; à base sobrepõem-se quatro leões curvados sobre as patas, olhando aos quatro pontos cardeais e sustentando com suas cabeças uma grande bacia de 3,18 m de diâmetro. Sobre esta bacia quatro ninfas em pé, simetricamente dispostas em atitude de se banharem, recebem a água que desborda da segunda bacia que lhes sobre fica e que é menor do que a primeira, pois só tem 2,11 m de diâmetro. Cada uma das ninfas conta de altura com 1,60 m. A terceira e última bacia mede 1,80 m de diâmetro.
No singular bairro da Boa Vista, a partir do ano da Revolução Russa de 1917, vieram fixar residência centenas de famílias de judeus askenazins emigrados da Bessarábia (Moldávia), Polônia, Ucrânia, Iugoslávia e de outras regiões do Leste Europeu. Tipos ruivos que logo ocuparam seculares casas e sobrados existentes nas ruas Velha, da Glória, de Santa Cruz, Leão Coroado, da Alegria, Visconde de Goiana, Marques Amorim, Barão de São Borja, do Jasmim, do Aragão, dos Prazeres, Visconde de Suassuna, dentre outras.
Nos finais de tarde homens dessa comunidade faziam da bucólica Praça Maciel Pinheiro o seu centro de convívio, onde em animadas conversas, ou acaloradas discussões, se comunicavam, na língua anasalada do dialeto ídiche, tratando de temas da vida diária ou de recordações de suas terras de origem.
Descendente desta comunidade a futura escritora Clarice Lispector (Chechelnyk – Rússia, 10 de dezembro de 1920 — Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1977), viveu sua infância, na casa de esquina com a Rua do Veras; uma escultura em cimento da escritora lá se encontra em obra recente do artista Demétrio Albuquerque (2006).
O bucolismo da praça é assinalado pelo poeta Eugênio Coimbra Júnior (1905-1972) em um dos seus mais belos sonetos, cujos versos iniciais lá se encontram transcritos no painel em cerâmica no meio de um de seus canteiros: Cidade velha: em meio à praça, a fonte/Todo o jardim cercado de gradis./Maciel Pinheiro, queres que te conte?/Nem mesmo criança fui jamais feliz.
Senhor Prefeito! Vamos recuperar esta joia que o passado do legou!
Arruando pelo Recife
Leonardo Dantas Silva
O abandono da Maciel Pinheiro
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