Ficar muito tempo nesses espaços virtuais tem levado à fadiga, afetado a saúde mental e já tem gente decidindo ficar desconectada.
*Por Rafael Dantas, repórter da Revista Algomais
(Reportagem publicada na edição 196.1 da Revista Algomais)
As redes sociais revolucionaram a comunicação e trouxeram grandes mudanças na sociedade, mas o seu uso em excesso está deixando um legado de cansaço na população. Instagram, WhatsApp, TikTok, Facebook, Linkedin e tantas outras plataformas ocupam em média aproximadamente quatro horas no dia dos brasileiros, segundo um estudo da agência de marketing digital Sortlist. Quando somados os outros usos de navegação na internet, o tempo conectado supera as 10 horas por dia. Seja por trabalho ou por lazer, a vida virtual excessiva e todo o contexto atrelado a ela (como fake news, cyberbullying, cancelamentos, positividade tóxica, entre outros fenômenos) têm ampliado os problemas de saúde mental e exigido uma mudança na forma como lidamos com o mundo digital.
Isadora Domício, 26 anos, é profissional na área de social mídia e enfrentou o cansaço de estar por longas horas conectada. Para além do seu horário de trabalho, ela conta que todos os intervalos e mesmo o horário de almoço eram acompanhados pelo celular e na timeline do Instagram.
“Eu vivo na internet. Teve um tempo em que precisei dar uma pausa porque estava me afetando muito. Nas redes vivemos em função das outras pessoas estarem nos vendo e também ficamos observando o que os outros estão fazendo. Eu estava em um ciclo vicioso. Quando não estava no trabalho, usava o Instagram para uso pessoal. Sem perceber, automaticamente estava indo para o Instagram. Isso me cansou”, conta Isadora.
A vida nas redes levava Isadora a perder momentos em família, a não aproveitar os contatos presenciais e isso já estava atrapalhando até o desejado networking profissional. “Estava sem tempo de qualidade com a família. Fiz uma pausa de um mês e depois comecei a diminuir a quantidade de entradas nas redes sociais. Parei de ver stories, passei a entrar para postar apenas. Passei a silenciar pessoas que não acrescentavam nada no meu dia. Decidi usar esse momento apenas com perfis que me edificam e não só por vício”. Mesmo após essa experiência de afastamento temporário, ela conta que hoje é preciso manter esse comportamento, inclusive ela usa o alarme do celular para limitar o tempo diário com o aparelho conectado.
CANSADOS, MAS CONECTADOS
Se estar conectado em excesso promove cansaço, o que nos leva a passar tantas horas nas redes sociais? Para o psicólogo e tutor da FPS (Faculdade Pernambucana de Saúde), Leopoldo Barbosa, há um conjunto de mecanismos de estímulos e recompensas que nos leva a ficar conectados por mais tempo do que desejaríamos.
“O conceito de rede nos remete a conexão. No nosso aspecto mais humano, somos seres que precisam ter pessoas por perto. As redes sociais trazem essa dimensão de um lugar onde podemos nos conectar com as pessoas. Só por isso, essas plataformas já chamam muito a nossa atenção. Mas há um segundo ponto que é o aspecto de estímulo e recompensa do nosso cérebro. Esses canais estão propostos dentro de uma dinâmica de informações rápidas, coloridas, com fotos, vídeos, músicas, estímulos auditivos e visuais. Então, naturalmente esses pontos fazem com que a gente se prenda mais ou gaste mais tempo dentro das redes, porque vamos tendo recompensas para ficar mais fixados a visualizar e observar todas essas informações”.
Leopoldo considera que vivemos em um tempo de muitas cobranças para produzirmos sempre mais e melhor. E essa pressão empurra as pessoas a estarem cada vez mais conectadas, buscando estar atualizadas. “Isso gera nas pessoas o cansaço de tela, o cansaço de informações, muitas delas sequer são absorvidas.
É preciso fazer uma discussão sobre esse momento social em que vivemos e que tem levado as pessoas à exaustão. As redes sociais são um lugar incrível de aprendizagem, mas o ponto de preocupação da saúde mental é o excesso. Principalmente considerando crianças e adolescentes que usam redes sociais sem orientação e podem entrar num processo de comparação banal com outras pessoas, ou mesmo de desperdício de tempo, a partir de uma perspectiva não funcional. As pessoas devem ser orientadas para o uso correto e adequado das redes sociais”.
O cansaço, portanto, não está associado ao uso das redes sociais, mas ao excesso de imersão nelas e na internet de modo geral. Renata Almeida, psicóloga e coordenadora do mestrado profissional do Centro Universitário UniFBV Wyden concorda com essa análise. “Tudo que fazemos em exagero pode causar algum dano à saúde e a internet não sai desse contexto. Precisamos pensar no tempo de conexão com a internet, os tipos de páginas normalmente acessadas, a questão da infomania (busca incessante pela informação). O problema não está na internet, mas no uso que a gente faz dela. É curioso perceber que as tecnologias podem aproximar pessoas distantes, porém, se mal utilizadas, também distanciam pessoas próximas, prejudicam o tempo e servem como gatilho de problemas relacionais”.
No meio dessa vasta navegação, a psicóloga ressalta que os usuários lidam com muitas informações falsas (as fake news) e consomem com facilidade conteúdos de ódio, que não são saudáveis para ninguém. A própria busca incessante pelos likes entra no leque de ferramentas que nos prejudicam.
Véronique Donard, psicóloga e pesquisadora que dirige o laboratório e a linha de pesquisa em ciberpsicologia da Universidade Católica de Pernambuco, defende ainda que essa sensação de cansaço tem um conjunto de raízes mais abrangente. “A questão é complexa, porque o cansaço experimentado por nossa sociedade não se deve unilateralmente às tecnologias digitais da informação e comunicação e muito menos às redes sociais em si, como se fosse uma lógica de causa/efeito. O que vem exaurindo a população é uma conjunção de fatores: socioeconômico, político, sanitário”.
Ela avalia que o papel das redes sociais nessa conjuntura é como uma faca de dois gumes. “Elas nos permitem saber que não estamos sós, permitem que possamos nos expressar, mas também veiculam notícias falsas, aumentam nossa propensão a julgarmos uma situação sem dispormos do conhecimento suficiente e, sobretudo, trazem um acúmulo de informações que não nos é possível elaborar. Isto causa uma fadiga cognitiva intensa e aumenta nossa tendência ao desânimo e à depressão”, afirma Véronique.
A pesquisadora da Unicap considera que o motivo de nos prendermos a esses canais é, paradoxalmente, a necessidade absoluta de amar e sermos amados. “Essa é a base do narcisismo. Quanto menos nos sentimos amados e reconhecidos pelo outro, mais nossa problemática narcísica aumenta. O narcisismo está ligado ao espelho, ao reconhecimento e à aprovação de nossa imagem pelo outro. O problema é que as redes sociais nos impõem critérios específicos aos quais nos sentimos obrigados a nos submeter, por medo de ficarmos sós. Esses critérios podem ser profissionais ou sociais. Mas nos sentimos obrigados a nos submeter a eles para não perdermos a aprovação do outro”.
REAÇÕES AO CANSAÇO VIRTUAL
Diante da sensação de cansaço devido ao uso intenso das redes sociais, a especialista em mídias digitais, Débora Seabra, informa que muitos usuários mais jovens, da geração Z, já ligaram o botão de alerta e passam menos tempo navegando nas redes ou reduzem o período em que ficam de olho no smartphone. “Muitas pessoas usam as próprias redes sociais para falar sobre a necessidade de ficar ‘off’ durante um tempo. A fadiga das mídias sociais vem, dentre outros fatores, do consumo excessivo de conteúdo online durante a pandemia”.
Diante da percepção desse problema, Débora sinaliza que há o início de uma tendência de reduzir a presença e a exibição nas redes sociais. “Há um movimento low profile (um estilo de vida mais discreto), entre o público mais jovem e já existe um debate abrangente sobre o uso exagerado das redes sociais. Mas é preciso fazer um recorte do perfil demográfico para entender essa questão. Os comportamentos de consumo mudam de acordo com a idade, classe social, gênero e outros fatores, mas a tecnologia tem o poder de se adaptar a esses comportamentos. Assim como existiu a geração Orkut, hoje existe a geração Tiktok”, explica Débora Seabra.
Entre as empresas, os sinais de alerta vindos dos profissionais de saúde mental também estão promovendo adaptações. Algumas para evitar a fuga dos usuários, outras para contribuir para o uso mais moderado das redes sociais.
“A interface de aplicativos de relacionamento em rede já é feita para manter os usuários dentro da plataforma o máximo de tempo possível, como por exemplo a tática do feed infinito. A barra de rolagem infinita permite que o usuário percorra um feed no qual o conteúdo nunca acaba, é assim no Twitter, no Instagram, no TikTok. Além dos algoritmos, que sugerem conteúdos de interesse com base no consumo dentro das redes”, ressalta a especialista.
Como contraponto a esse ciclo vicioso, o Instagram, que é a terceira rede social mais usada no Brasil, disponibilizou uma ferramenta chamada Take a Break. “Ela ajuda os usuários a diminuir o tempo gasto na rede social. No próprio aplicativo você consegue ver o tempo que gastou na plataforma durante a semana e gerenciar esse tempo, criando lembretes para fazer pausas ou definindo limite de tempo diário. Mas nem todos os usuários conhecem essa função. Muitos smartphones também já contam com esse dispositivo para notificar o tempo de uso do aparelho”, afirma Débora Seabra.
CAMINHOS PARA O USO SAUDÁVEL
Os danos à saúde mental pelo uso excessivo dessas plataformas, associado ao contexto socioeconômico e sanitário que vivemos, são preocupantes. Mais ansiedade, estresse e até associação a quadros depressivos estão no leque mais extremo de adoecimento dentro desse contexto. “Podemos identificar casos de suicídio ligados ao ciberbulling. Atualmente estamos diante também dos haters, que são pessoas voltadas para criar conteúdos violentos e detratores. Também precisamos compreender o fenômeno da infomania (busca incessante pela informação), que mantém as pessoas conectadas 24h por dia, o que traz muita ansiedade. Os padrões de comportamentos criados pela internet e, dificilmente alcançados pela grande parte da população, também é um fator gerador de ansiedade e depressão”, destaca Renata Almeida.
A busca do equilíbrio é a palavra-chave para criar uma rotina mais saudável com as tecnologias de forma geral e com as redes sociais. Para Véronique Donard, esse ajuste é muito individual. “Cada um é diferente e, por conseguinte, deve encontrar seu próprio equilíbrio. O índice de que as coisas devem mudar é quando nos sentimos mal sem estarmos conectados ou, o que é mais grave, quando nos conectamos para aliviar um estado depressivo e nos sentimos pior ainda quando nos desconectamos, porque nada do que fizemos, dissemos ou lemos conseguiu alimentar nossa autoestima e nosso respeito pelos outros e por nós mesmos”.
Para Leopoldo Barbosa, já existe a necessidade de um debate nas políticas públicas relacionadas à saúde para esse fator, porque a dependência digital hoje já afeta até os bebês. Ele alerta
que durante a pandemia houve um aumento significativo de exposição às telas por parte das crianças e adolescentes, para lazer, além dos adultos, por motivos profissionais. “De fato estamos em um momento em que não há mais volta no mundo online. Mas a vida digital preocupa quando é usada em excesso. Precisamos ter maturidade para usar as redes em um formato possível e adequado em nossa rotina. Essa é uma discussão que deve entrar na agenda da saúde como um todo, pois vivemos hoje um amplo fenômeno de dependência digital. A gente precisa pensar sobre o quanto esse digital deve fazer parte do nosso dia a dia, aprendendo a utilizar as redes sociais de modo saudável, utilizando todo o seu potencial. O debate sobre esse tema não acaba agora, muito pelo contrário, nós estamos iniciando o amadurecimento dessa nova era”.
8 PONTOS PARA FICAR ATENTO ÀS REDES SOCIAIS
Débora Seabra defende que as redes sociais podem ser usadas de forma consciente, como aliadas para networking, para divulgação profissional, além de funcionar como canal de venda online, além das inúmeras opções de entretenimento. Para quem busca um convívio mais saudável com elas, a especialista em mídias digitais alerta para uma sequência de aspectos que devemos ficar atentos ao navegar nas redes:
- A vida na rede social é editada, as pessoas mostram apenas as partes positivas. A grama do vizinho é mais verde porque você só vê a grama, não vê o solo.
- Curtidas não são parâmetros de aprovação social. A menos que você trabalhe com produção de conteúdo ou seja gestor de um perl de uma empresa ou marca, suas publicações não devem ser feitas apenas buscando a validação dos outros.
- Nem tudo precisa ser postado. Antes de publicar pense se é realmente necessário compartilhar.
- Selecione o conteúdo que você consome. Os pers que você segue realmente oferecem conteúdo de valor? O que esses conteúdos agregam para você?
- Não hesite em deixar de seguir ou excluir pessoas tóxicas da sua rede de relacionamento.
- Evite debates inúteis.
- Se preciso, use recursos para limitar o uso diário das redes sociais.
- Lembre-se: a sua existência não está condicionada à sua visibilidade digital.
*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)