*Por Beatriz Braga
No domingo foi difícil olhar para o relógio. A hora passava e os rostos ficavam mais aflitos e as cadeiras mais vazias – não deu para esperar sentado. Enquanto a banda tocava músicas de conforto, eu reparei no olhar apreensivo de um casal gay de amigas que me fez entender o que o 28 de outubro significou. Eu, branca, hétero e nascida no pós-ditadura, pouco sei sobre o medo.
O que fazer agora que a hora passou, o resultado chegou, a banda não viu mais sentido em tocar e então colhemos os cacos das brigas com famílias, amigos e colegas de trabalho? Como disse o ativista Anthony D. Romero, “a democracia não pode ser um esporte de espectadores”. A repressão aos professores já começou e é um indicativo que anos difíceis virão. Temos um país polarizado e precisamos agir.
Se no dia seguinte às eleições, para você – assim como eu – mais importante que o resultado das urnas foi entender as pessoas que estiveram ao seu lado, faça uma lista das coisas admiráveis, pequenas e grandes, que viu acontecer até ali.
Na minha, estão: a militância incansável da minha mãe em nome do seu filho gay, os olhos cheios de lágrimas do professor de história que planejava a aula pós eleição, cada choro, abraço e olhar do último domingo e cada conversa no dia seguinte com um ato de carinho e uma mensagem de apoio.
Não esqueceremos com quem estávamos no dia seguinte à eleição. O elo conquistado será ainda mais importante.
Precisamos reconhecer a legitimidade do presidente eleito, mas isso não significa aceitar a legitimidade de suas políticas. Se elas forem contra os nossos princípios e valores, temos o dever de contestá-las.
Assim como, se entendemos que 58 milhões de pessoas não votaram “17” (nulos, brancos e Haddad – sem contar as abstenções), também precisamos aceitar que quase outros 58 milhões o fizeram.
Os pontos de vistas diferentes não desaparecerão e a melhor forma de lutar contra o retrocesso é através de um entendimento da sociedade.
O consultor político Simon Anholt defendeu na palestra “Em quem o resto do mundo votaria nas eleições do seu país” que as distinções entre esquerda e direita não importam mais.
Fenômenos como Brexit, Trump e Bolsonaro mostram que existe uma nova partilha. “O que parece importar hoje é se a sua visão do mundo é a de que você se reconforta ao olhar para dentro e para trás, ou se você encontra esperança ao olhar adiante e para fora”.
Por olhar para dentro, Anholt explica: “Quando os tempos são difíceis, passamos por dificuldades financeiras, nos sentimos inseguros e vulneráveis, a introspecção é uma tendência natural: pensar nas suas necessidades e descartar a dos outros e começar a imaginar que o passado foi melhor do que o presente ou o futuro poderiam ser”.
Por mais que a história nos mostre que esse é um beco sem saída, o fascismo é sedutor. Ele nos transforma em belos e especiais (“Brasil acima de tudo”) e “reprograma nossos sentimentos de medo, ódio e vaidade, e depois usa esses sentimentos para polarizar e destruir a democracia a partir de dentro”, disse o historiador Yuval Noah Harari em seu discurso sobre regimes antidemocráticos.
Agora que já temos um vencedor das urnas, devemos transformar o clima de competição em resistência.
Primeiro, precisamos nos fortalecer. Para isso é preciso admitir nossas fraquezas, estando atentos às nossas intolerâncias e raivas. Não podemos colocar 57 milhões de brasileiros no mesmo saco e admitir que nada de bom pode sair dali.
Segundo, transformar o debate em diálogo. Para começar, trocando o “você é culpado por tudo isso” por “você enxerga o que está acontecendo?, o que acha que podemos fazer?”.
Se você achar que a conversa não vale à pena, lembre do poeta libanês, Khalil Gibran, que disse: “aprendi o silêncio com os que falavam, a tolerância com os intolerantes e a bondade com os cruéis”.
Como me ensinou um bom amigo, as provas do retrocesso, repressão, racismo, homofobia e misoginia são palpáveis, visíveis e estão na nossa frente. É preciso chegar junto do outro e apontá-las.
Você pode argumentar que a eleição provou o caráter de uma pessoa, mas em muitos casos – não todos, é verdade – enxergamos maldade onde há ignorância, desinformação e medo.
Não acho que será fácil navegar em águas brasileiras por um tempo, nem acredito que conseguiremos mudar os valores de um país inteiro. Mas é possível, isso tenho certeza, ganhar na convivência humana.
E, principalmente: para os próximos anos, não esqueça do primeiro dia depois da eleição.