Por Tiago Andrade Lima
Estamos vivendo um cenário de reta final de mais um processo eleitoral no Brasil. E essa foi a pauta dos noticiários e das últimas semanas, no entanto, de outro país, os Estados Unidos. As críticas direcionadas a quem alimentou essa pauta, como se tivéssemos que ficar alheios à movimentação política no país que tem a principal economia do mundo, são mais infundadas do que parece. Para além de uma eleição, existiram, nesse processo, alguns elementos de interesse mundial que merecem maior análise. Uma delas, de caráter político, foi a do combate ao extremismo. Sem qualquer juízo de valor sobre o governo Trump, a postura de uma pessoa pública jamais pode ser a do enfrentamento, de maneira extrema, da ciência.
Negar o aquecimento global e os seus efeitos é uma postura ignorante, na mais pura etimologia dessa palavra. Segundo os dados divulgados no Relatório do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) em 2019, este fenômeno é o responsável direto por vários impactos causados sobre a Terra, incluindo incêndios florestais, mudanças na precipitação e ondas de calor. No mesmo sentido, um estudo apoiado pelas Organizações das Nações Unidas – ONU, e publicado no mês de setembro de 2020, aponta que a mudança climática pode levar mundo a um dos quinquênios (2016 – 2020) mais quentes da história.
É sabido que o Acordo de Paris, o compromisso mundial vigente que trata das alterações climáticas e prevê metas para a redução da emissão de gases do efeito estufa, foi subscrito pela grande maioria dos países do mundo. No entanto, os Estados Unidos, maior emissor desses gases no mundo, não assinou esse Acordo por decisão do seu atual presidente, meramente pautada em critérios políticos e sem qualquer embasamento técnico. Para além dos efeitos negativos na pauta de redução dos riscos climáticos, ficou evidente caráter desestimulador do esforço mundial realizado por cada um dos países aderentes ao Acordo, por meio das suas metas nacionais e pôs dúvida sobre a ciência. Como acreditar em um acordo que demanda esforços financeiros dos setores públicos e privados de cada um dos países, se a principal economia do mundo dá as costas ao pacto?
Isso tudo em um momento em que o mercado econômico mundial vem alinhando, de forma crescente, os objetivos financeiros do investidor com suas preocupações e valores acerca do meio ambiente, da sociedade e de questões de governança (Environmental, Social and Governance – ESG). Isso é claramente demonstrado em um estudo da BM&FBOVESPA sobre a quantidade de ativos e números de fundos que incorporaram critérios de ESG. Entre 2010 e 2012, esses ativos aumentaram 78%, passando de US$ 569 bilhões para US$ 1,01 trilhões em 720 fundos ESG diferentes.
A postura de um líder político teria que necessariamente levar em consideração os critérios técnicos para a tomada de decisão. E assim, recentemente, o futuro presidente eleito, o democrata Joe Biden, anunciou que os Estados Unidos retornarão ao Acordo de Paris, demonstrando o seu esforço para fins de contenção do aquecimento global. E foi além: anunciou, como uma de suas propostas, o plano de investir US$ 1,7 trilhão para que os Estados Unidos alcancem uma marca de zero emissão de carbono em 2050.
Infelizmente, por se tratar de uma proposta realizada no âmbito de um processo eleitoral tão acirrado como foi o que ocorreu no EUA, não se pode emprestar irrestrita credibilidade ao anúncio. No entanto, em momentos de radicalismo, a simples perspectiva de um cenário mais favorável ao combate das mudanças climáticas já serve de alento. Levantar a bandeira do clima, em um momento de extremismo exacerbado, tem o quádruplo efeito de mostrar a importância da ciência na tomada de decisão em um governo, de mostrar ao mundo que o combate ao aquecimento global deve ser uma pauta obrigatória de todos os países, de fomentar a adoção de critérios ESG nos investimentos pelo mundo e, por fim, de mostrar ao mundo que o radicalismo, independente de qual opinião seja defendida, é irracional e não atingirá o propagado desenvolvimento econômico com sustentabilidade.
Na semana do nosso processo eleitoral, que os efeitos do ocorrido nos EUA sirvam de lição para os nossos políticos e, principalmente, para os nossos eleitores, para que às suas escolhas levem em consideração, para além das propostas e dos ideais políticos do candidato, o seu perfil de respeito (ou não) à ciência e às opiniões contrárias.
Tiago Andrade Lima é sócio-titular da área de Direito Ambiental do Queiroz Cavalcanti Advocacia