Pode me chamar de doido, mas o lugar onde mais gosto de escrever é dentro dessa cápsula, o avião. Demorei a iniciar essas linhas porque o senhor sentado na 7E, bem ao meu lado, parece gostar de uma boa conversa. De repente, vira-se para o outro lado e começa a roncar. Suspiro aliviado e abro o computador. Ainda me restam duas horas de voo até São Paulo, tempo suficiente para escrever, não sei sobre o que exatamente, isso se meu vizinho conversador não despertar, claro.
Por entre nuvens, com os olhos na janela, lembro de estar deitado na areia branca de Itamaracá quando criança para ver os formatos que elas desenhavam o céu. Havia tempo para contemplar o azul celeste e suas nuvens formando dinossauros, tigres, panelas, coelhos, carros, monstros e outras coisas que minha imaginação de menino teimava em enxergar.
Agora, adulto, voando entre todos eles, e vendo-os assim tão de perto, não vejo mais tanta graça. Com o passar dos anos a miopia da maturidade vai nos retirando a capacidade de imaginar, criar e sentir. Quanto aos monstros, não mais os vejo, mas estão todos dentro de mim.
Não tenho medo de que essa aeronave exploda neste exato momento e tudo acabe. Tenho medo é de que ela toque o chão suavemente e eu precise continuar encarando os monstros que me aguardam lá embaixo, quando suas portas abrirem. Mesmo assim, não sei explicar o motivo, quero com todas as minhas forças beijar o solo tranquilamente.
Somente é possível conviver com os monstros de hoje se aquele menino que avistava panelas no céu azul de Itamaracá estiver me aguardando na porta do avião, segurando minha mão, insistindo em não me abandonar. Para onde vou, grudado fica, como escudo. É esse menino que leva alegria para minha casa e faz meus filhos sorrirem e brincarem. É esse menino que me permite aceitar as coisas como elas são e não tolera que eu diga como deveriam ter sido. É esse menino que ainda me faz sonhar e esperançar.
É esse menino que me faz lembrar todos os dias que a vida pode ser igual àquele doce japonês cujo apito anunciava sua chegada no jardim da casa do meu pai, na beira-mar da pedra que cantava o amor. Na época em que havia doce japonês, meu pai e o menino que desejava um dia estar dentro dos aviões que rasgavam o céu azul da ilha.