"O mundo é mais inteligente por causa do digital" - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

"O mundo é mais inteligente por causa do digital"

Claudia Santos

Gustavo Maia é um recifense apaixonado por política e um empreendedor incansável. Embora jovem, já teve vários negócios. O Colab, aplicativo que criou com amigos, recebeu o prêmio AppMyCity de melhor app urbano do mundo. Inquieto, disse nesta conversa com Algomais, que planeja introduzir mudanças no produto para ser ago como o Pokemon Go da cidadania. Confira mais na entrevista.

Você passou a infância no Recife?
Sou recifense, mas aos 5 anos me mudei para São Paulo, com minha família. Meu pai é executivo da PWC e foi transferido para lá. Aos 6, ele foi transferido para os Estados Unidos, Indianápolis. Depois, voltamos para São Paulo, em seguida para o Recife. Foram dois anos fora. Em 1999 fomos para Campinas. Passei um ano e meio e fui fazer intercambio no Canadá. Depois voltei para o Recife para fazer faculdade, publicidade. Entrei na faculdade aos 17 e aos 18 montei um escritório pequeno de design, com amigos, para oferecer pequenos serviços de agência de publicidade.

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Você nunca pensou em ser um assalariado?
Eu cheguei a estagiar, fui diretor de artes, de criação em agência, ainda durante a universidade. Daí fui chamado por amigos da faculdade para ser sócio deles na agência Massapê em 2006. Na época era uma sala em cima de um estacionamento da clínica da mãe de um dos sócios. Reformamos e começamos a crescer. Mas, quando estava no fim da faculdade, não queria mais a publicidade. Fui ser sócio, menos como publicitário, mais como empreendedor. Passei um tempo na agência, depois saí e montei uma agência de marketing digital, a Quick Site, em 2008. Era um modelo para desenvolver sites rápidos para pequenos e médios empresários em 48 horas. Nessa época, 2008, ou você contratava o sobrinho de alguém para fazer o site ou uma agência, o que saía muito caro. A gente entrava com preços baratíssimos, 12 vezes, no cartão. Era legal, mas tivemos dificuldade em escalar. Mas vendemos mais de mil sites. Depois abrimos paralelamente a Quick Solution, que era o braço para fazer portais maiores. Ainda nesse ano, criamos o Quick Político, para desenvolver site para candidatos. Sempre fui apaixonado por política. Fizemos o site de João da Costa, no Recife, e de Elias, em Jaboatão. Em 2008 pegamos o desafio de desenvolver o portal nacional do PSDB, que era algo grande. Nós atendemos bem. Éramos novinhos, mas conversávamos com os ex-ministros de FHC. Foi uma experiência bem legal. Nessa época criamos também um site de compra coletiva o “Gentes Finas”, que faturou R$ 300 mil em 3 meses e fechamos porque houve o pico da compra coletiva, mas em seguida caiu rápido. Foi um negócio bem-sucedido para nós. Nesse meio tempo, montamos um empreendimento em Tamandaré. Nós estávamos sem dinheiro, mas vimos um terreno legal, fizemos um projeto arquitetônico e dividimos o imóvel em flats. Fomos buscar investidores, que foram comprar como investimento para vender depois. Tiramos isso do papel e hoje exitem 10 flats e outras coisas.

Quando nasce a ideia do Colab?
Em 2010 fizemos várias campanhas para governador, senador, deputados, basicamente em Pernambuco. Em 2011, a Quick recebe um pequeno investimento e montamos um escritório em São Paulo. Aqui fazíamos mais desenvolvimento e lá a parte comercial. Em 2012 voltamos a fazer eleição. Era pré-campanha de Raul Henry, que nem chegou a ser candidato. Ele queria fazer um programa de governo colaborativo, perguntando à população, através das redes sociais, o que ela queria. Fazíamos enquetes no Facebook de Raul, toda semana, com 30 mil a 50 mil pessoas respondendo sobre algum tema da cidade. Na época surge o Ocupe Estelita e os Direitos Urbanos. Estávamos trabalhando para um candidato e construímos esse diálogo entre as pessoas através da rede social. Nessa época Eduardo Campos indicou Geraldo e Raul o apoiou. Aí fomos trabalhar na campanha de Geraldo. Acabado o pleito, começamos a formatar o Colab. Colocamos no papel e o lançamos em março de 2013.

Explique o que é o Colab?
É uma rede social da cidadania. Conectamos o cidadão com o governo. Víamos o povo cada vez mais na rua querendo uma interlocução maior. E nós conhecíamos os políticos. Trabalhei com muita gente boa, séria, comprometida. Mas o governo é uma máquina gigante, ineficiente, difícil. Ajudamos a construir essa relação de forma estruturada para levar o desejo das pessoas até o governo, de forma que ele possa revolver. Não é uma ferramenta da prefeitura ou do governo, mas da sociedade civil, que disponibilizamos uma estrutura para trazer o governo para dentro. Basicamente é um aplicativo de celular – mas é disponível também em site – no qual você vê um problema na rua, identifica isso com foto e localização. Essa informação vai para um sistema em que a gente coloca a prefeitura para fazer o atendimento. A primeira prefeitura que trabalhamos foi a de Curitiba.

A resposta da prefeitura é rápida?
Assim que uma pessoa faz uma publicação, a mensagem chega na prefeitura imediatamente. A primeira coisa que a prefeitura faz é dizer que recebeu a demanda, que identificou ser verdadeira, pois tem gente que publica informações falsas. Daí comunica que está mandando para um técnico responsável. Em 95% dos casos, essa primeira resposta é em menos de cinco horas. A prefeitura também pode consultar a população em situações como: Qual a banda que você quer que toque no show que será aberto ao público? Ou onde colocar R$ 1 milhão entre cinco projetos previstos? No passado eram 80 ou 90 pessoas nas assembleias do Orçamento Participativo. Com o Colab, fizemos com 10 mil pessoas participando este ano em Santos (SP).

Vocês estão em quantas cidades?
Hoje a Colab é uma das ferramentas sociais de relacionamento com o cidadão de Curitiba, Porto Alegre, Teresina, Natal, Recife, Campinas, Pelotas, Santos. São 150 prefeituras no País que utilizam a plataforma oficialmente. Temos pouco mais de 150 mil usuários e uma taxa de resolução muito superior a qualquer tipo de programa. Em algumas prefeituras em que se usa telefone para solicitar serviços, tipo poda de árvore, o índice de 2015 de atendimento e resolução era de 4%. Com o Colab, na mesma prefeitura, alcançamos 90%. Isso porque a ferramenta de gestão que existe por trás é incrível. Faz com que a pessoa, não apenas coloque pressão nos funcionários públicos, mas passe a engajá-los, mostrando que o seu atendimento e trabalho tem um impacto naquela pessoa que fez a solicitação. Não é reclamação, é colaboração.

Como trabalham a gestão nos governos?
A gente fez uma ferramenta onde as prefeituras podem entrar gratuitamente. Tomamos essa decisão porque as contratações feitas pelo governo não são um caminho fácil, porque devem ser feitas por licitação. Mas como licitar uma ferramenta que só nós produzimos? Aí as prefeituras começaram a experimentar, porque era gratuita. Depois conseguimos ser contratados. Hoje temos funcionários que ficam dentro da prefeitura. Prefeituras como Recife, Teresina, Campinas, usam a plataforma mais completa, porque são as que temos contratos. Existem mais de 100 ou 150 funcionários da prefeitura atuando na ferramenta de gestão. Montamos todo um modelo de governança que estabelece reuniões mensais com os técnicos responsáveis e com os secretários das principais secretarias. Há também reunião bimensal com o prefeito. A partir daí começamos a mexer com o atendimento, com a relação entre a equipe. Montamos um negócio em que é importante o engajamento do setor público, para que todos na prefeitura trabalhem melhor, com mais gosto, mais vontade. Não é para meter medo ou pressão. É relacionamento.

E o investimento, como conseguiram?
No final de 2013 fechamos uma rodada de investimento com um fundo em São Paulo. Antes, neste mesmo ano, lançamos o Colab e em junho ganhamos o prêmio de melhor aplicativo de cidades do mundo, de uma fundação franco-suíça. A gente bombou na mídia brasileira e do mundo. O prêmio veio quando tínhamos apenas dois meses de uso.

Estava sendo utilizado onde?
Em nenhuma prefeitura. Era só o lado do cidadão publicando. Tínhamos o interesse em conectar as prefeituras. Como o prêmio bombou na mídia, gente do Brasil inteiro começou a entrar em contato com a gente. Lembro de uma semana que estive num dia com o prefeito de Maceió, outro com o governador do Rio e no outro com o prefeito de São Paulo. Todos querendo entender o aplicativo. Isso em 2013, quando havia acabado de acontecer as Jornadas de Junho. Só em 2014 recebemos apoio do fundo de investimento de São Paulo que investe em negócios de internet. Aí conseguimos vender uma parte da Quick Site e o seu escritório de São Paulo transformamos em Colab. Os sócios foram todos para São Paulo. E passamos a morar lá.

Curitiba então foi a primeira prefeitura a adotar?
A prefeitura de Curitiba desejava fazer um aplicativo de relacionamento com o cidadão, mas não precisou fazer, pois tinha o nosso. Gratuito e funcionando bem. Depois vieram todas as demais cidades. Saímos fazendo lançamentos. Em 2015 conseguimos os primeiros contratos com uma fundação privada pagando a parte que deveria ser paga pela prefeitura e nos contratou para três cidades: Campinas, Santos e Pelotas. Essa contratação deu o último passo que a gente precisava para poder ter uma tese de dispensa de licitação e conseguir ser contratado pelos governos diretamente.

Você vai ao exterior proferir palestras ou tem negócios por lá?
Fui algumas vezes, outros sócios também, por causa de eventos. Há uma ponte devido ao financiamento que recebemos através de alguns fundos americanos. Fora um monte de prêmios que recebemos. No ano passado também fiz um curso de soluções colaborativas para governos, na Universidade de Harvard. Foi de um aprendizado incrível. De lá, me chamaram para fazer uma palestra na universidade e dessa me chamaram para Oxford. A gente roda para falar sobre o que a gente faz, pois o Colab é único no mundo. Do jeito que a gente faz, ninguém faz. Um aplicativo onde você publica os buracos e a prefeitura atende, existe no mundo inteiro. Mas uma rede social que conecta cidadão e governo desse jeito, não. Após esse começo com as prefeituras, o que estamos fazendo é envolver agora o governo estadual, o governo federal, legisladores. Muito vereador, deputado nos procuraram. Vimos que fazia muito sentido. A rede social está passando por um momento de mudança e estamos mudando o produto. Gamificando a ferramenta, que vai virar como um Waze de pontuação e premiação. A gente está dando uma mexida na ferramenta para a parte da cidadania ser uma coisa prazerosa.

Como você analisa esses movimentos que surgiram nesses últimos anos e que têm as redes sociais como um fator muito importante?
Os movimentos sociais sempre existiram, mas agora na internet eles têm a possibilidade de ver as pessoas falando muito mais. Vejo algumas pessoas dizendo que a politica é rasa. Mas se você olhar para 5 ou 6 anos atrás, quando não tinha rede social, não tinha tinha debate. Não tinha briga nenhuma, mas é melhor ter a briga hoje porque as pessoas estão discutindo. Você tem noção do que está sendo discutido hoje no Facebook sobre a PEC? O brasileiro está entrando na rede social para discutir orçamento!. O mundo é muito mais inteligente por causa do digital. Eu vejo desse jeito.

Como você vê essa preocupação maior que a população está tendo com a cidade? Hoje a cidade ganhou uma importância muito maior do que tinha anos atrás.
Porque vivemos na cidade. Elas estão cada vez maiores. O processo de crescimento urbano é enorme. As cidades estão muito caóticas. Isso tem muito a ver com relação com a opção que o mundo fez em função do carro, que transformou a cidade numa coisa muito difícil de viver. O que começamos a perceber: as pessoas entenderam que a cidade é nossa e que é preciso tentar melhorar essa situação colaborativamente. A luta é para que a gente tenha em em breve cidades muito mais humanas.

Como é morar nessas em São Paulo e no Recife?
Eu morava em Casa Amarela. E o escritório era no Recife Antigo. Eu amo a minha cidade, mas tinha uma qualidade de vida que era um inferno. Todo dia enfrentava uma hora de trânsito. Você não tem opções de transporte público fáceis. No escritórionão tinha chuveiro, não dava para ir de bike. E aí você vai ficar no carro no trânsito ou no ônibus no trânsito. Eu prefiro ficar no carro com ar-condicionado. É a decisão que todo mundo está tomando. Eu tinha uma vida no Recife desse jeito. Quando nos mudamos para São Paulo, tomamos a decisão de morar próximo ao escritório. A primeira coisa que fizemos foi vender o carro. Eu vou a pé para o escritório. Acabamos de nos mudar há poucos meses. Moro há quatro minutos a pé do escritório. A mudança na qualidade de vida é absurda. Não tem mais carro, ando de táxi, uber, ônibus, metrô ou o que for. No momento que você começa a viver a cidade, a vida é muito melhor. Você começa a se preocupar com as calçadas e com o espaço público. Mas isso não é só no Recife. Acontece em Campinas, Porto Alegre. O povo está indo para uma experiência de cidade diferente. São Paulo é um exemplaço. Haddad fez uma coisa incrível, que foi ter uma visão de viver a cidade.

A conexão ainda é forte com Pernambuco?
Aqui é a nossa casa. Hoje tive uma reunião no Palácio das Princesas. A gente entrou no Recife com o Colab já tendo 100 prefeituras dentro. E como estamos abrindo o aplicativo para governos, a gente quer o Governo de Pernambuco esteja dentro. A gente quer criar o melhor case aqui. Todos os sócios são muito pernambucanos. O escritório da gente em São Paulo é uma embaixada de Pernambuco lá. A gente tenta levar um monte de funcionários daqui. A gente importa daqui para lá. Fazemos muito essa ponte.

Quais os próximos planos de vocês?
A gente está mexendo na rede social como não mexíamos há três anos. Contratamos consultor, eu fui para dentro do Google, no Vale do Silício, ter mentoria com gente de lá para fazer um produto espetacular para o cidadão, para que a pessoa se engaje em andar na cidade. A gente está fazendo um tipo Pokemon Go da cidadania, dentro do Colab. Queremos também aprofundar muito o trabalho da gente no Brasil, queremos estar em mais prefeituras, com mais contratos. Em termos de empresa, estamos abrindo um escritório em Brasília, que é um centro onde prefeitos, deputados, senadores passam sempre para poder conversar com Governo Federal. Vamos montar um escritório comercial só para conversar com pessoas. A gente recentemente fez uma sociedade com um pessoal de Portugal. Estamos levando o Colab para lá. Já está internacionalizada a ferramenta. Estamos buscando contratos lá para abrir e ser lançado. Talvez também na Colômbia. A ideia é até o final de 2017 abrirmos uma expansão internacional.

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