*Paulo Caldas
Neste ‘O olho do rinoceronte’ Frederico Spencer mantém o tom da sua elogiada poesia e volta seu talento para os textos em prosa. Apenas muda de gênero, pois mantém o ritmo do seu concerto literário. Neste curso migratório, vai carregando na mochila apetrechos de uso pessoal e faz uso deles na concepção estética de contos curtos, daqueles que obedecem à linhagem da boa ficção.
No conteúdo do conto “Dos santos domingos”, de forma subliminar e com maestria, apresenta o psicológico do personagem portador de ideia fixa em torno de uma musa anônima. E de mãos dadas com a estética, escreve: “aos domingos, ela não o via na janela com os olhos nas mãos”. E resgata, com propriedade, o que diz a mente do personagem em diálogo interior: “os dias de semana são sujos, as mulheres não valem a pena nesses dias”.
Durante a travessia, Fred se abriga sob a síntese, espécie de guarda-chuva indispensável à sua lida, na mesma medida que é usada na construção das imagens no conto “A pele”, quando alcança o esmero na aspereza da vida, a decadência física e apego às cifras, antes da emboscada da morte.
O autor segue o cortejo com destino ao seu melhor. No texto intitulado “Para o almoço” quando o cruel percorre o conteúdo na perspectiva da tragédia, surgem sutis passagens de tempo, palavras exatas, bem urdidas, capazes de premiar quem compôs e quem lê.
Fred transita entre as formas reveladoras dos gêneros, desvenda verdades escondidas no ninho dos preconceitos, no conto intitulado “Lola e Gina”, quando celebra um dos melhores trechos do livro. Aqui e ali, no entanto, o autor incorre em pequeninos pecados de natureza técnica, apenas filigranas, quase imperceptíveis, incapazes de inibir o entusiasmo do leitor e as virtudes do poeta.
*Paulo Caldas é escritor