Cultura bem temperada

Cultura bem temperada

Raul Lody

O tabuleiro, o acarajé e o sagrado

Acarajé é uma comida do final da tarde. É uma comida de Iansã orixá dos ventos e que representa a mulher livre. Iansã, que também é conhecida por Oyá, ensinou a mulher o ofício de fazer acarajé. É comida rápida, de rua, para ser feita na hora. É uma comida de mercado, de tabuleiro. Comida quente, feita no azeite de dendê.

Cada vez mais a “comida” é percebida e valorizada como uma manifestação cultural que sensibiliza e se comunica com as pessoas. A comida exige todos os sentidos e sentimentos para ser, verdadeiramente, integrada ao corpo e a memória, ganhando valor simbólico. Certamente na boca começa a emoção. É justamente na boca, apoiada pelos sentidos da visão, olfato, audição e tato, que a comida é integralmente entendida e assimilada. Comer não é apenas um ato biológico, é antes de tudo um ato tradutor de sinais, de reconhecimentos formais, de cores, de texturas, de temperaturas e de estética .

A presença da matriz africana está principalmente nas receitas que fundamentam a nossa culinária, particularizando e construindo o paladar do brasileiro. A nominação de produtos, ingredientes e temperos, apontam para a diversidade de povos e de civilizações que integram a nossa mesa e os nossos hábitos alimentares. Dos muitos pratos de matriz africana, o acarajé é um dos mais importantes, pelo que significa em âmbito social e religioso, e pelo que significa na afirmação de uma longa tradição de vender comida na rua, no caso com a baiana de acarajé. A venda de acarajé no tabuleiro é uma permanência econômica que data da época dos “ganhos”.

Há uma profunda identidade e pertencimento do acarajé com o povo baiano nas suas muitas tradições culturais. Também o acarajé integra as tradições africanas de Pernambuco, Maranhão, Rio de Janeiro. O acarajé é uma comida preparada com um tipo de feijão, que recebe o nome popular de “fradinho”; cebola, sal e é frito no azeite de dendê. O feijão é limpo, lavado, e passado em um pilão de pedra – pilão lítico. A massa é acrescida de cebola ralada, sal, e deve ser muito bem batida para manter a aeração e a textura necessária. O acarajé tradicional tem o formato e tamanho de uma colher de sopa.

Deve ser comido quente, puro, ou com molho de pimenta; podendo conter ainda vatapá, caruru, salada, e camarão defumado, transformando-se num verdadeiro sanduíche, popularmente chamado de “sanduíche nagô”. O acarajé está presente no cardápio sagrado do candomblé, sendo comida especial dos orixás Iansã e Xangô. Há uma forte identidade do dendê nos cardápios que são preservados nas cozinhas dos candomblés. Ele marca territórios de receitas e de conhecimento tradicional que se amplia para as casas, para as comidas do cotidiano.

Os acarajés oferecidos aos orixás têm formatos especiais e são ritualmente colocados nos pejis – santuários – com outras comidas. O acarajé é frito na hora. O dendê fervente aproxima os devotados consumidores desse bolinho que traz o cheiro da África. Ele é uma refeição ou um lanche; com também é o abará, o bolinho de estudante, as cocadas, os bolos; entre outras delícias da venda pública e profundamente cerimonial no tabuleiro.

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