*Por Amanda Ribeiro, especial para a Algomais
A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de que o ex-juiz Sergio Moro não teve imparcialidade no julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do triplex do Guarujá ocorreu no dia 23 de março, reacendendo debates antigos sobre a Operação Lava Jato, inclusive relembrando as suas semelhanças com a famosa operação italiana intitulada Mãos Limpas.
As semelhanças passam por fatores como a grande atenção midiática, enormes escândalos de corrupção, políticos famosos investigados e grandes volumes financeiros. Como se não fossem suficientes todas as similitudes relacionadas ao processo das Operações, o ex-juiz Sérgio Moro e a Operação Mãos Limpas têm uma conexão antiga. Em 2004, quando ainda iniciava a sua carreira, o ex-juiz inclusive publicou um artigo intitulado Considerações sobre a Operação Mani Pulite, no qual a define como “uma das mais impressionantes cruzadas judiciárias contra a corrupção política e administrativa”. A Operação que desvendou um gigantesco esquema de corrupção na Milão da década de 90 foi um dos temas mais estudados por Sérgio Moro. Mas afinal, como aconteceu a Mãos Limpas, inspiração para a enorme investigação que mexeu com a política no Brasil?
A grande Operação italiana Mani Pulite
A Operação Mãos Limpas iniciou em 1992 e, até a sua época, foi a maior Operação que investigava um esquema de corrupção sistêmica já vista. O seu marco inicial ocorreu com a prisão de Mário Chiesa, membro do Partido Socialista Italiano e administrador de hospital público, com propinas de sete mil libras nos bolsos (cerca de US $5.000,00 com o câmbio atual). Supostamente, o dinheiro teria vindo de uma companhia de limpeza. Depois da sua prisão, mais de quinze bilhões de libras foram apreendidas em contas bancárias, imóveis e títulos públicos.
Mário Chiesa confessou que exigia o pagamento de propina em cada contrato da instituição filantrópica no intuito de financiar ações do seu Partido e manter o cargo que ocupava no hospital. Ele expôs relações de corrupção sistemática em Milão que levou a novas investigações e prisões. Na prática, o sistema de propina estava tão generalizado que a expressão Tangentopoli ou Bribesville (em tradução livre: “cidade da propina”) passou a definir a situação.
Ao final da Operação, 1.300 pessoas foram condenadas por corrupção, desvios de verbas, lavagem de dinheiro, etc. Foram revelados também esquemas de desvio de dinheiro para campanhas políticas.
O que há de tão semelhante entre a Operação Mãos Limpas e a Lava Jato?
As duas operações tiveram um sucesso estrondoso inicialmente, tanto da opinião pública quanto da mídia. Políticos poderosos e outros expoentes da sociedade foram investigados, julgados e condenados. A Operação Lava Jato também tem números que surpreendem: cerca de 80 fases e 550 pessoas denunciadas com 12 bilhões de reais que retornaram aos cofres públicos.
Para que fiquem melhor esclarecidas as similitudes entre as operações, o advogado Leandro Felix*, especialista em Direito Público e membro do Centro de Estudos em Direito Eleitoral da ESA/PE, pontua alguns dos tópicos que expõem essa relação entre a Mãos Limpas e a Lava Jato:
“Apesar das duas operações terem sido criadas em momentos e distintos da história, é possível concluir que as semelhanças mais evidentes entre elas são: combate a corrupção, grande exposição midiática, excesso na condução dos processos, inclusive na revisão de algumas penas condenatórias aplicadas e utilização da operação para fins políticos”.
Uma das semelhanças mais interessantes é a trajetória de dois expoentes das investigações que foram do direito para a política: Antonio Di Pietro e Sérgio Moro. O primeiro, ex-promotor italiano, foi símbolo da Mani Pulite e grande protagonista da investigação. Sobre os fins políticos das operações, Leandro Felix acrescenta:
“Antônio di Pietro alçou voos políticos, se tornando membro do parlamento italiano, assim como o ex-juiz Sérgio Moro largou a toga para assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública, que é um cargo político. O mais interessante deste exemplo que trago é que Moro é um entusiasta do trabalho de Di Pietro, na Operação Mãos Limpas, e isso acabou com que ele tomasse o mesmo caminho que o de seu “mentor”. Devido a repercussão de seus trabalhos ambos acreditaram possuir uma força quase irrestrita para levar adiante suas pautas políticas".
O ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), chegou a dizer que a suspeição do ex-juiz Sergio Moro podia significar que a Lava Jato teria o mesmo fim que a Operação Mãos Limpas: “em que o sistema impregnado pela corrupção venceu o sistema de apuração de investigação e de condenação dos delitos ligados à corrupção”.
É uma preocupação no cenário atual que a Lava Jato acabe terminando como a Mãos Limpas, que chegou a ter um representante da Organização das Nações Unidas (ONU) para atestar a independência do Poder Judiciário italiano. Os investigadores foram até mesmo ameaçados de morte, enquanto a Operação perdia o apoio popular e tinha a sua condução investigada por órgãos de controle.
Sobre o caso da suspeição de Moro, o advogado Leandro Felix acrescenta que “tanto Moro quanto Di Pietro acabaram fracassando no caminho político trilhado, sendo aos poucos esvaziados politicamente”. Mas o que a suspeição de Moro realmente significa para a carreira do ex-juiz?
O que significa a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro?
A suspeição do ex-juiz Sérgio Moro significou afirmar a sua parcialidade no julgamento do ex-presidente Lula. Leandro Felix afirma que a suspeição é uma “cicatriz” na carreira do ex-juiz, e relembra que “a mesma 2ª Turma do STF” já havia se manifestado sobre a quebra de imparcialidade de Moro no Caso Banestado, “anulando a sentença condenatória de Paulo Roberto Krug, por ter tomado, na fase de assinatura do acordo de colaboração premiada, depoimentos de delatores, participando da produção de provas durante a fase de investigação”.
O especialista em Direito Público Leandro Felix define que, durante o processo da Lava Jato, foi possível constatar um embate “quase que romano” entre a defesa do ex-presidente Lula e o até então juiz Sérgio Moro e, para explicar em quais momentos o ex-Ministro da Justiça teria sido parcial, cita o “caso emblemático da divulgação de áudios”:
“Quando ela [a ex-presidente Dilma Rousseff), o nomeou [o ex-presidente Lula] Ministro-Chefe da Casa Civil. Aquela divulgação caiu como uma bomba no meio político e jurídico, a principal indagação era: o juiz Sérgio Moro grampeou e divulgou uma conversa onde uma das interlocutoras era a Presidente da República, agente que possui prerrogativa de foro? (...) A Constituição, em seu artigo 102, inciso I, alínea “b”, é taxativa ao afirmar que a presidente da República, nos casos de crimes comuns, só pode ser processada e julgada pelo Supremo Tribunal Federal”.
O ex-presidente Lula foi mesmo inocentado?
No dia 8 de março, o ex-presidente Lula havia tido outra vitória no STF. O ministro Edson Fachin determinou que Moro não tinha competência para julgar o petista, pois o caso não era apenas vinculado à Petrobras, um dos objetos de investigação da Lava Jato, e dessa forma os atos supostamente cometidos pelo ex-presidente não haviam ocorrido no Paraná, tornando a 13ª Vara de Curitiba incompetente no julgamento. Dessa forma, as condenações contra Lula foram anuladas.
Sobre as vitórias de Lula, o especialista esclarece: “até uma nova condenação, o ex-presidente Lula é não apenas inocente, como também elegível, tendo em vista que, com a anulação das suas condenações, ele tem restabelecidos seus direitos políticos”. Ele ressalva, porém, que é possível que estes direitos sejam retirados futuramente caso as demais ações judiciais avancem e os julgamentos sejam retomados. No caso de uma condenação, Lula seria inelegível novamente conforme a Lei da Ficha Limpa.
Para a Lava Jato, o advogado afirma que a situação é de desgaste e descredibilidade, enquanto se encontra em estado de “sobrevivência”; anteriormente, achávamos “que estávamos diante da operação que iria varrer a corrupção do nosso país”.
*Amanda Ribeiro (alexsyane.amanda@gmail.com)