“Os ciclos históricos se repetem”, diz Luiz Otávio Cavalcanti sobre 1817

O presidente da Fundação Joaquim Nabuco Luiz Otávio Cavalcanti foi entrevistado para a Revista Algomais sobre o aniversário dos 200 anos da Revolução Pernambucana de 1817. Ele faz parâmetros entre os temas presentes no século 19 e que seguem atuais em 2017. Confira abaixo a conversa na íntegra com o repórter Rafael Dantas.

Que parâmetros podemos traçar entre 1817 e 200 anos depois?

Há uma diferença e uma semelhança. A diferença é que naquela época não tinha internet. E ela faz uma diferença grande. Então é preciso a gente avaliar as épocas dentro dos seus contextos não só econômicos e sociais, mas tecnológicos. As tecnologias determinam uma série de atitudes e comportamentos. A grande diferença são as mídias sociais. A mídia social hoje tem uma importância muito grande porque ela é instantânea, tem um poder de influenciar muito grande e terceiro, ela faz censos diariamente. É como se fizéssemos censos sociais todos os dias. Isso é algo de uma importância enorme para abalizar o profissional, gestor, filósofo, pesquisador, o político. Essa é a grande diferença entre 17 e 17.

A semelhança é que no fundo nós estamos lidando com quase os mesmos problemas. E isto é terrível, 200 anos depois. Duzentos anos depois nós temos uma semiescravidão. Duzentos anos depois nós temos uma semieducação. Duzentos anos depois nós temos uma semiliberdade. Duzentos anos depois nós temos a gente continua a enfrentar os mesmos problemas. Quando a gente compara o grau de evolução da sociedade de então e da sociedade de hoje, verificamos que a natureza de certos problemas continua. Por exemplo, os privilégios. Nós tínhamos certos privilégios no império e continuamos com certos privilégios na república. Isso é inadmissível. Mudamos de século duas vezes. Mudamos de regime político. Mudamos o perfil da sociedade e continuamos mantendo os privilégios. Por exemplo: foro privilegiado. Existe coisa mais antiga do que foro privilegiado? O indivíduo se esconder, se ocultar, o sujeito se torna um clandestino político. O que se esconde no foro privilegiado. É uma clandestinidade política o privilégio do foro. Então, essa é na minha opinião o que separa e o que aproxima as duas épocas.

Naquele momento forte questionamento sobre os elevados tributos. Ao mesmo tempo vivemos recentemente um discurso mais contundente sobre a revisão do Pacto Federativo e uma revisão dos papéis e recursos dos Estados, municípios e União. Como a gente pode comparar essa contestação de hoje e aquela do passado que Pernambuco também viveu?

Os ciclos históricos eles quase que se repetem quando a gente não resolvem os problemas. Eles tendem a se repetir. A história se repete na medida em que a gente não revolve a história. Aluízio Magalhães dizia que a história acontece como uma espiral. Os fatos se passam quase os mesmos, só que em camadas diferentes. O processo na época, do ponto de vista da transferência de recursos para corte, significava retirar dinheiro do contribuinte pernambucano para iluminar o paço imperial no Rio de Janeiro enquanto aqui não tinha luz. O que acontece hoje? É que nós temos uma legislação alfandegária que erige uma barreira fiscal e tributária que impede a importação de bens produzidos lá fora, tornando o Nordeste dos mercados cativos dos produtos fabricados pela indústria paulista. Compramos produtos da indústria paulista mais caros e de menor qualidade. Ao invés da gente ter a possibilidade do acesso a bens produzidos na Europa e Estados Unidos a custo mais barato e menor qualidade. Então, o que existia na época era o colonialismo, o que existe hoje é o neocolonialismo interno. Essa é a questão.

Daí toda a insatisfação de Pernambuco e do Nordeste?
Exatamente. O que o Nordeste precisa compreender é o seguinte. O Nordeste é pobre, embora tenha bons recursos políticos. Mas o Nordeste precisa se unir. Não estou defendendo a Confederação do Equador, mas defendo a Confederação do Nordeste. É preciso se criar a Confederação do Nordeste. O que seria? Seria todos os Estados se unirem em torno de uma agenda comum, um projeto comum. Se a bancada nordestina é tão poderosa a ponto de eleger a mesa da Câmara ou de indicar ministros de Estado, porque a gente não se une programaticamente para promover a mudança de algumas políticas de modo que a gente não tenha que continuar convivendo com metade da renda per capta do Sudeste.

Em 1817 gerou uma ruptura com o Estado Brasileiro. Hoje, que a gente não visualiza isso, o que essa inquietação pode gerar?

O Brasil está vivendo uma transição. Essa transição tem duas característica. A primeira é a de que as instituições brasileiras, apesar de tudo estão funcionando. O Governo Temer nasceu na constituição, queira-se ou não, sendo a favor ou contra. Ele tem a legitimidade própria das coisas constituintes, na manifestação do congresso como consequência. Temos o Ministério Público, Procuradoria, Congresso, tudo funcionando. Essa é a primeira característica da transição brasileira, as instituições estão atuando dentro dos parâmetros constitucionais. A segunda característica é que toda transição tem uma origem e um destino. A gente percebeu isso no pós-getulismo. Ele claramente definia uma realidade da classe média urbana e rural, representadas pela UDN e pelo PSD, e o trabalhismo emergente. E Getúlio com a antevisão dele criou o PTB para acolher os operários que estavam vindo no rastro da urbanização e industrialização. Aquele processo nós tínhamos clareza quanto ao seu arremate. Na transição de Tancredo a gente tinha clareza. Havia um concerto, uma concertação, e a gente tinha a absoluta clareza em relação ao que ia se seguir. Porque os militares entregaram a chave do palácio aos civis. Havia uma maioria parlamentar constituída no legislativo, que garantia a Tancredo as condições de governabilidade. E mesmo com a morte de Tancredo o País caminhou, porque o processo estava aberto, havia uma sinalização institucional, havia lideranças políticas importantes (Ulisses, Covas, FHC, Pedro Simon, Paulo Brossard) que ajudavam a construir a estrada que nós sabíamos o destino, que era a democracia. E hoje? O problema da transição de hoje é que existe uma coisa que se chama Lava Jato. Temos origem, mas não destino. Ninguém é capaz de prever os solavancos políticos que vão ser produzidos na Lava Jato. O que temos que fazer? Respeitar as instituições para criar um destino. Não tem outra saída. Nós estamos condenados à Lava Jato, não estamos condenados na Lava Jato. Temos que percorrer toda a cartilha da Lava Jato, todos os capítulos dessa cartilha tem que ser lidos pela nação. E garantir que esse processo se dê dentro dos limites constitucionais.

Na época, o Estado enfrentou também um problema com a Seca. O que leva um País a conviver tantos anos com os mesmos problemas sem solução?

Em relação a seca, houve uma mudança de postura importante. Antigamente se falava de combate a seca. Mas ela é um fenômeno natural, você não combate, mas se convive com a seca. Mudar essa postura foi muito importante, porque significa compreender o fenômeno. Mudou a qualidade da compreensão da seca. Agora, o que precisamos fazer é ampliar a tecnologia e inovação tecnológica no semiárido. Temos que usar a tecnologia como o grande recurso para melhor conviver com a seca. Chegamos a lua, conseguimos resolver alguns problemas de poluição tecnologicamente, temos internet, softwares que façam que a gente no carro acenda a luz em casa. Então, vamos dirigir esse repertório para o semiárido, dotá-lo de mais tecnologia, que é o que o israelense faz.

Pernambuco sempre teve personagens relevantes para o País, politicamente fortes, com alguns pensadores de destaque. Inclusive mais recentemente. O que tem no Estado para gerar gente tão combativa e politicamente importante para o País?
Se a gente olhar a história, a gente vai ver que no século 16, Pernambuco foi o maior produtor de açúcar do mundo. E por conta disso, tivemos aqui nos séculos 16 e 17, levas de holandeses, espanhóis, italianos, judeus… pessoas de todas as partes do mundo então conhecido. Por conta disso a gente trouxe para cá as ideias iluministas dos séculos 18 e 19, que foram acalentadas no Seminário de Olinda e que produziram a ideologia humanista que provocou 1817 e 1824. E mais na frente 1848. Então a gente tem a presença de pessoas com outra formação, com outros dizeres. A gente teve a importação de ideais que foram tropicalizados nas nossas necessidades. E a gente teve a dor do autoritarismo de Pedro I. Então, tivemos uma presença estrangeira, ideias que alimentaram as nossas utopias e a gente sofreu a pena e a penalidade de Pedro I. Perdemos o território de Alagoas e do Oeste da Bahia. Se você misturar tudo isso, encontra uma certa explicação para a pernambucanidade, que é ao mesmo tempo a questão da altivez e da generosidade. É o resultado dessa mistura. Se você além disso, importa para aqui milhares de africanos para enriquecerem a nossa cultura, literatura e paisagem humana, então eu acho que é perfeitamente explicável que a gente seja capaz de produzir aqui esse estilo de liderança, esse estilo de fazer as coisas, de aceitar as coisas, de cantar e contar as coisas. O pernambucano tem uma grande musicalidade, tudo isso vem dessa mistura.

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