A primeira audiência realizada por Péricles, um grande amigo, foi traumática. Ele ainda era estagiário. O escritório onde trabalhava o designou para que realizasse uma audiência inicial na Justiça do Trabalho. Chegou lá nervoso, suado. Tremia mais que vara de bambu. O juiz pediu os documentos pessoais das partes, incluiu as informações iniciais na ata de audiência, perguntou se havia possibilidade de acordo, obtendo resposta negativa dos dois lados. Em seguida, olhou para Péricles e pediu a contestação que lhe foi prontamente entregue, em mãos. Naquela época os processos eram físicos. O juiz perguntou, dirigindo-se a Péricles:
– Quantas laudas, doutor?
– Hã?
– Quantas laudas?
– Como assim, excelência?
Aumentando o tom de voz, irritado, o juiz praticamente gritou:
– Quantas fooooolhas, doutor? Quantas fooooolhas tem a sua contestação? Me diga!
– Pois não, excelência.
Enquanto Péricles contava as folhas, mais perguntas:
– Você é estagiário ou advogado?
– Estagiário.
– É inscrito na OAB?
– Não, excelência.
– Mas então você sequer poderia estar sentado aqui.
– Mas, excelência…
– Mas nada! Levante-se! Será possível!?
– Gostaria de consignar os protestos…
– Você não pode protestar nada, meu filho. Você simplesmente não está nesta audiência!
– Estou sim. Olha eu aqui!
– Você está em carne e osso, mas não está t-e-c-n-i-c-a-m-e-n-t-e nesta sessão!!
– Como posso não estar tecnicamente aqui? Eu sou eu. Eu estou aqui. Seja em carne, seja em osso, seja espiritualmente, seja tecnicamente.
– Você quer que eu chame a polícia judiciária para lhe tirar daqui à força?
– Posso pelo menos pedir prazo para juntada de documentos?
– Meu amigo, você aqui não pode pedir N – A –D – A!!!
– Pelo amor de excelência, Deus. Digo, pelo amor de Deus, excelência, me deixe pelo menos assistir, então, quietinho aqui a audiência. O preposto pode conduzir o restante, não é mesmo!?
– A propósito, qual o seu nome?
– Péricles Lindoso Amado.
…pausa de uns dez segundos…
– Você “é o quê” de Eduardo Lindoso Amado?
– Filho!
– Sou amigo de infância do seu pai.
– Poxa…que sorte a minha.
– Ele roubou minha namorada quando éramos adolescentes.
– Poxa…que azar o meu.
– Mas gosto muito do seu pai.
– Ahã…imagino.
– Ele me fez um grande favor quando eu estava na faculdade. Arranjou-me o meu primeiro estágio. Eu era assim, inexperiente que nem você. Qual o seu período?
– Terceiro.
– Tinha que ser. Nem Direito Processual do Trabalho I você pagou ainda. Sente ali e assista a audiência quietinho, meu filho. Mande um abraço para o seu pai.
– Ah…vou mandar sim, excelência. Sinto muito pela sua namorada. Meu pai às vezes faz umas besteiras.
– A namorada a que me referi, rapaz, casou com o seu pai e hoje é a sua mãe. E a única besteira, pelo que vejo, foi você ter nascido.
– Excelência, acho melhor eu ir embora mesmo.
Bateu a porta e saiu. Hoje Péricles é parecerista tributário e, traumatizado, nunca mais fez audiência na vida.