“O funcionamento das plataformas digitais beneficia conteúdo falso antivacina.” - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

“O funcionamento das plataformas digitais beneficia conteúdo falso antivacina.”

Rafael Dantas

O número de brasileiros que afirmam querer se vacinar contra a Covid-19 caiu de 89% para 73%, ao mesmo tempo em que grupos antivacina cresceram 18% no Facebook. Preocupados com essa realidade, pesquisadores formaram a União Pro-Vacina, que tem monitorado esses grupos contrários aos imunizantes nas redes sociais e atuado no sentido de produzir informação baseada em evidências científicas sobre a importância da vacinação.

Nesta entrevista a Cláudia Santos, João Henrique Rafael, idealizador da União Pro-Vacina e analista de comunicação do Instituto de Estudos Avançados da USP, Polo Ribeirão Preto (IEA-RP). Informa o perfil desses grupos, o papel das plataformas digitais na disseminação dos seus discursos, baseados em fake news, e quais as soluções para combater a desinformação que propagam.

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Esse projeto é realizado desde 2019, quando nem se imaginava que viveríamos uma pandemia. A atuação desses grupos antivacina ocorre já algum tempo?
O projeto surgiu em novembro de 2019. No Instituto de Estudos Avançados da USP, monitoramos diversos temas e tentamos trazer soluções, principalmente relativas às políticas públicas. O que percebemos, já em 2019, é que os índices vacinais do Brasil vinham caindo desde 2016. O último ano em que as metas de vacinação foram atingidas foi 2015. Começamos a nos debruçar sobre o assunto e entender o porquê dessas quedas. Apesar de ser um problema multifacetado, muitas análises indicavam que a falta de comunicação sobre a importância das vacinas e o aumento do volume de desinformação eram algumas das causas. Percebemos que não havia nenhum grupo ou projeto que fazia esse monitoramento constante de grupos antivacina nas plataformas digitais. Então criamos a União Pró-Vacina para atuar nesses dois eixos: produzir informação baseada em evidências científicas sobre a importância da vacina, não só no contexto individual mas enquanto política pública de saúde, e para combater a desinformação.

Qual a importância das redes sociais para a atuação desses grupos?
Infelizmente, o movimento ou grupos contrários à vacinação existem desde quando a vacina começou. Não são uma novidade. Mas as plataformas digitais trouxeram muitos recursos para eles. Antes funcionavam quase como uma pequena seita, com poucos participantes, sem espaço no debate público – porque ninguém, em sã consciência, sedia espaço. As plataformas digitais têm o lado bom de dar voz às minorias, mas também começaram a dar voz a esse tipo de grupo antivacina. O mais antigo deles no Brasil completou seis anos em 2020. Eles souberam usar as plataformas para conseguir avançar com essa pauta baseada exclusiva e unicamente em mentiras, de cunho religioso e calcadas em teorias da conspiração. A forma como essas plataformas funcionam acabam beneficiando o conteúdo falso, que adota algumas estratégias que os conteúdos científico e jornalístico não utilizam. Por exemplo: a informação, geralmente vem com títulos chamativos que causam emoção, provocam medo e isso faz o usuário interagir com o conteúdo, porque é algo chocante. A partir do momento em que gera mais reações do usuário, a plataforma entende como sendo um conteúdo relevante e começa a impulsionar ainda mais essa informação. As plataformas foram fundamentais para dar espaço e recursos para esses grupos agirem. O modus operandi delas está diretamente relacionado ao crescimento desses grupos.

Quem são as pessoas que atuam nesses grupos?
Antes da pandemia, encontramos dois eixos principais: um ideológico, composto por pessoas que compraram esse discurso – exportado pelos EUA e países do Leste Europeu – de que a vacina faz parte de uma grande conspiração que visa a diminuir a população mundial. É algo parecido com uma seita. São dogmas, são pessoas com as quais você não consegue conversar porque tomam essas questões como verdades absolutas. Trata-se de um grupo pequeno mas que produz muito conteúdo. Nas nossas análises percebemos que 10% dos usuários desses grupos nas redes sociais produzem quase 80% do conteúdo. O problema, como eu disse, é que eles usam essas técnicas e vão atraindo pessoas que não são antivacina, mas têm dúvidas sobre o tema, querem saber mais e acabam encontrando essas informações falsas, até o ponto de se tornarem radicais e começarem a propagar também. Esse núcleo ideológico está baseado quase que totalmente no Facebook.

O outro eixo é mais comercial e funciona mais no Youtube. São grupos que também dominam essas técnicas e normalmente divulgam conteúdo sensacionalista e falso não só sobre vacina, mas sobre qualquer tema. Como no Youtube a remuneração é muito fácil de conseguir, então, eles criam um canal e oferecem ao Youtube para veicular propaganda nele. Quanto mais visualização, mais dinheiro eles ganham. Isso facilita muito a remuneração da desinformação. Quando o tema vacinação está em alta, esses canais, que são genéricos, produzem um vídeo específico atacando as vacinas com a ideia de conseguir visualização e transformar isso em monetização. Um dia, eles publicam um conteúdo contra a vacina e, no outro, sobre o término do casamento do Lucas Lima. Não são grupos ideológicos, são apenas interesseiros, sem ética, que sabem utilizar a plataforma para ganhar dinheiro vendendo desinformação. Com a disseminação da Covid-19, ocorreu um fenômeno novo. A pandemia no Brasil foi muito politizada e partidarizada. Desde a questão de minimizar a doença, até mesmo acreditar que ela não existia, além de ataques contra as máscaras, contra o isolamento. Acreditávamos que em algum momento, quando se começasse a
divulgar o avanço das pesquisas para a vacina da Covid-19, esse tema também seria politizado. E aí, nesse contexto, surgiu o eixo político. São grupos que normalmente divulgam conteúdos radicais e que começaram a atacar também a vacina para construir uma narrativa política. Eles se apresentam não contra a vacina, mas prioritariamente atacam a questão da obrigatoriedade da vacinação. Essa obrigatoriedade é um dos primeiros passos para diminuir a confiança da população nos imunizantes e empurrar outras pautas antivacina. Não sabemos se esse novo eixo irá perder força após a pandemia, mas ele aumentou muito o volume de informação falsa contra as vacinas.

Que tipo de ação deve ser feita para enfrentar essa desinformação?
Percebemos que em poucos meses a porcentagem da população que afirmava que tomaria a vacina contra a Covid-19 caiu de 89% para 73%. Imagine termos vacina disponível e a população não ter confiança para tomá-la? Será um cenário catastrófico, sendo que essa desconfiança, depois, pode passar para todas as outras vacinas do calendário. Nossos índices já estão ruins, se eles piorarem ainda mais seria o colapso da saúde pública. É um tema da máxima urgência. Cada dia que passa é um dia a menos que temos para enfrentar esse problema e um dia a mais para a desinformação circular. Não temos uma bala de prata que resolve tudo, mas também entendemos que existem eixos que precisam ser trabalhados para, no mínimo, mitigar esse volume alto de desinformação. O primeiro é que as autoridades, influenciadores e políticos precisam cessar imediatamente qualquer tipo de discurso ou narrativa que coloquem em dúvida as vacinas. Elas foram desenvolvidas por cientistas pesquisadores, então temas relacionados à vacina tem que ser discutidos por eles. A não ser que seja para reforçar a importância da vacina enquanto política pública ou para ajudar a diminuir a desinformação. Outra questão: as plataformas precisam ser cobradas e agir de uma maneira assertiva. Principalmente Facebook e Youtube, onde circula o maior volume de desinformação no Brasil, estão fazendo muito pouco, demorando para fazer e, mesmo assim, quando se posicionam, na prática, acabam não cumprindo as suas próprias políticas. A sociedade civil organizada, o Legislativo, as instituições, todos os agentes envolvidos na vacinação têm que fazer uma pressão para essas plataformas adotarem um comportamento, no mínimo, ético. Aliado a isso, os institutos de pesquisa e universidades precisam produzir conteúdo, em parceria com órgãos de imprensa, para divulgar informações verdadeiras. É o que estamos tentando fazer para ter, pelo menos, um contraponto nessa batalha assimétrica. Mas a divulgação da importância das vacinas acaba tendo um efeito no médio e longos prazos. É preciso muito tempo para conseguir explicar para a população. Porém, precisamos conseguir soluções para o curtíssimo prazo, porque estamos nas vésperas de iniciar a campanha de vacinação no País, com a população com muitas dúvidas, com políticos com discurso, no mínimo, dúbio e com as plataformas se comportando de uma forma irresponsável. O cenário no Brasil é um dos mais desafiadores do mundo.

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