Somos vizinhos, o que para mim já é um enorme atrevimento. Encontrei, por acaso, Dr. José Paulo Cavalcanti no empresarial onde mantemos nossos escritórios de advocacia. Três charutos preenchiam o bolso da frente do seu blazer. Óculos denunciavam tamanha intelectualidade, enquanto o suspensório sustentava o peso de ser o escritor brasileiro mais traduzido no exterior, depois de Paulo Coelho. O cheiro de tabaco incensou elegantemente o elevador e remeteu-me ao hálito do meu pai. Evidentemente que ele não faz a menor ideia de quem eu sou. Só duas coisas me ligam a este homem: já roubei coco da sua casa de praia, também amo Lisboa. Ele não desconfia de nada disso.
Não poderia perder a chance de me apresentar. Essas oportunidades são raras nas nossas vidas. Estava em frente a uma entidade. Então, com a cara de pau que me é peculiar, abordei o homem:
– Dr. José Paulo, o senhor escreveria o prefácio do livro a ser lançado por este jovem cronista amador que vos fala?
– De jeito nenhum – respondeu ele, com profunda franqueza. – Para que eu faça isso seria necessário ler, reler, admirar e não ter dúvidas quanto ao seu talento, meu filho.
– Mas escrevo melhor que Rubem Braga – disse eu, na tentativa de ser simpaticamente engraçado.
– Duvido muito – rebateu ele com inegável autoridade, mas com um sorriso de canto de boca, retribuindo o senso de humor.
Fomos andando até nossos carros. Estavam estacionados, coincidentemente, um de frente para o outro. Ficamos ali plantados por cerca de trinta minutos. Tive uma aula gratuita de intelectualidade e de vida. Ele deve ter notado de imediato minhas limitações porque calado estava, calado fiquei, enquanto danou-se a falar sobre vários assuntos, sobretudo literários. Lembrou episódios envolvendo gigantes do mundo da escrita. Não me atrevi a opinar sobre coisa alguma, enquanto aquela enciclopédia ambulante me metralhava de sabedoria. Talvez por nervosismo e tietagem. Dava para ouvir a voz da minha avó: “Cale-se e recolha a sua insignificância”. Mas pude assimilar uma dica por ele vomitada:
– Meu filho, quando escrevo, antes de publicar, reviso mais de cem vezes o texto até que não consiga mais alterar uma vírgula sequer.
O encontro já tinha valido a pena. Óbvio que para mim. Ao nos despedirmos, Dr. José Paulo solicitou que encaminhasse aos seus cuidados aquela que considero minha melhor crônica. Disse que se gostasse, solicitaria todo o restante para ler. Opa, já enviei, claro. Estou a rezar, no aguardo da sua resposta. Por enquanto o prefácio está estacionado como nossos carros. Seria maravilhoso que o Dr. José Paulo fosse para mim um pouco do que Gertrude Stein foi para Ernest Hemingway. A diferença é que não iríamos nos encontrar na Rue de Fleurus, 27, Paris. No máximo, fumaríamos Montecristo no Pina. Evidentemente que não sou nenhum Hemingway e, ele, escreve melhor e – não duvido – deve entender mais de Matisse e Picasso do que Mrs. Stein.
Aviso aos amigos que meu livro será lançado no ano que se aproxima, com ou sem prefácio. Feliz 2020 a todos!