Imagine-se habitante da capitania de Pernambuco durante o primeiro século da colonização, ou seja, de 1535 a 1635. Você veria o desenvolvimento saltando à vista. Éramos ricos, tal a abundância dos recursos naturais à nossa disposição. Eram frutas, madeiras e mesmo até plantas europeias e africanas adaptadas ao nosso solo gentil. O crescimento econômico era flagrante e, como corolário, logo teria início o aprimoramento intelectual.
Por aqui passaram, e escreveram sobre Pernambuco, cronistas como Hans Staen, alemão; o inglês Anthony Kinivet e o padre Fernão Cardim. Passaram. Já o português Bento Teixeira, ficou e é considerado um dos pioneiros da produção literária brasileira. Sua obra, embora maçante e desprovida de criatividade – assim dizem os críticos – é um valioso registro histórico e um marco de vanguarda do barroco brasileiro.
Toda a obra de Bento Teixeira, diga-se, é apenas um livro intitulado Prosopopeia. Diga-se mais, em verdade é um extenso poema épico servilmente inspirado em Os Lusíadas, narrando as glórias dos Albuquerque e as peripécias da viagem a Lisboa feita com seu patrono – Jorge de Albuquerque Coelho – terceiro donatário. Nela, Bento Teixeira conta que em meio à viagem o navio foi abordado pelos franceses e, como se fosse pouco, enfrentara uma violenta tempestade, ficando à deriva, sem água e sem alimentos. Relata o drama dos viajantes, assinalando os feitos e ressaltando a solidariedade e a coragem do donatário, que em todas as horas de angústia se manteve solidário com os companheiros de aventura que, felizmente, chegaram ao seu destino.
No entanto, nem tudo era felicidade. A Inquisição, por outro lado, não lhe dava trégua, nutrindo consistentes dúvidas quanto à solidez da fé cristã de Bento Teixeira. Para agravar a situação, seu casamento com a rigorosa cristã Filipa Raposa não ia bem, chegando ao ponto em que ela o acusou de ser um mau cristão. A perseguição do Santo Ofício recrudesceu, culminando com a prisão de Bento Teixeira, que foi julgado e absolvido.
Naquele mesmo ano, para defender sua honra (pelo menos foi o que ele alegou) matou a mulher e se refugiou no Mosteiro de São Bento, em Olinda, mas em uma tentativa de fuga foi preso e transferido para Lisboa, onde admitiu sua crença judaica e viveu seus últimos dias.
Existem poucas e descontinuadas informações sobre a vida de Bento Teixeira, tanto que sua biografia somente se consolidou em 1929, com o exame dos documentos chamados Denunciações de Pernambuco – o conjunto referente aos registros da Primeira Visitação do Santo Ofício às Partes do Brasil, em que se encontra menção a um depoimento ao Tribunal de um poeta cristão novo, batizado como Bento Teixeira. Foram somente 39 anos de vida, de 1561 a 1600, tempo em que ele nos legou Prosopopeia, uma obra maçante, desprovida de criatividade, mas de fundamental importância para a nossa literatura.
Olhai o grande gozo e doce glória /Que tereis quando, posto em descanso / Contardes esta larga e triste história, / Junto do pátrio lar, seguro e manso. / Que vai da batalha a ter victória, / O que do Mar inchado a um remanso, / Isso então haverá de vosso estado / Aos males que tiverdes já passado.
*Por Marcelo Alcoforado