Em palestra do projeto Pernambuco em Perspectiva, Armando Monteiro Neto aponta como o Estado pode aproveitar as oportunidades da política industrial do País.
*Por Rafael Dantas | Fotos: Tom Cabral | Imagem de abertura produzida pelo Bing Image Creator
A indústria mundial está em um ciclo forte de transição. Investimentos em descarbonização, avanços no processo de digitalização e os esforços em desconcentrar a produção mundial na China podem abrir espaço para o setor no Brasil e no Estado. O ex-ministro e ex-senador Armando Monteiro Neto analisou esse cenário e apontou caminhos para uma retomada industrial no projeto Pernambuco em Perspectiva – Planejamento de Longo Prazo. Realizado pela Revista Algomais e pela Rede Gestão, o evento trata a cada mês questões estratégicas para a construção das diretrizes de um novo modelo de desenvolvimento para o Estado.
Para um auditório repleto de empresários, acadêmicos e gestores públicos, Armando Monteiro Neto defendeu a atuação conjunta do poder público com a iniciativa privada para aumentar a competitividade da indústria. Em sua palestra, Armando ressaltou o papel do Estado na indução do setor em diferentes momentos da história da economia brasileira.
“O Brasil é um país de industrialização tardia. Mas, no início do Século 20, experimentou durante quase 50 anos um processo extraordinário de crescimento. É fundamental destacar que isso se deu pelo papel do estado brasileiro, que edificou as bases de uma indústria que terminou por dar suporte a um ciclo de substituição das importações”, analisou Armando, lembrando grandes empresas, como a Companhia Siderúrgica Nacional. “O Brasil construiu a mais importante plataforma manufatureira do hemisfério sul. Infelizmente, a partir dos anos 80, a indústria brasileira foi perdendo impulso”.
Ele analisou que a queda tem origens multifatoriais. No entanto, entre os motivos principais estão a instabilidade macroeconômica, a hiperinflação, a apreciação do câmbio e as taxas de juros reais, apontadas pelo ex-senador como alguns dos vilões que levaram o setor a uma inflexão dramática. O resultado disso, na opinião do ex-ministro, é que o País da industrialização tardia viveu uma “desindustrialização precoce”. “A indústria da transformação, que é a manufatura verdadeira- mente, que chegou a representar 28% do PIB brasileiro, hoje apresenta pouco mais de 11%”, comparou.
Se a memória desse passado recente é um tanto traumática, o futuro pode ser bem promissor na análise de Armando Monteiro Neto. A conjuntura pós-pandêmica e a pressão internacional, inclusive dos consumidores, por um modelo econômico mais sustentável estão trazendo grandes transformações para as cadeias industriais globais. É nessa transição que estão as saídas da estagnação.
“Desafio que temos é relançar a indústria brasileira num cenário que está nos oferecendo novas oportunidades. Eu diria que é o último trem que está passando para a indústria brasileira aproveitar. A crise da pandemia, o agravamento das tensões geopolíticas, o acirramento das tensões comerciais China-EUA, o desafio da descarbonização, da chamada manufatura verde: tudo isso está proporcionando um processo de reconfiguração das cadeias econômicas globais industriais”, apontou Armando.
Como um Estado inserido numa região de abundante energia renovável instalada e em potencial e com players conectados à agenda da descarbonização, há oportunidades para Pernambuco neste novo ciclo nacional e global.
INDÚSTRIA EM PERNAMBUCO
A indústria pernambucana viveu no início do século um impulso com a consolidação do Complexo de Suape, a chegada da Refinaria Abreu e Lima, em Ipojuca, e do Complexo Automotivo da Stellantis, em Goiana. Segundo Francisco Cunha – que fez uma explanação dos deba- tes do Pernambuco em Perspectiva –, com a concretização desses projetos, as projeções do Padre Lebret ainda nos anos 50 foram quase todas realizadas.
Dos eixos para o desenvolvimento do Estado apresentados pelo economista, que foi um profeta em Pernambuco, faltou apenas a ferrovia até o Sertão. A ligação entre Suape e a Transnordestina segue sendo um entrave a ser resolvido. Houve, no entanto, um compromisso do Governo Federal de retomada das obras.
“O modelo vigente de desenvolvimento de Pernambuco, foi gestado nos anos 50 com a contribuição notável do Padre Lebret, a maior autoridade em economia do desenvolvimento na época. Ele esboçou um modelo de desenvolvimento industrial-portuário que resultou, entre outras coisas, no Complexo Industrial-Portuário de Suape. Isso aconteceu até o final do século 20. No século 21, nos governos de Jarbas Vasconcelos e de Eduardo Campos, esse modelo praticamente se concluiu. Foi implantado quase na sua plenitude. A única coisa que ficou faltando nesse desenho foi a Transnordestina”, destacou Francisco Cunha.
A conclusão da ferrovia é um dos desafios do passado que se impõem para a economia pernambucana hoje. Há, no entanto, um conjunto de desafios expressivos, deconrrentes das novas tendências do século 21 que o Estado precisa atravessar para garantir competitividade. “Neste momento, estamos com a demanda de avançar com um amplo debate na sociedade que permita ajudar a formular um outro modelo de desenvolvimento sintonizado com os novos e exigentes desafios da atualidade”, ressaltou Francisco Cunha. Entre os entraves a serem ultrapassados no horizonte, o consultor elencou o aquecimento global, a disrupção digital, a crise fiscal estrutural do estado brasileiro e uma polarização político-social sem precedentes.
APROVEITAR O MOVIMENTO DA INDÚSTRIA NACIONAL
Com uma reconfiguração do cenário internacional, que indica um horizonte de oportunidades para o País e para Pernambuco, a NIB (Nova Indústria Brasil) é a estratégia do Governo Federal para ocupar os espaços gerados nesse novo panorama global. O ex-ministro avalia que o programa tem missões bem definidas, alinhadas com os problemas reais do setor, mas há dúvidas sobre a eficiência dos instrumentos propostos pelo Governo Lula para aumentar a competitividade industrial.
A Nova Indústria Brasil tem seis missões expressas. A primeira é promover cadeias agroindustriais sustentáveis e digitais, aumentando a participação da agroindústria no PIB agropecuário e mecanizando a agricultura familiar com máquinas nacionais. A segunda é desenvolver um complexo econômico e industrial da saúde que produza 70% das necessidades nacionais. A terceira é melhorar a infraestrutura e a mobilidade urbana, aumentando a produção local de transporte público sustentável. A quarta é digitalizar 90% das indústrias e triplicar a produção nacional em novas tecnologias. A quinta passa por avançar na bioeconomia e descarbonização. Por fim, a sexta é assegurar a autonomia na produção de tecnologias críticas para a defesa nacional.
Para o Estado aproveitar o impulso do esforço de reindustrialização do País, Armando sugere que seja criada em Pernambuco uma instância para monitorar todas as iniciativas relacionadas à competitividade. Seja no programa Nova Indústria Brasil, ou em outras pautas, como nos aspectos minuciosos da Reforma Tributária e as agendas setoriais que vão da infraestrutura à educação ligadas ao setor.
“Pernambuco precisa estar atento a esses eixos que estão sendo definidos pela política industrial brasileira. Não há como pensar a indústria do Estado sem nos conectar com esses eixos. Nós precisamos criar um mecanismo institucional de acompanhamento da política industrial e de como Pernambuco vai se inserir. É preciso monitorar de perto, acompanhar a questão dos financiamentos, como serão distribuídos no plano local, bem como a dimensão da comunicação da política industrial. Precisamos estruturar um escritório de projetos, uma espécie de força-tarefa para fazer esse acompanhamento”, propôs o ex-ministro.
Armando Monteiro Neto considera que cada um dos eixos da política industrial possui pontos de diálogo com os nichos de atuação consolidada em Pernambuco. A sugestão é identificar como a NIB pode rebater diante dos potenciais e dos desafios da estrutura industrial do Estado. “Isso pode ser utilizado para orientar a política de atração de investimentos do Estado”, sugeriu.
Apesar de muitos elogios à NIB, o ex-ministro avalia que os aportes relacionados ao programa – R$ 300 bilhões até 2026 – são muito modestos diante dos desafios nacionais. Além disso, Armando ressaltou que apenas 10% do que foi anunciado é referente ao desembolso a fundo perdido. Logo, a maior parcela é de financiamentos, empréstimos com taxa de juros parecidas com as praticadas pelo mercado.
Há um desafio também de impulsionar os investimentos do próprio Estado nas pautas de interesse do setor. “Pernambuco padece de um problema crônico, que é o baixíssimo investimento público. Em média, o Estado investiu nos últimos 20 anos apenas 2% da sua receita livre corrente. Precisamos ampliar para, no mínimo, compensar a depreciação da infraestrutura física. É claro que tem que envolver o Governo Federal e ter articulação para que as parcerias com o setor privado sejam estimuladas e ampliadas”.
Dentro do debate da Reforma Tributária, Armando Monteiro Neto destacou também uma oportunidade em relação à criação do Fundo Nacional do Desenvolvimento Regional. Ele informou que os cálculos indicam que Pernambuco tem a perspectiva de receber R$ 3 bilhões por ano para o fomento de atividades produtivas. “Isso vai representar algo muito importante para ampliar a capacidade de investimento de Pernambuco”.
PROPOSTA PARA UM CONSELHO PRÓ-INDÚSTRIA
O ex-governador João Lyra, presente no evento do Pernambuco em Perspectiva, sugeriu a concretização de um conselho pró-indústria para transformar as várias críticas e reivindicações referentes ao setor em ações práticas. “Eu queria sugerir criarmos uma instituição ou uma coordenação, junto com as instituições que são muito comprometidas com o desenvolvimento de Pernambuco, para que pudéssemos elaborar um projeto, com a participação da consultoria da TGI, e levarmos para o Governo do Estado aquilo que for de responsabilidade estadual, para as instituições do Governo Federal e para a Amupe (Associação Municipalista de Pernambuco) o que for dos municípios. Para que nós possamos dar uma continuidade efetiva de resolutividade”.
Na momento de responder aos participantes ao final do evento, Armando elogiou os esforços da governadora Raquel Lyra na atração de investimentos, bem como na capacidade de diálogo, e respondeu à proposta de João Lyra, sugerindo que há também um papel do Governo do Estado em convocar as forças de defesa da indústria. “O governo precisa ter essa iniciativa, pois tem um poder de indução grande”.
Na conclusão do evento, o mediador do encontro e sócio da TGI, Ricardo de Almeida, elogiou a análise esperançosa de Armando Monteiro Neto e a sugestão de João Lyra. O consultor respondeu ao ex-governador que o convite para transformar esse momento de palestras em uma instância de resolutividade das propostas está aceito. “Essa é a ideia, queremos sempre contribuir e nos incorporar em todos os espaços que discutem, de forma séria e consistente, o Estado de Pernambuco”, afirmou o consultor.
O projeto Pernambuco em Perspectiva segue discutindo os caminhos para a construção de um novo ciclo de desenvolvimento de Pernambuco nos próximos meses. Na edição de agosto, no dia 20, o convidado será o superintendente da Sudene, Danilo Cabral. Ele discutirá as oportunidades de Pernambuco no desenvolvimento do Nordeste.