O Recife que precisamos: caminhos para uma cidade parque sustentável – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

O Recife que precisamos: caminhos para uma cidade parque sustentável

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Projeto que propõe requalificação urbana, mobilidade humanizada e preservação histórica para enfrentar os desafios socioeconômicos e climáticos da capital pernambucana é apresentado aos prefeituráveis.

*Por Rafael Dantas

O que deve ser prioridade para a gestão da cidade nos próximos quatro anos? Essa é a pergunta que move diversos debates, pesquisas de opinião e a manifestação de muita gente a cada eleição. O Observatório do Recife e a CDL Recife, com apoio da Revista Algomais, têm promovido debates técnicos há mais de 20 anos para destacar propostas concretas e que estão além do tripé básico da educação, saúde e segurança, no projeto O Recife que Precisamos. No pleito municipal de 2024, os destaques estão para importantes intervenções urbanísticas e socioeconômicas nos bairros centrais e no aprofundamento do projeto Parque Capibaribe, com o objetivo de tornar a capital pernambucana uma Cidade Parque até 2037.

O projeto tem sido discutido com candidatos à Prefeitura do Recife desde as eleições de 2012. Os cinco eixos iniciais foram o futuro (em referência à necessidade de planejamento de longo prazo), a cidade (destacando a urgência no controle urbano), o caminho (numa proposta humanizada de mobilidade), a história (propondo a preservação do nosso patrimônio) e o rio (sugerindo um olhar sobre o Capibaribe como um vetor fundamental para o desenvolvimento sustentável urbano). A partir de 2020 entrou nessa agenda o eixo mundo (diante do fato de o Recife ser um hub diplomático).

Confira a seguir as principais propostas sugeridas nesses encontros com os prefeituráveis por O Recife que Precisamos. Essa agenda para o desenvolvimento sustentável da cidade foi construída a partir de workshops, caminhadas e estudos acadêmicos realizados nos últimos anos.

GESTÃO DO CENTRO E INVESTIMENTOS OPORTUNOS

Os bairros centrais e históricos do Recife sempre foram alvos de uma atenção especial do projeto. Com a criação do Gabinete do Centro, o Recentro, e com iniciativas de reativação desse território, como o Viva Guararapes e a requalificação de algumas vias e espaços notáveis, as propostas iniciais começaram a ser atendidas pelo poder público.

“É preciso potencializar a experiência bem-sucedida da gestão territorial do Centro com a incorporação da dimensão do planejamento de longo prazo como direcionador da ação, inclusive com a definição de projetos estratégicos orçamentados a serem coordenados pelo Gabinete do Centro”, sugeriu o sócio da TGI Consultoria, Francisco Cunha, acerca do Recentro.

Nos encontros com os prefeituráveis, Francisco Cunha defende potencializar a experiência bem-sucedida da gestão territorial do Centro com a incorporação do planejamento de longo prazo como direcionador da ação e com definição de projetos estratégicos orçamentados.

Além dos investimentos municipais, nos últimos anos, os bairros do Recife, de São José e Santo Antônio começaram a receber empreendimentos privados de grande porte. Uma das âncoras desse novo ciclo de investimentos é o Novotel Marina Recife, que trouxe junto um Centro de Convenções para uma área amplamente degradada da cidade.

As sugestões de O Recife que Precisamos dialogam com os avanços dos últimos anos e das oportunidades que esses novos empreendimentos estão trazendo ao território. Neste sentido, uma proposta objetiva do projeto é a requalificação da área que fica entre o novo Hotel Marina e o Centro de Convenções, de um lado, e do Mercado de São José, que já está em reforma. Nesse investimento estaria incluído o reordenamento do Mercado de Santa Rita, que foi desvirtuado de seus objetivos originais. Essa região entre as duas âncoras (o hotel e o mercado) hoje é ocupada principalmente por estacionamentos irregulares.

AVENIDAS GUARARAPES, DANTAS BARRETO E CORREDOR DO COMÉRCIO

Há um pedido da classe empresarial pela revitalização de outros eixos desses bairros centrais. O principal deles, atualmente, é a Avenida Guararapes. “No Centro tivemos um grande exemplo de reforma e requalificação que foi a Avenida Conde da Boa Vista. Hoje é uma via muito organizada. Foi feita a mudança e ela permaneceu. Atualmente, uma das regiões que nos preocupa é a Avenida Guararapes, que é um espaço público estratégico, mas mal utilizado”, afirma Fred Leal, presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas do Recife.

“Além de revitalizar a Avenida Guararapes, defendemos ser muito importante a abertura da Avenida Dantas Barreto até a Bacia do Pina, sem esquecer do Corredor do Comércio.” (Fred Leal)

Antigo cartão postal da cidade, a Avenida Guararapes foi abandonada nas últimas décadas, perdendo seu protagonismo de centro econômico. Há importantes investimentos anunciados recentemente, como a chegada do IFPE ao Trianon e mesmo a prometida reforma do antigo prédio do Diário de Pernambuco.

Há ainda importantes discussões de retrofit nas proximidades da avenida para uso de moradia, um antigo pleito para a região. A proposta registrada pelo O Recife que Precisamos é reabilitar a Avenida Guararapes e o seu entorno por intermédio da viabilização da moradia nos prédios desocupados, de modo a fazer retornar o dinamismo histórico da via e da região polarizada por ela.

Em relação à moradia, um dos pontos de preocupação mais recente é o aumento da população em situação de rua. Uma das pautas do projeto é o avanço da política de acolhimento, considerando cada caso individualmente, com estreita articulação dos agentes envolvidos. Além da questão da habitação, há uma proposta pelo ordenamento da distribuição de alimentos.

Em continuidade a essa reabilitação do Centro, Fred Leal destaca dois outros eixos de alto interesse do setor. “Associada à Avenida Guararapes, defendemos ser muito importante a abertura da Avenida Dantas Barreto até a Bacia do Pina, sem esquecer do Corredor do Comércio”, afirmou Fred Leal, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas do Recife.

A abertura da Dantas Barreto até o atual Cais José Estelita é um projeto antigo que sempre esbarrou nas linhas da Rede Ferroviária. No entanto, neste ano, a Prefeitura do Recife conseguiu um acordo com a Advocacia-Geral da União para incorporar a área do desativado Pátio Ferroviário das Cinco Pontas ao projeto de requalificação do terreno dos armazéns no Cais José Estelita.

“Essa abertura e a requalificação poderá transformar a Avenida Dantas Barreto, uma ‘ferida’ urbanística histórica, numa espécie de ‘sutura’ do território pela via da trajetória temporal dos séculos na cidade (Século 16 ao Século 21) até a sua ‘chegada’ na frente d’água da Bacia do Pina na Praça dos 500 Anos do Recife”, sugere o consultor Francisco Cunha.

A praça é um projeto sugerido pelo O Recife que Precisamos. A referência dos diferentes séculos se dá pelo fato dessa via integrar diversos pátios e praças que dialogam com os principais momentos da história da cidade. A antiga Praça Maurícia (atual Praça da República), o Pátio do Carmo e o Pátio de São Pedro são apenas alguns exemplos desse corredor da memória do Recife e de Pernambuco.

O Corredor do Comércio, também mencionado por Fred Leal, é um eixo que segue da Praça Maciel Pinheiro, passando pelas ruas da Imperatriz, Nova, Duque de Caxias e Rangel, até o Mercado de São José. Os principais pontos de atenção dessas vias seriam a continuidade da recuperação dos extremos (a Praça Maciel Pinheiro e o Mercado de São José) e a urgente revitalização da dinâmica da Rua da Imperatriz. Além dos intensos desafios urbanos, a competitividade do comércio dessa região sofreu fortes impactos com o avanço do e-commerce, o que exige uma atenção redobrada ao setor.

PRESERVAÇÃO DA HISTÓRIA

O Recife que Precisamos propõe também a preservação dos marcos históricos do Recife, sobretudo do seu Centro. Afinal, trata-se da capital mais antiga do País, sendo a primeira a completar 500 anos no ano de 2037. Com exceção de uma grande extensão do Bairro do Recife, que foi reabilitada pelas empresas que integram o polo tecnológico do Porto Digital, o Centro do Recife tem um aspecto de abandono e de insegurança. Muitos prédios centenários, de diferentes escolas arquitetônicas, seguem sem uso e em condições precárias de manutenção.

Para a designer Gisela Abad, participante ativa dos debates, preservar verdadeiramente algo requer não apenas o conhecimento do que se está preservando mas, também, entender o motivo dessa preservação. “Restaurar o protagonismo e a ocupação do Centro do Recife talvez seja o desafio mais instigante para a administração da cidade, pois envolve quase todos outros desafios. Está interligado à educação, à saúde, ao desenvolvimento econômico, à cultura, à mudança climática, ao transporte, à moradia e ao planejamento.”

“É necessário examinar cada parte desse território, observando suas vocações de ocupação, que entram em declínio quando se distanciam de sua origem. Surge a necessidade de uma reocupação contemporânea, sem destruir sua história.” (Gisela Abad)

Ela destaca que, nesse pequeno território da cidade, estão localizados os polos do poder político tanto da cidade quanto do Estado. “Observe que, em seus limites, estão as sedes dos três poderes da cidade e do Estado. Envolve tudo e todos. É necessário examinar cada parte desse território, observando suas vocações de ocupação, que curiosamente se repetem ao longo da história, mas entram em declínio quando se distanciam de sua origem. Daí, surge a necessidade de criatividade e equilíbrio para promover uma reocupação contemporânea, sem destruir sua história e viabilizando seu uso.”

Para reverter o cenário atual de abandono, Gisela propõe algumas medidas importantes. “É necessário investir nos equipamentos de preservação já existentes, com o objetivo de conservar acervos e acelerar a democratização e difusão da memória da cidade. É fundamental para isso contar com uma equipe pequena, inovadora, multidisciplinar e híbrida, que saiba escutar e propor soluções. E, claro, é preciso muita vontade política para implantar essas ações. Ao longo do tempo, o próprio tempo se tornará um instrumento, e os resultados virão.”

MOBILIDADE E SEGURANÇA NA PAUTA

Um pleito antigo do projeto Recife que Precisamos é para a reversão da prioridade da gestão da mobilidade. O avanço da rede cicloviária no Recife e dos investimentos em calçadas foram respostas iniciais às discussões que iniciaram na sociedade civil. “É preciso requalificar todas as calçadas do Centro, considerando que o meio mais volumoso de locomoção na região central é a mobilidade a pé, bem como promover um programa de arborização intensa para garantir proteção aos pedestres, levando em conta que na cidade tropical, quase equatorial, sombra é vida”, afirmou o consultor Francisco Cunha.

Além de dar continuidade à prioridade dos modos de deslocamento que não os individuais motorizados (carros e motos), com maior atenção às ciclovias e à estrutura voltada aos pedestres (calçadas e de iluminação), o projeto propõe de forma bastante objetiva ampliar o controle sobre a velocidade praticada no Recife, que é a maior causa de sinistros de trânsito.

“É preciso promover o acalmamento do tráfego no Centro da cidade, com ampliação da Zona 30 para todo o Centro Expandido, a exemplo do que acontece nas cidades mais avançadas do planeta, em sintonia com o estabelecimento da velocidade máxima de 50 km/h em toda a cidade, conforme recomendado pela Organização Mundial de Saúde”, afirma Francisco Cunha.

Para incentivar o acesso ao Centro pela mobilidade ativa e pelo transporte público, outro ponto de atenção é com a segurança. Em todas as pesquisas junto aos consumidores que circulam nos bairros centrais, a sensação de insegurança é a principal queixa. O projeto propõe reverter a sensação de insegurança e a depredação dos patrimônios público e privado com a criação e desenvolvimento de uma brigada da Guarda Municipal exclusiva para o Centro, em articulação com um monitoramento eletrônico de alta tecnologia.

DO CURTO AO LONGO PRAZO, DO PARQUE CAPIBARIBE À CIDADE PARQUE

Um ponto de alerta para conduzir o debate municipal de longo prazo da cidade são os efeitos do aquecimento global. Desde que o Recife surgiu como a 16ª cidade mais ameaçada, segundo o Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas da ONU, a preparação do território para a elevação do nível do mar entrou como uma prioridade.

Segundo estudos do pesquisador José Eustáquio Diniz Alves, o nível dos oceanos aumentou 9,4 cm entre 1993 e 2023. Isso resulta em uma elevação média de 0,30 cm ao ano. Na última década esse crescimento foi em torno de 0,42 cm. Mas, a expectativa do pesquisador é que diante das taxas atuais, outros 20 cm serão acrescentados ao nível médio global do mar até 2050.

Esse cenário cria intensas dificuldades para a capital pernambucana, que tem registrado alagamentos mesmo em dias sem chuva, apenas com a subida da maré. Diante disso, o consultor Francisco Cunha destaca a necessidade de “dar continuidade ao esforço de planejamento de longo prazo, de modo a favorecer a manutenção de uma discussão contínua das questões cruciais da cidade, sobretudo no que diz respeito à preparação para as mudanças climáticas que podem colocar a cidade em sério risco com os eventos extremos e com o avanço do nível do mar”.

Há um conjunto de intervenções urbanísticas feitas mundo afora com o objetivo de preparar as cidades para eventos climáticos extremos. Algumas dessas experiências já começam a ser adotadas no Recife, como parques alagáveis. Mas há outras medidas de proteção à população e de suporte à cidade que estão no momento de receber estudos e buscar parcerias.

A construção do Parque Capibaribe, que evoluiu para um conceito de cidade-parque, englobando os Rios Beberibe e Tejipió e a costa marinha da capital pernambucana, dialoga com essa preocupação climática e com o desenvolvimento de longo prazo. O Jardim do Baobá, o Cais da Vila Vintém e o Parque das Graças são peças do Parque Capibaribe que já estão prontas, sendo executadas mesmo no curto prazo.

Com o conceito elaborado e com projetos customizados para cada trecho dos rios, em diálogo com as comunidades locais, no longo prazo todas as margens dos três rios e as ruas de infiltração (as vias de acesso a esses espaços públicos) podem ser requalificadas e conectadas ao sistema de parques. Essa integração transformaria o Recife em uma cidade-parque. O desafio traçado pelo projeto, portanto, é de dar continuidade ao esforço de reintegração do rio com a implantação das margens-parque ao longo dos seus 15 km na cidade, além de avançar no desenvolvimento, via pesquisa da hipótese de o Recife vir a transformar-se numa cidade-parque até 2037.

“Avançamos muito na construção de uma visão de futuro, que é o Recife Cidade Parque. Trata-se de um sistema de espaços públicos, que pode ser traduzido urbanisticamente em um sistema de parques em torno das bacias do Rio Capibaribe, Beberibe e Tejipió, além da frente marinha do Recife”, afirma o professor da UFPE, Roberto Montezuma, que é arquiteto e urbanista.

Para os próximos passos de desenvolvimento desses projetos, Montezuma destaca ser preciso manter nos próximos parques a qualidade dos espaços vista nas primeiras peças que ficaram prontas. Além disso, pensar cada espaço a partir da sua realidade local. “O grande diferencial do Recife Cidade Parque é compreender que cada lugar vai ter uma personalidade específica, não é um padrão só. É preciso entender que cada um desses parques tem que surgir, emergir do lugar. As características, as soluções não podem ser uma padronização”.

Além disso, o pesquisador defende que é o momento de seguir as pesquisas para as demais frentes do parque. “Tem que ir para a Bacia do Beberibe, que está sendo pesquisada e que tem a maior vulnerabilidade, a Bacia do Tejipió e para a frente marinha, que é a possibilidade do Recife, se não cuidar, desaparecer com o aumento do nível do mar. Então, é um grande desafio continuar nessas pesquisas, avançando nas soluções”. Ele destaca que, nos últimos anos, a UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) passou a fazer parcerias com uma rede de instituições internacionais atentas à temática das mudanças climáticas. Além de diversas universidades brasileiras, ele destaca a TU Delft (Universidade Tecnológica de Delft), a IHE Delft Institute for Water Education, a Municipalidade de Amsterdã, entre outros.

Os principais candidatos à Prefeitura do Recife estão tendo acesso a esse conteúdo atualizado de O Recife que Precisamos e suas inferências sobre as propostas serão alvo da próxima reportagem de capa da Revista Algomais. Participaram dos debates os candidatos João Campos, Gilson Machado, Dani Portela e Tecio Teles. Daniel Coelho encerra esse ciclo de eventos nesta semana.

Com pautas estratégicas, que estão além de um ciclo municipal de quatro anos, O Recife que Precisamos tem apontado para desafios menos óbvios, bem como para oportunidades iminentes para a cidade. O curto e o longo prazo na mesma agenda para atender os recifenses de hoje e do amanhã.

*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais e assina as colunas Gente & Negócios e Pernambuco Antigamente (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)

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