Seminário de Olinda e a República de 1817 – Por Leonardo Dantas – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

Seminário de Olinda e a República de 1817 – Por Leonardo Dantas

Homem do século 16, bom cristão, temente à Deus, Duarte Coelho cedo preocupou-se com a fé do seu povo. Muito antes de sua partida para o Brasil, já contratara os serviços do Padre Mestre Pedro da Figueira, que viria a ser o primeiro vigário da igreja matriz do Salvador de Olinda, tendo este recebido o seu primeiro ordenado em 3 de junho de 1534; correspondente a um trimestre, 3$750, a razão de 15$000 ao ano.

No âmbito da vila de Olinda foram logo construídas as igrejas de Nossa Senhora do Monte, já existente em 1537, a matriz do Salvador (1536) e a ermida de Nossa Senhora da Graça (1550), esta última erguida pelo próprio Duarte Coelho, sobre o outeiro mais alto da capital da Nova Lusitânia. Com a chegada dos jesuítas Manuel da Nóbrega e Antônio Pires à Olinda (1551), Duarte Coelho fez a doação da ermida de Nossa Senhora da Graça, com todas as terras ao seu redor, aos padres da Companhia de Jesus para que nela fosse fundado um colégio e iniciassem a catequização dos indígenas.

Após diversos insucessos, conseguiram os jesuítas abrir o colégio de Olinda, que prestou seus bons serviços, embora não chegasse ao esplendor de outros colégios, nomeadamente o da Bahia. Pregaram missões populares na vila e pelos engenhos. Mas quanto aos índios pouco foi feito, apenas uma ou outra aldeia, durante todo século 1,6 no máximo chegando a quatro, incluída a Paraíba, com pessoal muito limitado, não obstante ser a capitania mais povoada do Brasil.

As atividades do Real Colégio de Olinda, construído parcialmente com subsídios da Coroa, pagos em açúcar que era comercializado pelos padres jesuítas, só vieram ter início em 1568, como escola elementar, acrescentando-se dois anos mais tarde o curso de latim. Em 1576, na presença do Bispo D. Antônio Barreiros, 3º Bispo do Brasil (1576-1600), foi instalado o curso de Teologia Moral, “em vista ao elevado número de clérigos. Nessa época chegou a contar 92 alunos, dos quais 32 no curso de humanidades e 70 no elementar. Entre seus reitores destacaram-se o padre Rodrigo de Freitas (1568-1572) e o padre Luís da Grã (1577-1589), este último o mais capaz e benemérito dos superiores jesuítas de Pernambuco. Fora das lições de casos, não houve no Colégio de Olinda outros estudos de grau superior, devendo os alunos que os quisessem continuar ir à Bahia ou ao Reino” (Arlindo Rubert, A Igreja no Brasil. v. I. Santa Maria (RS): 1981. p. 61 e 158. p. 251).

A antiga ermida construída pelo primeiro donatário foi logo substituída por outra maior. Ainda no século 16, entre 1584 e 1592, os padres da Companhia de Jesus levantaram a igreja atual, de frontispício sóbrio, frontão triangular, cobertura em duas águas e nave única. A capela-mor é ladeada por duas capelas reentrantes, sendo o traçado do templo inspirado na arquitetura da igreja de São Roque de Lisboa, no Bairro Alto. Já nos primeiros anos, os padres da Companhia de Jesus também instalaram no local um Horto Botânico, a fim de aclimatar as primeiras mudas de plantas trazidas de outros continentes para o Brasil (coqueiros, bananeiras, etc.).

Com o banimento da Companhia de Jesus de todo o Reino de Portugal, através de decreto do Marquês do Pombal, ministro de D. José I, em 3 de setembro de 1759, foram fechados os colégios jesuítas de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Belém, Paraíba, Olinda e Recife, além de numerosas residências e missões catequéticas junto aos indígenas. Esteve o colégio dos Jesuítas abandonado até 1796, quando o prédio e todos os seus pertences foram doados, por ordem do Príncipe Regente D. João, ao 12º Bispo de Pernambuco, D. José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho (1742-1821), para nele funcionar o Seminário Episcopal de Nossa Senhora da Graça, solenemente instalado em 16 de fevereiro de 1800.

Desejava Azeredo Coutinho uma instituição de ensino não somente nos modelos recomendados pelo Concílio de Trento, em sua reunião de 15 de julho de 1546, mas um “colégio para se instruir a Mocidade da nossa Diocese no conhecimento das verdades da Religião, na prática dos bons costumes, e nos estudos das artes e ciências, que são necessárias para polir o homem e fazer Ministros dignos de serviram à Igreja, e ao Estado”; conforme acentua, em sua introdução, os Estatutos do Seminário Episcopal de N. Senhora da Graça da cidade de Olinda de Pernambuco.

De logo, no dizer de Oliveira Lima, a obra de Azeredo Coutinho transformou-se no “melhor colégio de instrução secundária do Brasil. Os processos pedagógicos dos jesuítas, imbuídos da filosofia aristotélica, cederam aí o passo à renovação intelectual pelas doutrinas cartesianas, de que os padres do Oratório foram em Portugal os propugnados mais audazes, seguidos de perto por membros de outras ordens religiosas, que evolucionaram no terreno filosófico antes das reformas pombalinas de ensino, baseadas no Verdadeiro Método de Estudar, do padre Verney, crítica desapiedada ao sistema da Companhia, o qual sacrificava a inteligência à memória”. 1

Foi o Seminário de Olinda a grande instituição formadora de inteligências, com os nomes dos seus mestres e discípulos participando dos primeiros movimentos de caráter liberal em nosso País. Lentes e seminaristas se encarregaram, logo no início do século 19, a propagar entre nós os ensinamentos de Jean-Jacques Rousseau e Montesquieu, juntamente com conceitos da Constituição dos Estados Unidos da América e da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, provocando assim verdadeira revolução cultural testemunhada por Henry Koster, apesar da “vexatória e ridícula inspeção” feita aos livros. (Travels in Brazil; Londres, 1816).

Era o Seminário de Olinda, na opinião de Oliveira Lima, “a escola brasileira de boas maneiras e adiantamento político” enquanto “os sacerdotes formavam a classe mais instruída do país, e por este fato aninhara-se entre eles o mais veemente amor à liberdade. Verificando entre outros autores esta verdade, o inglês Koster refere-se designadamente a três padres de quem se honrava a ser amigo, e aos quais não poupa o seu caloroso elogio: os reverendos Almeida Fortuna [Pedro de] Souza Tenório e João Ribeiro Pessoa [de Mello Montenegro].”

De Olinda originava-se o sopro de liberdade anunciado dos púlpitos das igrejas, espalhadas por toda província, sob a luz das novas idéias debatidas e exaltadas pelos padres recém-saídos do seu Seminário. Alguns deles, com estudos em Coimbra e Montpellier, encarregavam-se de fomentar o clima de independência da coroa portuguesa, que antecedeu a Revolução Republicana de 1817; que a tradição popular veio denominar de Revolução de Padres, em cujos autos da Devassa aparecem processados nada menos de 73 sacerdotes católicos.

Em todas as revoluções liberais, particularmente nas de 1817 e 1824, a voz do clero de Olinda se fez presente, como observa Oliveira Lima nos comentários ao livro do monsenhor Muniz Tavares: “A revolução de 1817 pode quase dizer-se que foi uma revolução de padres, pelo menos constituíram o seu melhor elemento, o que mais provas deu de sinceridade, de isenção, e de devotamento, aqueles onde se recrutaram com poucas exceções, seus dirigentes”.

A presença do ideário liberal gerado dentro das classes do Seminário de Olinda tornou-se uma constante na vida pernambucana, com reflexos na vida nacional. Uma grande parcela dos nossos homens de letras, políticos, magistrados, membros do ministério público, professores, bacharéis e outros misteres, tiveram no Seminário de Olinda, o início de sua formação educacional. Foi no Seminário de Olinda, particularmente para as classes de menor poder aquisitivo, a forma através da qual as gerações, no Império e mesmo na República, utilizavam-se para ascender dentro da pirâmide social. Precisaria que se fizesse um estudo sobre os ex-alunos do Seminário, aqueles que não chegaram aos votos sacerdotais, a fim de melhor aquilatar a importância desta instituição na formação intelectual da gente brasileira.

O passado do Seminário de Olinda, por vezes se confunde com o ideário liberal de Pernambuco, nele vamos encontrar os fundamentos da formação de nossa pernambucanidade, originária do orgulho e da bravura de um Duarte Coelho e do heroísmo dos que fizeram a República de Pernambuco de 1817 e a Confederação do Equador de 1824.

*Por Leonardo Dantas, jornalista e historiador (Publicado em 08/04/2017)

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