Com a revolução pernambucana de 1817, que completou 200 anos nesta semana, caminham questões que são discutidas e têm efeitos até hoje, de acordo com historiadores. Entre elas, o debate se o movimento teve de fato um caráter “ independentista”, ou se se tratava de uma revolução separatista. A discussão sobre a desigualdade regional brasileira também é reforçada pelo episódio histórico.
A discussão sobre as intenções dos revolucionários em relação a outras regiões do país não é uma unanimidade entre os pesquisadores. Mesmo com a adesão das capitanias da Paraíba, Rio Grande do Norte e parte do Ceará, há diferentes versões a respeito do caráter separatista da insurreição de 1817.
O historiador Lula Couto afirma que há diferença em relação a outras revoltas separatistas realizadas depois da independência brasileira, quando já havia uma identidade nacional mais ou menos forjada. Mesmo assim, o termo é correto para ele. “No Brasil não houve nenhuma revolta pela independência do país como um todo. Não havia sentimento nacional para propor uma revolta nacional contra Portugal. Essas rebeliões não foram nacionais, foram locais”.
Pela organização territorial brasileira, o historiador e curador do Instituto Ricardo Brennand, Leonardo Dantas, avalia que não haveria condições práticas para a unificação de todas as capitanias em um movimento comum. “Eles não se proclamavam separatistas, mas se observamos o mapa do Brasil dos dias atuais, o movimento não teria como atingir todo o território. Por isso a revolução pode ser considerada separatista”, diz.
Já estudiosos do tema como o jornalista Paulo Santos, autor do livro Noiva da Revolução (ficção baseado em um romance real de um líder da revolução e uma jovem portuguesa), e o presidente do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP) e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), George Cabral, relatam que há registros de células revolucionárias também em Salvador e Rio de Janeiro.
“Há notícias registradas da circulação de líderes de Pernambuco em outras capitanias, sobretudo Salvador e Rio de Janeiro. E o padre Roma [um dos líderes] é enviado para ativar a célula de Salvador. Desgraçadamente para ele e para a revolução, ele para em Alagoas para notificar a população de lá, e antes que ele partisse alguém já informa ao governo do seu destino. Quando ele chega a Salvador é morto sem conseguir seguir o plano”, relata Cabral.
Segundo o historiador, a revolta estava programada para a Páscoa, mas eclodiu antes em Pernambuco. Paulo Santos registra, em suas entrevistas, que houve vazamento de informações ao governo, que tentou prender o grupo. Com a morte do brigadeiro Manuel Joaquim Barbosa de Castro pelo capitão do Exército José de Barros Lima, membro do grupo revolucionário, a insurreição começa antes do previsto.
“A historiografia produzida, sobretudo no Centro-sul tenta passar que estava escrito nas estrelas que o país teria a configuração territorial e estatal que teve depois de 1822. Mas não era bem assim, havia projetos diferentes de acordo com as regiões. Triunfou o projeto do Rio de Janeiro, liderado por Dom Pedro I. Poderia ter triunfado outro projeto, a independência poderia ter sido puxada por Pernambuco”, argumenta Cabral.
Desigualdade regional
A sangria de recursos da Capitania de Pernambuco para abastecer os cofres imperiais no Rio de Janeiro foi comum durante o Período Colonial, segundo George Cabral. Esse é uma das bandeiras da revolução que perdura até os dias atuais: a desigualdade regional.
“Há uma obra de Evaldo Cabral de Mello que elenca argumento de ordem contábil sobre o que se cobrava de imposto e o quanto era reaplicado. E demonstra uma desigualdade que faz com que, em boa parte do Império, a infraestrutura do Centro-sul fosse privilegiada. Para tirar as ferrovias do papel em Pernambuco houve uma trabalheira desgraçada, enquanto a malha ferroviária de lá se expandiu mais rapidamente com investimentos do Estado”, conta.
Leonardo Dantas pontua que as reclamações do Nordeste e em especial de Pernambuco contra a exploração do Centro-sul sempre foi flagrante; “os editorias do Diário de Pernambuco [jornal local] falam disso desde 1840”, diz. “O parque industrial de São Paulo cresceu com recursos retirados de outras regiões do país”. Para George Cabral, essa desigualdade não foi erradicada. “É claro que isso interfere, tem seus efeitos até hoje. E o pacto federativo ainda não está realmente resolvido no Brasil”.
Esse efeito, segundo Cabral, tem consequências até mesmo na importância dada à revolução na historiografia brasileira. “É um episódio subdimensionado nos ensinos na escola, nos livros didáticos.Minha esperança é que o bicentenário traga essa valorização sobre os valores e o patrimônio histórico”, espera.
(Agência Brasil)