Pesquisa investiga uso de canabidiol para reduzir sintomas de depressão
Peter Moon/via Agência FAPESP Os antidepressivos comerciais costumam demorar de duas a quatro semanas para promover efeitos significativos em pacientes deprimidos. Além disso, tais drogas são ineficazes em boa parte dos casos. Encontrar novos antidepressivos de ação rápida e duradoura é o objetivo de uma investigação colaborativa conduzida por cientistas do Estado de São Paulo e da Dinamarca. Eles observaram em estudo que uma única aplicação de canabidiol em ratos com sintomas depressivos apresentou efeitos muito significativos, com remissão de sintomas de depressão no mesmo dia e a manutenção dos efeitos benéficos por uma semana. O trabalho reforça estudos anteriores de que o canabidiol, um componente da maconha (Cannabis sativa), tem potencial terapêutico promissor no tratamento da depressão de amplo espectro em modelos pré-clínicos e humanos. Resultados foram publicados em artigo na revista Molecular Neurobiology por pesquisadores do grupo liderado por Sâmia Regiane Lourenço Joca, professora na Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FCFRP-USP). A pesquisa, que teve como primeira autora Amanda Juliana Sales, bolsista de doutorado da FAPESP, também contou com o apoio da Fundação por meio de um Projeto Temático, do CNPq e da dinamarquesa Aarhus University Research Foundation. As pesquisas com canabidiol estão ligadas ao grupo do professor Francisco Silveira Guimarães, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP. Participa ainda Gregers Wegener, professor no Departamento de Clínica Médica da Aarhus University. "O Brasil é pioneiro no estudo do canabidiol e hoje é muito diferente do que há 30 anos, quando começamos a investigar essa substância. Na época, enfrentávamos preconceito por causa da associação com a maconha", disse Guimarães à Agência FAPESP. Apesar de extraído da maconha, Guimarães ressalta que o canabidiol não produz dependência nem efeitos psicotrópicos. “A substância na maconha responsável por tais efeitos é o tetraidrocanabinol (THC) e com o canabidiol ocorre o oposto, ele exerce ação bloqueadora sobre alguns efeitos do THC”, disse. A investigação dos efeitos do canabidiol visa encontrar fármacos com potencial antidepressivo que atuem mais rapidamente no tratamento, diminuindo o período de latência observado nos antidepressivos convencionais. Guimarães observa que os antidepressivos disponíveis obtêm resultados em cerca de 60% dos pacientes, de modo que cerca de 40% dos pacientes permanecem sem receber o tratamento adequado, mesmo após tentarem diversas opções por vários meses. “Isso revela a necessidade de encontrarmos novos tratamentos, com melhor potencial terapêutico”, disse. O experimento foi feito com linhagens de ratos e camundongos selecionadas por cruzamento para desenvolver sintomas de depressão. Foram feitos testes e analisado o comportamento de 367 animais. “Submetemos os animais a situações de estresse, como o teste de nado forçado”, disse Joca, que também é professora visitante na Aarhus University. Antes do teste, uma parte dos animais recebeu uma injeção de canabidiol (com dosagens de 7, 10 e 30 mg/kg) em solução salina, enquanto outra parte dos animais, o grupo de controle, recebeu apenas a solução salina. Após 30 minutos, os animais foram colocados por 5 minutos em cilindros (25 cm de altura por 17 cm de diâmetro) com 30 cm de água (no caso dos ratos) ou 10 cm de água (camundongos). “Essas alturas impedem que eles apoiem a cauda no chão, forçando-os a nadar. No entanto, os animais aprendem a boiar após um tempo de nado e não se afogam. Quando estão boiando, os movimentos são mínimos, apenas para manter a cabeça fora da água e garantir que não se afoguem. É justamente isso que consideramos imobilidade, ou seja, quando param de nadar e boiam”, disse Joca. “O teste de nado forçado é utilizado para avaliar o efeito de drogas antidepressivas, uma vez que todos os antidepressivos conhecidos diminuem o tempo de imobilidade durante o teste (aumentam o tempo de nado). Portanto, a diminuição do tempo de imobilidade nesse teste é interpretada como efeito ‘tipo antidepressivo’”, disse. Os cientistas constataram que o canabidiol induziu efeitos semelhantes a antidepressivos agudos e sustentados nos camundongos submetidos ao teste de nado forçado. "No entanto, de modo a assegurar que esse resultado não seria decorrente apenas do aumento da atividade locomotora devido a um efeito psicoestimulante que levaria, por exemplo, os animais a nadarem mais, tivemos que realizar um controle de atividade locomotora”, disse Joca. "Fizemos o teste do campo aberto, que consiste em colocar o animal para explorar livremente um ambiente novo, enquanto registramos sua atividade locomotora e exploratória. Para dizer que uma droga tem potencial efeito antidepressivo, ela deve ser capaz de reduzir o tempo de imobilidade (aumentar o tempo de nado) no teste do nado forçado, sem aumentar a atividade locomotora no campo aberto, pois isso indicaria que os efeitos no teste do nado forçado não seriam secundários a alterações inespecíficas de atividade locomotora”, disse. Recuperação de circuitos neurais A conclusão do trabalho foi que o tratamento com canabidiol induz efeitos rápidos e sustentados, que permanecem por até sete dias após uma única administração, em animais submetidos a diferentes modelos de depressão (incluindo modelos de estresse e modelos de susceptibilidade genética). Os dados encontrados foram reproduzidos em três modelos animais diferentes, em laboratórios na FCFRP, na FMRP, ambos na USP, e na Aarhus University. "Ao estudar os mecanismos envolvidos nesses efeitos, observamos que o tratamento com canabidiol induz rápido aumento dos níveis de BDNF [fator neurotrófico derivado do cérebro], uma neurotrofina importante para a sobrevivência neuronal e neurogênese, que é o processo de formação de novos neurônios no cérebro. Também foi observado no córtex pré-frontal dos animais o aumento da sinaptogênese, que é o processo de formação de sinapses entre os neurônios do sistema nervoso central”, disse Sâmia Joca. Sete dias após o tratamento, foi possível observar aumento do número de proteínas sinápticas no córtex pré-frontal, que está intimamente relacionado à depressão em humanos. "Diante disso, acreditamos que o canabidiol inicie rapidamente mecanismos neuroplásticos que contribuem para recuperar circuitos neurais que estão prejudicados na depressão”, disse. Mas a atuação benéfica do canabidiol não se restringe ao córtex pré-frontal. "Em outro trabalho, demonstramos que o efeito do canabidiol também envolve mecanismos neuroplásticos que ocorrem no hipocampo, outra estrutura envolvida na neurobiologia da depressão”,
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