No mês da mulher, a doutora em história social pela USP, onde é pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação (LEER), e professora da UFRPE Graça Ataíde fala sobre as razões que levaram o papel feminino a ser invisibilizado na sociedade por gerações. Especialista em governos autoritários, ela conversou com os jornalistas Cláudia Santos e Rafael Dantas sobre alguns nomes menos conhecidos da vida política pernambucana. Personagens que durante os anos de chumbo assumiram o protagonismo para abrir algumas pautas e conquistar direitos que foram estendidos a todas as brasileiras. Por que o papel da mulher na história é desconhecido ou pouco estudado? Qual o motivo dessa invisibilidade? A mulher foi muito protegida. Mas essa proteção na história da humanidade era uma proteção para barrá-la de crescer. Impedi-la de alcançar espaços que têm sido tradicionalmente ocupados pelos homens. Isso é uma tradição e decorre da cultura de cada país, uma mais perversa do que a outra. Os países foram trazendo a mulher para um espaço de onde ela não deveria sair. Muitas lutaram pelo direito do voto. Elas começam a votar no Brasil em 1933, para a Constituinte. Mas por que Getúlio concede o voto? Porque era a garantia de barreira contra o comunismo. A Igreja Católica faz um pacto grande com o Estado nessa época dizendo que as mulheres iriam votar para eleger constituintes fiéis católicos para depois voltarem para o recôndito do lar. Isso está, inclusive, registrado em um artigo na revista Maria, da Congregação Mariana. Hoje nós, mulheres, temos buscado espaços, mas não tem sido fácil. Esse fenômeno da invisibilidade feminina foi mais forte no Brasil? Não. Na segunda metade do Século 19, franceses, como o psicólogo Gustave Le Bon, diziam que o cérebro da mulher era inferior ao do homem, salvo o de algumas mulheres francesas. Ele era totalmente preconceituoso. Então, não é uma história do Brasil, nem do Nordeste, mas é do mundo. Estudei no meu doutorado e pós-doutorado a ditadura varguista no Brasil e salazarista em Portugal, que era mais machista que a brasileira. Em Portugal, na época de Salazar, havia uma sociedade agrária, que tendia a ser muito conservadora. No Brasil, antes da podermos votar, éramos vistas pela sociedade iguais aos índios, loucos e crianças. Há um livro sobre a República no Brasil de José Murilo de Carvalho chamado Formação das Almas que informa que o único quadro mostrando a mulher na República brasileira foi pintado na Itália e não tem projeção no Brasil. Tentou-se muito trazer a figura de Marianne, da Revolução Francesa, para o Brasil, mas não se conseguiu (trata-se da representação simbólica da República pelos franceses, pintada em quadros de artistas como Eugène Delacroix e que está cunhada na moeda de R$ 1 e impressa na nota de R$ 100). No seu livro História (nem sempre) bem-humorada de Pernambuco: 140 caricaturas do Século 19, escrito com a professora da UFRPE Rosário Andrade, como a mulher era representada nessas charges? Essa publicação chegou a ser premiada no Troféu HQ Mix, como melhor livro teórico. Nela fica bem claro que todas as vezes em que se queria caracterizar alguma coisa ruim era usada uma figura feminina. Por exemplo, quando queriam retratar a República que estava mal, desenhavam uma mulher prostituta. Diferentemente, na França, a República era a figura da Marianne, mulher romana, altiva. No meu conceito, essa questão está centrada no imaginário construído sobre a mulher, que é muito forte ainda. Estudei algumas mulheres na Revolução de 1930. Quando é criado o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e acontece a Intentona Comunista, muitas mulheres são perseguidas. Quando tive acesso ao arquivo do DOPS, pude ver um pouco da vida dessas mulheres. Acho que todo esse silêncio em torno delas tem a ver com uma cultura não só do Brasil, mas mundial. Tenho 70 anos, estou há 42 na universidade. Nesse tempo, muitas mulheres tiveram um papel importante também no combate à ditadura de 1964. Mas elas são homenageadas apenas colocando seus nomes em espaços pouco significantes da cidade. O que está na base desse imaginário sobre a figura feminina? A sociedade patriarcal que não permitia à mulher nem se sentar à mesa na época da colonização. Ela sabia que o marido usava as escravas. Havia muito sadismo por parte das sinhás em relação às escravas. O livro Proteção e Obediência mostrava que uma mulher branca em São Paulo só andava na rua, mesmo depois da abolição, no fim do Século 19, com uma criança negra, que era a sua proteção. Na verdade, era para dizer que ela não estava só. Isso era terrível porque uma criancinha não poderia socorrer uma mulher adulta. A mulher era colocada num lugar de que tinha que ser protegida. Mas ao mesmo tempo era silenciada e invisibilizada. Elas não definiam nada da vida dos filhos nem tinham direito ao prazer. O prazer feminino é uma coisa muito nova, vem com a minha geração dos anos 60, que começou a revolucionar, que rasgou o sutiã na rua e que não achava que o seu corpo teria que ser perfeito. . Como a senhora avalia a preocupação da mulher com o corpo dos dias de hoje? Na geração de agora a mulher se preocupa muito com o corpo que ela vai apresentar e só pode ser para o homem. As suas rugas e o seu corpo é a sua vida, a sua história. Se observarmos pessoas como a atriz Vanessa Redgrave (hoje aos 83 anos) é uma mulher linda. Ou ao ver uma foto da escritora e crítica de arte Susan Sontag quando já tinha uma idade avançada (falecida aos 71 anos, em 2004) são mulheres lindas na velhice. Vejo quase que uma escravidão da mulher em relação à balança. Isso é para quê? Se for para um orgulho pessoal, tudo bem. Mas senão for, o caminho não é por aí. Dentro dessa reflexão acerca da relevância social das mulheres, qual a sua análise sobre Brites de Albuquerque, mulher de Duarte Coelho? A