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Kamala Harris

Os Estados Unidos na encruzilhada: desafios e perspectivas de Biden (Por Thales Castro)

Guiados pelo ímpeto democrático-representativo, os EUA foram e continuam sendo, desde sua independência em 1776, farol das liberdades individuais, do pluralismo e da estabilidade do sistema político presidencialista sob forma federal. A Revolução Americana de 1776 – embora não tão citada na historiografia contemporânea como a coirmã da Revolução Francesa de 1789 – representa marco indelével para o Ocidente que bebe da fonte greco-romana e judaico-cristã. Os ideais ali postos desde a publicação dos Federalists Papers de 1788 de Hamilton, Madison e Jay continuam inspirando grandes democracias no mundo e seus processos políticos internos. Os fatos recentes na política norte-americana durante a gestão conservadora-nacionalista de Trump (2017-2021) representam, de fato, ponto de inflexão. Rompendo com várias tradições e liturgias desse país que preza pela robustez de suas instituições, o lapso temporal que vai de 3 de novembro de 2020 (eleições) até 20 de janeiro de 2021 (posse de Biden) foram de instabilidade sistêmica, gerando incertezas na diplomacia, na política mundial e nos mercados financeiros. Outras decorrências de tal momento foram simbolismos personalistas de retrocesso e violência recrudescente. O zênite do lapso temporal em questão foi a invasão aberrante e inadmissível (com mortes) ao Capitólio no dia 6 de janeiro do corrente. Desta feita, a posse de Biden que misturou emoções contidas, hipnose coletiva e veias de esperança foi um verdadeiro threshold desta “terra em transe” – lembrando o filme de 1967 do Cinema Novo do grande Glauber Rocha. A questão fundamental é: Trump é mera causa ou consequência imprudente de um mundo disforme em ebulição, cuja aceleração de tais transformações se deu a partir da crise sanitária do coronavírus (2019-2021)? Quem veio primeiro? Foi a crise migratória Europeia de 2015 – a maior desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) – que precipita o Brexit e a própria eleição de Trump em 2016? Ou Trump representou, como arquétipo, a eclosão de forças obscuras que temos no âmago da “vontade de potência”, como assim preconizava Nietzsche? Apesar de olharmos para um terreno pantanoso, nem tudo é fetichismo de derrota e de demonização de Trump. O ex-presidente conseguiu ter alguns êxitos pontuais nas agendas externa e doméstica: conduziu ampla reforma tributária que repatriou recursos e empresas norte-americanas; conseguiu abrir o diálogo com o ditador norte-coreano Kim Jung-Un, buscando uma tentativa de paz na Península da Coreia; iniciou diálogo de paz com os Taliban no Afeganistão; e, por fim, desenvolveu geopolítica ousada que trouxe ganhos concretos para Israel, que passou a ser reconhecido pelo Bahrain e pelos Emirados Árabes Unidos com regularização de voos comerciais com a Arábia Saudita. As taxas de desemprego pré-crise sanitária chegaram aos baixíssimos patamares de 3,5%. Ou seja, há sempre vertentes binárias de ganhos e perdas; otimismo e pessimismo; erros e acertos. Ao final, a contabilidade político-eleitoral líquida do contexto revelou a preponderância de erros, dramas e danos que culminaram na vitória de Biden e Kamala Harris. Há muitas perguntas que estão e ainda permanecerão no ar. Outras tantas precisarão ser respondidas de maneira mais objetiva e imediata pelo novo mandatário do Partido Democrata. Por exemplo: o pacote de Biden de ajuda econômica de US$ 1,9 trilhão de ajuda imediata às famílias será eficaz e terá saúde fiscal efetiva no médio prazo? Gozando de maioria em ambas as Casas do Congresso, Biden terá árduo trabalho a desempenhar naquilo que chamo de “política sistêmica do sinal trocado”, ou seja, reverter várias decisões administrativas da gestão anterior no campo da imigração, relações internacionais (especialmente com aliados históricos na Europa e com a China), energia, clima (Acordo de Paris de 2015) num país fraturado. O quadro geral político, empregatício e social é dantesco para Biden: 10 milhões de desempregados numa população geral de 330 milhões de habitantes. A economia só recuperou cerca da metade dos 22 milhões de empregos que havia perdido no pico da pandemia. A taxa de desemprego em dezembro foi de 6,7%, menor do que seu máximo de 14,7% em abril de 2020, mas ainda muito maior do que as mínimas históricas, de 3,5% em fevereiro de 2020. Em dezembro, houve, igualmente, uma queda de 0,7% de vendas no varejo. Hoje dados oficiais do Census Bureau confirmam que 14 milhões de pessoas têm aluguéis residenciais em atraso. A recuperação da atividade econômica, do emprego formal e do capital político internacional e de liderança diplomática serão o grande desafio para a nova administração. Oxalá, tenhamos ventos favoráveis nestes mares revoltos e que consigamos atracar em porto seguro em breve. O trinômio paz, segurança e estabilidade – tão necessário na área internacional – precisa também estar presente nas democracias maduras e naquelas que ainda precisam entabular mudanças e melhorias institucionais como a nossa aqui nos trópicos. Avante! *Thales Castro é Consul de Malta e vice-presidente do Iperid

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“Ter uma vice-presidente negra na maior potência mundial é extremamente importante”

“O fato de termos uma vice-presidente negra na maior potência mundial é extremamente importante e relevante para as crianças, para os jovens e para os adultos que estão em processo de formação da sua identidade e de ser negro e negra”. A análise é de Auxiliadora Martins, líder do Gepar (Grupo de Estudos e Pesquisas em Autobiografias, Racismo e Antirracismo na Educação) da UFPE. Auxiliadora, que é doutora em educação pela universidade, acredita também que a chegada de Kamala Harris à vice-presidência dos Estados Unidos vai fazer com que mais pessoas possam estar na luta de frente da educação das relações étnico-raciais e da mudança de política e de práticas racistas no Brasil e no mundo. A acadêmica, no entanto, ressaltou que a persistência do racismo estrutural ainda dita as relações humanas, sociais, políticas e culturais no Brasil e que as ações afirmativas adotadas no País são fruto da luta do movimento negro. “Ao mesmo tempo em que o movimento denuncia práticas racistas, também anuncia possibilidades de fazermos diferente e de viver de forma diferente, respeitando a todos os espectros de cores de pele da população e da sociedade brasileira”, afirma. Essa pressão social, segundo Auxiliadora, fez com que algumas leis que instituem ações afirmativas e políticas públicas racialmente equitativas fossem promulgadas no Brasil, como a que traça objetivos e metas de promoção da saúde da população negra, que possui doenças prevalentes como a diabete, a hipertensão a anemia falciforme. Outro marco de políticas públicas racialmente equitativas considerada importante pela educadora foi a promulgação da lei 10.639 que orienta escolas públicas e particulares de todos os níveis e modalidades de ensino, a ensinar a história e a cultura afro-brasileira e africana. “Na esteira dessas demandas do movimento social negro, em 2012, também foi promulgada a lei que institui as cotas sociais e étnico-raciais no ensino superior, fazendo com que hoje nós possamos ter 50,3% de estudantes pretos e pardos na universidade pública brasileira, o que é um feito histórico e importante no combate às desigualdades étnico-raciais que ocorriam nas universidades públicas que foram pensadas por uma elite para atender aos interesses da própria elite”, salienta Auxiliadora Martins. Ela também ressalta a importância das cotas nos concursos públicos e para as eleições proporcionais. Apesar dessas conquistas, Auxiliadora Martins frisa, porém, que ainda há muito o que ser conquistado por negros e negras no Brasil. Ela explica, por exemplo, que o Gepar realiza estudos, pesquisa e extensão no sentido da denúncia contra o racismo institucional no ensino superior e contra o chamado epistemicídio acadêmico (um conceito, elaborado pelo professor português Boaventura de Souza Santos, que trata da destruição de formas de conhecimento e culturas que não são assimiladas pela cultura do Ocidente branco). “Um exemplo é que a UFPE não incorporou nas suas teorias e metodologias a lei 10.639. A universidade forma professores e professoras, que farão concurso público e serão cobrados e cobradas acerca do que está disposto nas diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais”, alerta a acadêmica. Entretanto, ela também visualiza alguns avanços recentes em outas áreas, como a decisão do Magazine Luiza em instituir um programa de trainee só para negros. “Constitui-se num feito histórico que será lembrado e celebrado pela população negra no Brasil. É pioneiro e é importante que todas as empresas possam fazer políticas públicas racialmente equitativas semelhantes ao do Magazine Luiza”.

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