A saga dos venezuelanos em Pernambuco
Há 10 anos, Nicolás Maduro assumia o governo da Venezuela, poucos meses antes da morte do ex-presidente Hugo Chávez. A crise política e humanitária instalada no país vizinho, agravada a partir de 2018, trouxe para a América Latina uma das maiores ondas de migração do mundo, com pelo menos mil pessoas chegando a Pernambuco. *Por Rafael Dantas Os pernambucanos passaram a ouvir, nos últimos anos, de forma mais frequente, o idioma espanhol em sotaque venezuelano. A quantidade desses hermanos no Estado não se compara a outros lugares do País, como Roraima e São Paulo. No entanto, com o agravamento da crise humanitária na Venezuela, já são cerca de mil refugiados e migrantes venezuelanos morando em Pernambuco, segundo o Portal da Interiorização e do Projeto de Transferência de Renda, implementado pela Organização Internacional de Migrações. Nesta reportagem especial, ouvimos a história de três famílias que deixaram seu País para arriscar a sorte no Brasil em busca de uma esperança de futuro. Com milhares de quilômetros de distância da Venezuela, Pernambuco está longe de ser a primeira opção de saída para as pessoas que deixam o país pela dificuldade econômica e falta de perspectivas. O volume de migrantes e refugiados, no entanto, tem levado a um esforço de distribuir essa população no Brasil, num processo de interiorização desse contingente que chega por solo em Roraima. A nação presidida por Nicolás Maduro tem perdido tantos habitantes que só ficava atrás da Síria em número de refugiados e pessoas deslocadas do seu país até 2021, segundo o relatório da ACNUR (Agência das Nações Unidas para os Refugiados). Em 2022, ambos foram superados pela Ucrânia, após os ataques da Rússia. Embora a morte de Hugo Chávez já esteja prestes a completar 10 anos, a crise na Venezuela se acentuou entre 2017 e 2018. Coincidentemente, o período em que as famílias de Yelitza Flores, Pablo Alonzo e Ángel Berroteran começaram as suas batalhas para se estabelecerem no Brasil e em Pernambuco. DAS RUAS DE RORAIMA AO EMPREGO FORMAL NA RMR Yelitza Flores, aos 48 anos, decidiu sair do seu país. Sua filha mais jovem, Nayelis Macuare, foi a primeira a vir para o Brasil. Sem recursos para deixar sua terra natal, o reencontro com a filha, que lutava para se estabelecer aqui em Pernambuco, não foi fácil. Após ir de carona em carona de São José de Guanipa, que é conhecida como El Tigrito, até Pacaraima, cidade brasileira que faz fronteira com a Venezuela, Flores se deslocou ainda para Boa Vista, capital de Roraima. Mesmo após a maratona para chegar, ela quase abandonou a empreitada no Brasil. Os primeiros meses foram de muito sofrimento, dormindo em papelão na rua, pedindo dinheiro e catando lixo. Ela desistiu. Tentou voltar a pé para seu país, mas não aguentou a caminhada de tão cansada. Até que sua filha Nayelis Macuare conseguiu convencê-la a voltar para Boa Vista. Era a última gota de esperança de uma nova vida no Brasil. Após mais algumas semanas de penúria pelas ruas de Boa Vista, ela conseguiu enfim se cadastrar em um abrigo da ONU e posteriormente ser enviada em um voo para Pernambuco, juntamente com o marido e um filho. Ao chegar ao Estado, a família morou alguns meses em um sítio, que recebeu 30 famílias venezuelanas para um período de adaptação de um ano. Mesmo tendo deixado para trás os piores dias dessa jornada, a vida de uma estrangeira, que não domina o idioma português e já em meia idade, não era fácil. Em Pernambuco, quase dois anos após sua chegada, a participação em uma capacitação para encanadoras no Projeto Reinventar abriu a inesperada porta de emprego para Yelitza, já com 50 anos. Com o curso concluído, ela passou em uma seleção da BRK, a empresa responsável pela PPP do Saneamento da Região Metropolitana do Recife. Ela, que trabalhou por anos como cozinheira e serviços gerais em escolas públicas venezuelanas apenas para receber uma bolsa de alimentos, sem sequer salário, nem sonhava ter carteira assinada e emprego fixo. A saudade do seu país permanece. Embora esteja feliz em Pernambuco, por ter conseguido se estabelecer e trabalhar, ela guarda a tristeza de não ter se despedido da sua mãe, que faleceu na Venezuela. Sem poder participar da cerimônia fúnebre, Yelitza enviou os recursos para pagar um sepultamento digno para sua genitora. “Estando no Brasil, eu perdi a minha mãe. Não consegui vê-la morrer. É triste, é complicado você não poder ver partir a pessoa que te viu crescer. Eu era a caçula. Ainda bem que ela nunca soube do que eu passei no Brasil, de recorrer ao lixo para comer. Minha mãe seria enterrada em um saco preto, porque minha família não tinha dinheiro para comprar um caixão e a prefeitura não oferecia ajuda. Mas eu tive a oportunidade no Brasil de trabalhar e cobrir os gastos fúnebres de minha mãe, de maneira digna como ela era”, relembrou em lágrimas. No Brasil, ela se sente acolhida. Mesmo sem dominar ainda o idioma português, ela se comunica com todos os colegas de trabalho. Reconhece que há um esforço de todos de tentar compreendê-la. “Foi muita alegria ter um trabalho digno. Saindo do meu país sem nada, hoje não podemos dizer que estamos bem, mas já podemos viver e ajudar a família daqui e a que ficou na Venezuela”. Seus familiares estão em busca de empregos, como o marido e o filho mais velho, que está trabalhando como motorista de Uber na Região Metropolitana do Recife. Sua filha também trabalha na BRK, por meio do mesmo projeto, mas em Alagoas. Para o futuro, o sonho de Flores é típico da maioria dos brasileiros: ter a casa própria. Além dessa meta mais material, estão nos seus projetos a vinda de mais familiares para o Brasil. Uma esperança que é comum aos demais venezuelanos que se estabelecem por aqui. MÚSICO DE RUA COM SOTAQUE E GINGA VENEZUELANA Ángel Berroteran Gil (@berroteranflow), 22 anos, filho e neto de empregadas domésticas, andou muito, mais de 40 quilômetros, e
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