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Ronaldo Fraga e a narrativa do vestir

Por Carolina Botelho* Mais do que estilista, o mineiro Ronaldo Fraga é um artista da roupa. Mergulhado na cultura brasileira, Ronaldo se inspira principalmente na literatura para criar suas coleções. O criador estará no Recife nesta sexta-feira, 1º de novembro, participando da 5ª Feira Nordestina do Livro (Fenelivro), às 19h, na palestra Roupa para se ler: a literatura como inspiração nas coleções de Ronaldo Fraga. Ele que já criou coleções baseadas em livros de Guimarães Rosa e Carlos Drummond de Andrade, não deixa de refletir também sobre a questão política, sempre fazendo uso de uma narrativa poética cotidiana. Tudo a ver com o tema da feira: Terra viva: compromisso de todos. Você vem ao Recife justamente nesse momento em que o litoral nordestino passa pela maior tragédia ambiental de sua história. Acha que esse fato triste será expresso de alguma forma em alguma coleção sua? Eu sempre construí as minhas narrativas de moda não olhando para o passado, reproduzindo o passado ou tentando adivinhar o futuro, mas falando de hoje, falando desse momento, falando desse agora. Porque eu acho fascinante essa história da moda como documento de um tempo, e o meu tempo é hoje. Então é impossível me desvencilhar do lugar da moda como manifesto de protesto, como manifesto político. E tem sido assim nas minhas últimas coleções. Falei de transfobia, falei na tragédia de Mariana, falei de Guerra e Paz na coleção passada, dos judeus e palestinos… Quatro ou cinco coleções com temas muito, muito pesados. E agora também não vai ser diferente, principalmente nesse momento que a gente vive em um país de tragédias diárias, onde a gente não tem fôlego, nem nos é dado fôlego. Mas eu acredito que a arte salva, a cultura é um instrumento poderosíssimo. Não à toa, seguindo o exemplo dos regimes ditatoriais, o governo brasileiro nesse momento tem trabalhado com afinco na demonização da cultura. Mas nós não podemos deixar que isso aconteça. Você sempre lançou coleções inspiradas em literatura. Daí seus desfiles tão poéticos, que mostram a beleza e a tristeza do mundo real, assim como os grandes livros. Qual a relação entre moda e literatura no sentido da criação e da expressão de um sentimento? Por que você acha que a moda ainda é uma linguagem cercada de preconceitos e vista como superficial e apelativa ao consumo? Por mais que exista preconceito na moda...Aliás nem sei se é preconceito porque a moda é um vetor muito diverso, de muitas face: ela é econômica, ela é histórica, ela é política, ela é manifesto, ela é cultural. Então você verá a moda sendo falada de formas diferentes. Agora o lugar do vetor que eu enveredei pela moda, que eu construí minha carreira, foi a moda como vetor cultural. Esse é o que me interessa. E desde o início essa história da literatura, onde a sua imaginação vai pela palavra, e aí a cor quem vai dar é você, a forma quem vai dar é você. Eu acho isso fascinante. E essa associação da moda com poesia é o que faço desde a minha primeira coleção. Há coleções em que a literatura está ali exposta de forma explícita; outras de forma implícita. Mas eu acho que moda é leitura; moda é escrita. Como fazer para que, assim como livros, roupas não sejam apenas vestidas, mas também 'lidas'? O desejo de um tempo é a escrita desse tempo. O desejo que as pessoas têm do que colocar no corpo, do que vestir, é muito reflexo desse desejo, e desejo é escrita; desejo é marca. Isso é independente da roupa, do que que você comprar, se é tendência ou não. Ali há uma escrita. Se as pessoas pensassem nisso levariam mais a sério porque além da construção do personagem diário a roupa é essa marca; é essa fala. Você já veio a Pernambuco para trabalhar com bordadeiras e costureiras. É conhecido por valorizar essas técnicas tradicionais. Algo semelhante ao ato de ler um livro, hábito que infelizmente no Brasil é pouco praticado. Como enxerga o futuro do livro e da literatura no Brasil? Você prefere o livro digital ou impresso? Eu até tenho tablet, mas eu ainda gosto do livro físico, de marcar, escrever, do envelhecer da página do livro. Então acho que nunca vai se acabar mas vai se tornando cada vez mais um luxo. Adoro ter biblioteca em casa. Adoro casas com biblioteca, o que é cada vez mais raro, e ficou triste assim. Leio três livros ao mesmo tempo. Trago isso desde a infância. Dói ver meus filhos lendo cada vez menos. Eu lia muito mais que eles. Mas eu não canso de falar. Então diminuiu sim mas nunca vai acabar. Li uma entrevista sua dizendo que em escolas primárias públicas alunos estudam suas coleções para aprender literatura. Acha que o atual modelo de ensino afasta o estudante do prazer de ler? A história da educação do Brasil vive um momento tão árido como a história do sereno na caatinga, que quando cai floresce, e todas as vezes que me convidam, sempre priorizo escola pública, fazem muita exposição e muita pesquisa sobre o meu trabalho. Lembro que uma vez estava dando uma palestra para 800 estudantes jovens. E um levantou a mão e disse que só leu Guimarães Rosa e Drummond por ter visto um desfile seu sobre eles no São Paulo Fashion Week. Então uma forma de a leitura chegar aos jovens é por aquilo que eles amam, e a moda é um desses vetores. Então acho que nesse lugar a moda pode ser muito mais, e é, do que a roupa nova da estação. Sua moda é um ato político, como a coleção sobre Marielle Franco, ou na Quem matou Zuzu Angel. O que esperar de um Brasil que tem censurado a arte? Um país onde o conservadorismo está 'na moda'? Como fazer da moda um ato político mesmo não sendo um criador? Tem uma ditadura velada que está se instalando no País e isso é muito sério.

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O artesanato sobe as passarelas

Em contrapartida à velocidade cada vez maior do mundo globalizado contemporâneo, surgem movimentos de retorno a tempos mais idílicos, contemplativos e sólidos. Na moda, não é diferente. Mesmo na era da otimização e da produção em série, cada vez mais as peças artesanais, aos poucos, ganham espaço dentro do mundo fashion. Entre as vantagens que a produção manual oferece está o maior cuidado na confecção das peças, o fator ecologicamente sustentável e a singularidade das criações, que estampam as raízes culturais do local de onde foram produzidas. Apesar desses pontos positivos, a moda artesanal ainda enfrenta alguns problemas para aumentar a sua demanda. Entusiasta do artesanato, Ronaldo Fraga, renomado estilista mineiro, esteve no Recife em julho, durante a Fenearte, onde ministrou uma oficina pelo Sebrae. Com uma visão antropológica e política da moda, Fraga ficou conhecido pela criatividade e por integrar elementos artesanais às suas coleções. “É inconcebível realizar o meu trabalho sem estar sempre ‘sentado à mesma mesa’ de um fazer e de um saber tradicional que venha do artesanato. Além de ser uma fonte da arte contemporânea, sem dúvida alguma, é onde revelamos as marcas da nossa ancestralidade”, reconhece o designer. Mas no Brasil essa visão de Fraga não é unanimidade porque, na avaliação do estilista, existe um preconceito com a criação feita à mão. “As pessoas costumam associar o artesanato como aquilo feito por pobre e tendo que comprar para ajudar o pobre”, constata. Para reverter essa perspectiva, ele faz um contraponto com a realidade de outras nações. “Temos que mirar países e sociedades como a europeia e a japonesa em que o luxo é justamente o feito à mão”, compara. O pouco prestígio dado ao artesanato preocupa artesãs como a bordadeira Lúcia Firmino, que teme o fim da tradição do bordado em Passira, no Agreste Pernambucano, onde a nova geração não se interessa em levar o legado adiante. “Minha preocupação é manter essa herança, fazendo palestras, conversando, formando grupo de jovens para repassar o conhecimento e deixar viva a memória da minha cidade”, conta Lúcia, que se ressente da falta de incentivos. “Não existem políticas para formação de novos grupos e valorização do artesanato”, lamenta a mestra. Fraga destaca as dificuldades na própria produção artesanal, que nem sempre corresponde à qualidade requerida pelo mercado. “Hoje no Brasil, a gente vive um distanciamento, uma relação míope, onde o artesanato que se pretende ser vestível tem problema com a modelagem, com o olhar do designer, com a qualidade dos fios”. Fraga, porém, defende que o designer não pode interferir no trabalho do artesão a ponto de alterar sua essência. “Ele muitas vezes tenta dar ares modernosos para a tradição, e acho que precisaríamos unir os dois pontos, a tradição com a modernidade, assim ganharíamos todos”, sugere o estilista mineiro. Essa união equilibrada, foi feita pelo próprio Ronaldo Fraga em trabalhos desenvolvidos com as bordadeiras de Passira, nas coleções Turista Aprendiz, Athos Bulcão e Rio São Francisco. Lúcia ainda mantém na memória essa experiência. “Foi muito bom, porque abrimos os olhos para sairmos do nosso cotidiano. Tínhamos o hábito de bordar somente flores, e ele realizou um estudo conosco e conseguimos ampliar o nosso leque, bordando outras coisas. Nunca pensei em bordar uma lâmpada, ou um rio, ou os azulejos de Brasília”, destaca. “Não é que deixamos a tradição de lado, mas demos uma inovada naquele trabalho que nós fazíamos”, diferencia. Além da inovação, a experiência com o estilista tornou as bordadeiras mais conhecidas. “Hoje, quando as pessoas querem uma peça pedem para que seja produzida pelas meninas que bordaram com Ronaldo Fraga. Ficamos conhecidas como boas artesãs”, reiterou Lúcia, que acredita ser possível viver do artesanato. Tal crença se tornou realidade quando ela e outras artesãs formaram um grupo com o intuito de fortalecer a produção e criar uma maior independência na comercialização das suas peças. “Criamos uma marca Bordados de Passira, investimos na confecção de etiquetas, na criação de um site com loja virtual, aí facilitou muito”, afirma a mestra. O negócio se tornou mais lucrativo e hoje elas vendem até para shopping center. “Os consumidores já chegam pedindo um modelo exclusivo e é aí que encontramos um espaço”, explicou. “Também passamos a ter outro público, antes nossos clientes eram as sacoleiras, os visitantes da cidade, e agora conseguimos vender para o Brasil todo. Essa marca está fazendo com que hoje a gente se mantenha”, celebra a bordadeira. Os próximos passos do coletivo visam a valorização financeira da produção e novas opções criativas na confecção. “Ainda é nosso plano aumentar os preços da mercadoria porque, a cada dia, estamos nos aperfeiçoando mais. Buscamos tecidos diferentes”, conta Lúcia, que participa de um projeto da Fundarpe para realização de modelos com tingimento natural. “Essas peças serão um pouco mais caras. Mas quem vai usar é quem realmente conhece o processo e acredito que isso vai melhorar as vendas”, aposta. E é esse caminho de gerar valor que Fraga acredita ser o mais viável. “Uma peça de renda renascença, não é só para vestir. É uma obra de arte”, pontua o mineiro. “Muitas vezes as pessoas tentam trazer o artesanato para fazer produção em série, para concorrer com o bordado industrial e não tem que ser assim”, alega o estilista. A Fenearte tem sido um incentivo para a valorização da produção feita à mão e para gerar negócios aos artesãos. Segundo Lúcia, o evento é fundamental para a divulgação do trabalho e a conquista de novos pedidos. O Sebrae é outro ponto de apoio, ao qualificar os pequenos produtores de moda autoral, oferecendo ferramentas de gestão e inovação que permitam acesso a novos mercados. “Buscamos criar conexões que garantam a sustentabilidade dessa cadeia de valor. Ajudamos a construir novos modelos de negócios que considerem a cultura, a arte e o design como insumos para construção de uma imagem de marca, pois essa é a grande diferença da indústria de confecções para a moda”, defende Verônica Ribeiro, gestora de projetos de economia criativa da instituição. Exemplo disso é a Jornada

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Qualicult promove palestra gratuita com Ronaldo Fraga

O Marco Pernambucano da Moda recebe, hoje ( 22 ), a segunda etapa do Projeto Qualicult, evento direcionado para produtores culturais com projetos na área de Design e Moda. O evento vai contar com palestra gratuita do estilista Ronaldo Fraga aberta ao público e a iniciativa é realizada através do Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura PE). A palestra de Ronaldo Fraga acontecerá a partir das 19h e, na ocasião, o estilista, que também é artista plástico e cenógrafo, vai debater sobre os vetores da cultura e da moda, seus processos criativos, criação de marcas e suas coleções. Pós-graduado pela Parsons School of Design de Nova York, suas criações já foram apresentadas em diferentes países e foi selecionado pelo Design Museum de Londres como um dos sete estilistas mais inovadores do mundo para a exposição Designs of the Year 2014. A distribuição de ingressos para a palestra acontece a partir das 18h do dia 22, no mesmo local. Esta é a segunda etapa do evento, que contou com oficinas prévias para 25 produtores da área de moda e design previamente inscritos nos dias 31 de outubro e 1 de novembro no Marco Pernambucano da Moda. A primeira rodada de palestras contou com as presenças de Bosco Rabêllo, Leonardo Salazar, Izadora Fernandes, Joanna Sultanum e Izadora Fernandez que debateram temas sobre Contabilidade, Direitos Culturais e Leis de Incentivo, entre outros temas. Sobre a Qualicult: Equipe multidisciplinar de profissionais com experiência nas áreas de análise, elaboração, gestão de projetos e captação de recursos por meio de leis de incentivo e editais. Sua missão é conectar o investidor com projetos relevantes artisticamente e que tenham por premissa a sustentabilidade e a responsabilidade social. PROGRAMAÇÃO 22 de novembro - EVENTO ABERTO AO PÚBLICO Local: Marco Pernambucano da Moda (Rua da Moeda, 46) 18h – Distribuição de ingressos para a palestra 19h – Palestra de Ronaldo Fraga

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