Tempos de transição: perspectivas para 2019

As tensões globais com as intensas migrações e a transição do papel hegemônico das potências econômicas já seriam um cenário complexo para um planeta. Mas o horizonte reserva ainda mais expectativa para Pernambuco e o Brasil com a eleição do presidente Jair Bolsonaro. A radical polarização política nacional, o desemprego elevado e outros sintomas de uma ressaca pós-recessão do País são a síntese do desafio a ser superado no próximo ano. Diante desse contexto, o que esperar do futuro? Essa é a pergunta-chave respondida pelo consultor Francisco Cunha na Agenda 2019, tradicional evento de fim de ano que reúne as lideranças empresariais de Pernambuco, e pelos especialistas entrevistados pela Algomais.

Para explicar a surpreendente eleição de Jair Bolsonaro pelo então minúsculo Partido Social Liberal, o consultor e sócio da TGI Francisco Cunha relembra as Jornadas de 2013. O episódio histórico, segundo o consultor, foi o epicentro de um tsunami que ainda tem seus efeitos. “Uma coisa que sempre me preocupou era entender para onde tinha ido toda aquela energia das manifestações?”

O movimento não foi compreendido pelos políticos na análise de Francisco Cunha. O consultor afirma que os protestos geraram repercussões fortes cinco anos após a população ter invadido a rampa do Congresso. “O tsunami de 2013 resultou numa primeira onda, que foi o impeachment de Dilma Rousseff, e a segunda foi a eleição atual, quando os candidatos de centro sofreram um colapso. Os partidos, desconhecendo essas consequências, foram tomar banho na praia como se nada tivesse acontecido. Foi quando vieram várias ondas como o medo do futuro, a frustração, o ódio à corrupção e o antipetismo, que levaram quase todas as legendas”.

Na contramão disso, Bolsonaro foi o personagem que soube surfar nessas ondas de indignação até chegar ao Palácio do Planalto. Sobre o mandato presidencial, Francisco acredita que a população deverá se deparar com um político mais moderado do que o conhecido na Câmara dos Deputados e na campanha. “O presidente mostra mais temperança e capacidade de diálogo no seu período como parlamentar e como candidato”.

Nessa fase de transição, Francisco considera haver uma dicotomia entre a expectativa dos eleitores de que o País passará a usufruir de um cenário de “céu de brigadeiro”, enquanto a realidade do novo presidente como piloto do Brasil está mais próxima de uma pista esburacada para o pouso após a vitória das urnas. “Temos que ficar de olho de como será essa aterrissagem. A partir dela poderemos perceber as possibilidades sobre que tipo de governo teremos à frente”.

Ele considera que o ponto crucial para o sucesso de Bolsonaro será acertar na política econômica. “Isso significa fazer uma reforma da Previdência crível. Não precisa resolver o problema do déficit, mas sinalizar que o déficit e a dívida são cadentes e que o problema das contas públicas será resolvido. Se ele fizer essa sinalização, a economia volta a crescer”, avalia.

O diretor adjunto do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, Fernando Braga e Silva, também acredita que o desempenho do primeiro ano de mandato depende do combate à crise fiscal. “Temos boas sinalizações com relação à urgente reforma da Previdência. O problema é que as posições que o futuro governo tem assumido são muito fluidas: as ideias ficam sendo testadas de acordo com a reação popular de modo que a agenda do governo permanece uma incógnita”.

Fernando Braga é contrário à proposta do imposto único, que segundo ele, poderia produzir impactos negativos na economia.

 

Braga considera que ao se concretizarem as ações de cortes de subsídios, de incentivos e de privilégios espalhados por vários setores da sociedade, é que se terá mais clareza das oposições de lobbies e de parlamentares ao novo presidente. “Aí veremos a capacidade deste governo produzir avanços”. A proposta do imposto único é outra preocupação de Braga. “Esse imposto pode ser ainda mais regressivo que o sistema atual e vai gerar um aumento da carga fiscal final de produtos e serviços de cadeia produtiva mais longa”, adverte. Para avançar a eficiência da gestão pública, ele defende investimentos em e-government, que é o uso da tecnologia da informação na entrega de produtos e serviços do Estado para a sociedade.

Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente do Governo Itamar Franco, aponta duas questões como cruciais para um sucesso do Governo Bolsonaro: a dimensão política (em que é necessária uma resposta para a insegurança e para a corrupção) e a econômica. “Dois sentimentos muito importantes que conduziram a eleição foram a insegurança da população diante da criminalidade e a revolta diante da corrupção política”, analisa Ricupero, que também é presidente emérito do Instituto Fernand Braudel. Ele acredita que o ministro Sérgio Moro poderá se beneficiar da equipe formada em Curitiba, que criou as 10 medidas contra corrupção para conseguir avanços.

Ricupero: “É preciso uma política econômica para reduzir o déficit público, promover um saldo positivo e diminuir a dívida. Além de atacar o desemprego”. Foto: Divulgação

No plano econômico, Ricupero compartilha da opinião de Francisco e Braga de que o maior desafio é fazer um conserto nas contas públicas. “É preciso uma política econômica para reduzir o déficit público, promover um saldo positivo e diminuir a dívida. Além de atacar o desemprego, que é a principal consequência social desse quadro”.

Os depoimentos simpáticos de Bolsonaro à ditadura militar ao longo de sua carreira parlamentar e na campanha acenderam um alerta em relação à continuidade da democracia no País. “São preocupantes as declarações tanto do presidente como do vice, que já chegou a falar de autogolpe. Mas minha opinião é de que no Brasil haveria muita resistência a qualquer tentativa de suspender as liberdades democráticas. Nossas instituições estão firmes e não vejo até agora manifestações das Forças Armadas nesse sentido”, avaliou Ricupero.

O ex-ministro, porém, destaca ter preocupações nas áreas de meio ambiente, direitos humanos e de política externa. Ao mesmo tempo que Bolsonaro sinaliza uma relação estreita com os Estados Unidos, ainda no período de transição já foram abertas algumas rusgas diplomáticas por declarações da equipe do novo presidente com a Argentina, Noruega, China, Cuba e países árabes.

Também é preocupante a expectativa de uma nova recessão. “Há muitos sinais de que a economia mundial começa a entrar numa nova fase maior de turbulência, sobretudo porque o crescimento da China começou a desacelerar de forma mais acentuada. Isso deve se propagar para outros países asiáticos dependentes do mercado chinês”.

Já nos EUA, o dragão da inflação volta a assustar. Para o ex-ministro, o período de crescimento econômico recente na terra do Tio Sam chegou ao limite. Diante disso, há uma expectativa de aumento de juros, o que trará mais dificuldades para as nações emergentes. “Isso afeta negativamente todos os países que dependem de capitais externos, pois a rentabilidade começa a ser mais atrativa nos Estados Unidos, que passam a conquistar de volta muitos capitais”, explica. Apesar disso, ele não acredita em nenhum desastre imediato na economia.

O protagonismo chinês no contexto mundial também surge com mais força. “As estimativas do Banco Mundial são de que chegaremos em 2050 com a China como a grande potência e a Índia em segundo lugar. Os Estados Unidos estão perdendo sua importância relativa na economia global”, aponta Francisco. A crise na América Central com uma forte pressão de migrantes rumo aos EUA e as tensões comerciais, em especial entre o governo americano e a China, são complicadores neste cenário de transição.

DESAFIOS DO RECIFE E DE PERNAMBUCO

As perspectivas para Pernambuco em 2019 seguem a tendência nacional. Já em 2018, o PIB Pernambucano cresceu nos dois primeiros trimestres o dobro da média do País, de acordo com dados da Condepe-Fidem. O desalinhamento político com o Governo Federal, uma realidade similar a todo o Nordeste, é um sinal de alerta. No entanto, os analistas acreditam que há uma tendência da gestão Bolsonaro de ter uma atenção especial à região para conseguir apoio nos únicos Estados em que foi derrotado no pleito eleitoral deste ano. “No final da campanha o presidente eleito se dirigiu muito para o Nordeste. Minha impressão é que a preocupação dele será promover medidas que favoreçam os nordestinos para conquistá-los”, avalia Rubens Ricupero.
Opinião compartilhada por Fernando Braga. A grande derrota do presidente eleito no Nordeste, segundo ele, pode incentivá-lo a se aproximar da região, mas com outra agenda. “Diferente das políticas de incentivos e subsídios dos governos passados, acredito que o novo presidente poderia fazer investimentos em educação, qualificação de mão de obra e infraestrutura, dando mais competitividade à economia pernambucana”, ressalva.

Braga lembra que, desde a redemocratização, o Estado passou praticamente metade do tempo em posição oposta ao Governo Federal e metade desse período como apoio da Presidência. Esses alinhamentos foram fatores importantes para definir o crescimento de Pernambuco. “Nossa economia ainda tem muita dependência dos investimentos e repasses de recursos federais. Espero que a promessa do presidente eleito de fazer uma política diferente não fique no discurso e se traduza em uma visão de Estado, que não produza mais do mesmo, penalizando os opositores em seus repasses”.

Uma visão otimista do desempenho econômico do Estado no próximo ano é a aposta de Amanda Aires, economista e professora da UniFBV Wyden. “A perspectiva é de melhoria para Pernambuco, após um longo período de ajuste. O Governo do Estado foi feliz com toda a preocupação de deixar a casa organizada. Isso vai dar espaço para voltar a crescer mais rápido no momento de retomada da economia nacional”.

A economista acredita que há uma expectativa de melhoria do ambiente de negócios para o País e para Pernambuco, que poderia mobilizar mais recursos privados em 2019. “O governo deve se meter menos na economia. Só esse fato faz com que muita gente deseje investir. Pesquisa recente da Deloitte apontou que 97% dos empresários pretendem realizar investimentos no próximo ano”, afirma Aires.

Também com a perspectiva de crescimento, o economista e professor da UFPE Ecio Costa ressalva, no entanto, que para acelerar a retomada do Estado é fundamental destravar alguns investimentos públicos federais em curso. “É fundamental a retomada de grandes obras de infraestrutura, como a Transnordestina e a transposição do Rio São Francisco, além da concretização de projetos como do Arco Metropolitano. Para o bem da região é necessário o mínimo de cooperação entre o governo do Estado e o federal”, aponta Ecio.

Sobre os desafios de retomada do setor industrial em Pernambuco, o presidente do Sistema Fiepe, Ricardo Essinger, afirma aguardar o novo ano com otimismo, embora reconheça que os indicadores econômicos ainda apontam para mais um período de dificuldades. “Estamos seguindo o roteiro de esperadas transformações para reencontrarmos o caminho do desenvolvimento, da harmonia inter-regional. No segmento industrial de Pernambuco esperamos algum alento para produzir resultados positivos e imediatos na maioria dos setores, principalmente naqueles que estão engajados na modernização, na prática de novas tecnologias”. Essinger avalia ser possível vislumbrar iniciativas positivas na maioria dos setores, com destaque para a indústria da construção, na metalurgia, na produção de veículos, e naqueles que investiram na modernização, no acesso à tecnologia de ponta.

Para a capital pernambucana, Ecio Costa destaca a maturação do Porto Digital como um segmento que se consagrou nacionalmente. “Se na economia mais tradicional o Recife hoje tem tido dificuldades, no setor de serviços, onde está a indústria de softwares, há uma tendência de aquecimento. Esse polo tem a capacidade de atrair novas startups e investimentos, o que aponta para novas perspectivas de crescimento”, avalia o economista.

Francisco Cunha aponta que uma agenda urbana relevante para a cidade em 2019 é a consolidação do Plano Diretor do Recife e da Lei de Uso e Ocupação do Solo. Durante o evento Agenda 2019, o consultor destacou o mapeamento dos indicadores socioeconômicos realizado pelo Observatório do Recife, que completou recentemente 10 anos. “Existem cinco aspectos da cidade que precisam de uma atenção especial: o planejamento de longo prazo, o controle urbano eficaz, a qualificação da mobilidade, priorizando os modais ativos, e o cuidado com o Centro e com o Rio Capibaribe”.

Gentileza urbana
Dentro dessa perspectiva, o evento também abordou a responsabilidade da iniciativa privada na qualidade de vida nas cidades. Nas últimas décadas as grandes metrópoles como o Recife se verticalizaram e se fecharam para a rua. Os muros elevados dos condomínios são a estrutura mais simbólica do divórcio entre a residência e o espaço público. O oposto desse conceito, na análise do empresário Thiago Monteiro, da construtora Hault, seria a gentileza urbana, representada por projetos arquitetônicos com mais área verde e diálogo com a calçada, uma proposta humana de empreendimentos imobiliários, que passa a ser estratégica para o negócio.

Monteiro defende que as empresas participem da construção de uma cidade mais humanizada. “Se mais empresários fizerem isso, em 10 anos, teremos um Recife melhor”.

Monteiro defende que empresários participem ativamente da construção de uma cidade mais sustentável e humanizada. “Se mais empresas fizerem isso, em 10 anos teremos um Recife melhor. A iniciativa privada é quem lidera a transformação da cidade e cabe ao poder público dar o suporte. Hoje vivemos numa situação de ficar parados esperando que o governo aja. Não só é possível ser gentil com a cidade, como garantir a vitalidade do nosso negócio com essa proposta”, acredita Monteiro.

*Por Rafael Dantas, repórter da Algomais (rafael@algomais.com) – FOTOS: Tom Cabral

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