O lançamento do edital para elaboração do projeto executivo do trecho pernambucano torna mais factível a sua construção. Mas especialistas alertam para a necessidade de obra ser concluída ainda no mandado do presidente Lula
*Por Rafael Dantas
A rota da Transnordestina, que era de abandono da linha pernambucana, vai ganhando um percurso mais visível de volta para Suape. O vagão do desânimo dos empresários e técnicos que esperavam pelo empreendimento, aos poucos, vai dando espaço a uma carga de otimismo. Os recursos anunciados de R$ 450 milhões do PAC (Programa de Aceleração ao Crescimento) e o lançamento do edital para projeto executivo pela Infra SA são passos importantes para esse trem engatar. Mas há muitos trilhos a serem percorridos até que essas locomotivas voltem a circular em Pernambuco.
O volume de recursos para concluir as obras entre Salgueiro e Suape é estimado entre R$ 4,5 e R$ 5 bilhões. O valor até agora sinalizado, em torno de 10%, é ainda distante do necessário, mas importante para tracionar o retorno das obras no empreendimento.
“O Governo Federal colocou recursos do PAC no trecho Salgueiro-Suape para fazer essa obra. E agora ela vai ser executada com verbas do Orçamento Geral da União”, afirmou Danilo Cabral, superintendente da Sudene, no evento Crea Convida, que discutiu a pauta da Transnordestina na sede da Fiepe. A própria Superintendência deve ser um dos caminhos para destravar novos financiamentos para a obra, como já tem contratos assinados com o trajeto que segue para Pecém, no Ceará.
Além dos recursos, algumas indefinições importantes já foram resolvidas. A Infra SA, por exemplo, lançou o edital para contratação do projeto básico executivo. Nesta semana a Geosistemas Engenharia e Planejamento venceu o pregão eletrônico, com uma proposta de R$ 12,4 milhões para realizar o serviço. O momento atual é de análise das documentações necessárias.
Ao se confirmar o arremate e quando o contrato for assinado, a empresa terá quatro meses para entregar os 55 primeiros quilômetros do projeto. A Infra SA poderá iniciar a licitação para as obras assim que receber essa primeira entrega. O horizonte de 2024, portanto, é real. Ao todo, a corporação vencedora irá desenvolver o projeto básico/executivo de 520 quilômetros da ferrovia no Estado.
O cronograma previsto para o início da ordem de serviços para o trecho pernambucano da ferrovia, segundo o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, era de 30 de setembro. Ele antecipou essa previsão ainda em janeiro deste ano, durante a cerimônia de retomada das obras da Rnest (Refinaria Abreu e Lima).
O vencimento dessa etapa foi comemorado pelo Governo do Estado. “Vemos com muita alegria o vencimento de mais uma etapa importante na retomada das obras do trecho Salgueiro – Suape. O que tínhamos acordado entre o Governo Raquel Lyra e o Governo Federal era justamente o cumprimento desta etapa para que a gente possa dar conformidade aos projetos de forma a ser entregue a uma nova executora da obra”, afirmou o secretário de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco, Guilherme Cavalcanti. “O Governo Federal cumpriu à risca aquilo que tem combinado conosco e, da nossa parte, a gente vem dando todo o suporte necessário para que essas etapas sejam vencidas”.
A expectativa do secretário é que diante dos novos projetos, a Infra SA em breve possa mobilizar um novo canteiro para retomar a atividade da obra. “Isso dará à ferrovia um grau de concretude que nos permitirá, a partir daí, desenhar os novos modelos de concessão que vão viabilizar a sua construção por completo”, afirmou Guilherme.
Para o trajeto (Salgueiro-Suape), que foi amputado em dezembro de 2022 da Transnordestina, não tendo mais uma empresa concessionária para a execução das obras e sem nenhum real no horizonte, o cenário mudou muito. A chegada da Infra para a gestão do projeto, os prometidos recursos no PAC e a iminente contratação do projeto executivo deram a musculatura de realidade ao empreendimento.
“Agora temos que acompanhar a licitação, o passo a passo, a ordem de serviço, o início dos trabalhos e monitorar. Queremos que o projeto executivo seja o melhor possível. O momento é de entregar os produtos e viabilizar os recursos para a obra. É uma caminhada de muitos passos. Estamos dando alguns, mas não chegamos no final”, afirmou o presidente do Crea-PE (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia), Adriano Lucena.
No monitoramento do PAC, o trecho pernambucano da ferrovia se encontra em duas alíneas. Em uma delas, o empreendimento está na modalidade de construção, na classificação em obras, mas numa situação de ação preparatória. Na outra, está classificada como “estudo/projeto/plano”, também na situação de ação preparatória. Nas duas, estão citados pela Casa Civil, os municípios de São José do Belmonte, Serra Talhada, Custódia, Arcoverde, Pesqueira, Cachoeirinha, Belém de Maria e Ribeirão.
DEFINIÇÕES IMPORTANTES NO RADAR DA SOCIEDADE
Durante o Crea Convida, o engenheiro e professor da Unicap, Maurício Pina, levantou quatro questionamentos relevantes sobre a retomada das obras de ferrovias no Nordeste, especialmente em Pernambuco. Um deles é a preocupação em relação à mudança do percurso da linha em direção à Suape.
“A questão do novo traçado entre Salgueiro e Suape nos preocupa. Quando esse edital de licitação foi lançado, foi dito, com muita ênfase, que haveria um novo estudo. Um traçado novo, completamente diferente do anterior, envolve questões ambientais, questões de desapropriações. A Petrobras tem interesse em construir terminais de derivados em cidades polos, como Caruaru, Arcoverde, Serra Talhada e Salgueiro. Na medida que o traçado se afastar demais do que havia sido concebido, isso vai trazer problemas”, adverte o engenheiro.
Em audiência na Comissão de Infraestrutura do Senado, no final de abril, o ministro da Casa Civil Rui Costa, respondendo a uma pergunta da senadora Teresa Leitão, afirmou que devido às construções que foram realizadas no traçado original da ferrovia, será necessária uma adequação antes da continuidade das obras. “Estamos reavaliando todo o traçado até chegar ao Porto de Suape, em especial na chegada, porque mesmo com a obra em andamento se autorizou a construção de conjuntos habitacionais. Essas intervenções urbanas não permitem mais o traçado original. Estamos desenvolvendo o novo traçado de forma a evitar esses obstáculos. Essa obra terá início ainda neste ano, o trecho como obra pública. O restante, portanto, assim que os projetos ficarem corrigidos, iremos licitar em concessão ou também como obra pública”, afirmou Rui Costa, em Brasília.
Sobre o traçado, Danilo Cabral reafirmou essa necessidade de adequações ao longo do trajeto. Mas destacou que o Governo Federal e a Sudene estão abertos ao diálogo e para ouvir todas as preocupações dos técnicos que acompanham esse empreendimento, bem como dos empreendimentos já prospectados ao longo desse percurso da ferrovia. “Vamos ter que atualizar o projeto de 2006. De lá para cá tivemos muitas mudanças. Não vejo nenhuma contradição ao dizer que precisamos atualizar o traçado. O que será isso? Será preciso dialogar com os interesses desse traçado, como no caso da Refinaria”.
Outra preocupação destacada é para o prazo de andamento das obras. Apesar do otimismo com a saída da paralisia da Transnordestina, Maurício Pina destacou que a possibilidade da obra se estender para muito além do atual mandato do presidente Lula pode causar novos travamentos até a sua conclusão. “A licitação realizada nesta semana estabelece um prazo muito longo para a elaboração dos projetos. São na verdade dois anos. São 18 meses para a elaboração do projeto em si, mais seis meses para encerrar a vigência do contrato. Com mais dois anos termina o governo e o Ceará já estará com a ferrovia em operação, que está anunciada para 2026 até Pecém, e nós estamos ainda com o projeto, que tem um prazo muito longo. Mas, no nosso entender, ele poderia ser dividido em lotes e que possibilitasse que os projetos ficassem prontos e em seguida as obras já fossem iniciadas”, defendeu Maurício Pina.
No debate durante o Crea Convida, Danilo Cabral concordou que o prazo está dilatado e concorda que é preciso acelerar. Em diversos momentos de sua fala no encontro, o superintendente sugeriu uma mobilização dos diversos atores políticos, econômicos e sociais de Pernambuco em prol da ferrovia. Uma das alternativas levantadas pelos engenheiros para reduzir o tempo das obras é de que o projeto seja fatiado por trechos, de forma que possam ser iniciados em diversas partes simultaneamente. “É importante que os projetos sejam divididos em lotes, para que mesmo tendo uma única empresa, vários trechos consigam andar de forma simultânea para que a gente consiga reduzir prazo e entregar o mais rápido possível”, sugeriu Adriano Lucena.
Apesar da preocupação com a celeridade do projeto, o presidente do Crea-PE lembrou que o Estado tem avanços importantes na execução dessa ferrovia, que foi concebida há mais de um século. Entre as intervenções já concluídas, destaca um túnel em Arcoverde, as obras de drenagem em Custódia. “A gente quer sempre mais rápido e melhor. Mas temos que entender que no setor público só podemos fazer o que é permitido. Isso gera uma lentidão, que é saudável para que os recursos públicos sejam gastos de forma que a sociedade possa saber onde vai cada um desses aportes. Mas já temos muita coisa realizada, precisamos manter toda a sociedade mobilizada, instituições e a classe política nesse caminho do bem, que vai gerar muitos empregos para Pernambuco”.
“Vemos com muita alegria o vencimento de mais uma etapa importante na retomada das obras do trecho Salgueiro-Suape da Ferrovia Transnordestina. O que tínhamos acordado entre o Governo Raquel Lyra e o Governo Federal era justamente o cumprimento desta etapa para que a gente possa dar conformidade aos projetos de forma a ser entregue a uma nova executora da obra. O Governo Federal cumpriu à risca aquilo que tem combinado conosco e da nossa parte, a gente vem dando todo o suporte necessário para que essas etapas sejam vencidas. Com os novos projetos, o Governo Federal, através da Infra SA, vai poder mobilizar um novo canteiro para retomar a atividade da obra, o que dá a ferrovia um grau de concretude que nos permite a partir daí desenhar os novos modelos de concessão que vão viabilizar a sua construção por completo”.
UM OLHAR SOBRE TODA A MALHA REGIONAL
Embora a bola da vez ou o trem do momento seja o trajeto entre Salgueiro e Suape, os engenheiros pernambucanos têm demonstrado um olhar mais amplo da rede na região. Maurício Pina defendeu que seja discutido no âmbito da integração regional a recuperação da antiga Malha Nordeste, que conectaria os portos de Jaraguá (Alagoas), Suape (Pernambuco), Cabedelo (Paraíba) e Natal (Rio Grande do Norte).
Essa malha, privatizada em 1998 durante o Governo Fernando Henrique Cardoso, foi paulatinamente sendo desativada. Do trajeto original, apenas um trecho entre o Piauí e o Ceará permanece em operação. Em Pernambuco, Alagoas, Paraíba e no Rio Grande do Norte tudo foi abandonado. Na melhor das hipóteses, as antigas estações se tornaram museus ou espaços de cultura.
Uma linha conectando a Transnordestina até Petrolina é outra bandeira defendida pelos engenheiros. A cidade mais importante do Vale do São Francisco, inclusive, estava no projeto original do empreendimento e que ligaria a ferrovia à hidrovia do São Francisco.
Questionado sobre a discussão da retomada desses projetos, Danilo Cabral explicou que considera ser estratégico garantir inicialmente o avanço do trecho Salgueiro-Suape, que já vive uma fase de maior concretude. “A princípio, acho que a gente tem que apostar na concessão do trecho de Salgueiro a Suape, para não colocar tudo em um conjunto de uma grande concessão. Isso iria desembocar numa discussão infindável e terminaria não sendo viabilizado. Então a gente tem que focar na concessão”. O superintendente da Sudene considera que a partir da viabilização desse tronco da ferrovia, será possível avançar nas outras pendências em torno da concessão.
A articulação e os debates para todos os trechos do Nordeste Oriental segue em discussão por entidades como o Sinduscon, Crea e a Federação das Indústrias, entre outras entidades empresariais e sociais dos estados que compõem a antiga malha. Essa disputa foi reativada após a FTL, concessionária da malha ferroviária do Nordeste, ter entrado com um pedido junto à ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) para devolver a concessão no final do ano passado.
“O andamento dessa articulação tem sido positivo. A sociedade já enxerga a importância da Transnordestina, do ramal Salgueiro-Suape. Mas no início só se discutia a retomada desse trecho, enquanto hoje engajamos quatro estados (AL, PE, PB e RN) por toda a Malha Nordeste. Até a concessão havia carga sendo transportada. Hoje, com a refinaria e uma série de empreendimentos que adensaram a economia da região, a possibilidade de termos carga é muito maior do que antes. Temos, agora, uma visão do desenvolvimento integrado do Nordeste Oriental. Não podemos desmobilizar. A vitória é realmente quando recebemos o trem que vem do interior e integrar os portos na região. Porto sem ferrovia é muito limitado”, afirmou o professor aposentado da Universidade de Pernambuco, engenheiro civil e membro do CPT (Comitê Tecnológico Permanente) do CREA-PE, Carlos Calado.
A Transnordestina está prestes a completar a sua maioridade: 18 anos desde o anúncio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no longínquo ano de 2006. Passados três presidentes nesse intercurso, o empreendimento está ressuscitando. Por enquanto, ainda mais rápido no lado cearense. Porém é inegável que o processo para retomada do trecho Salgueiro-Suape, mais estratégico para o Nordeste pela conexão com o maior porto da região, parece ter engatado. A mobilização precisa continuar até que os primeiros trens desse novo ciclo da ferrovia voltem a circular.