Quando o Recife comemorou os 30 anos de existência do Salão dos Independentes, não se ouviu uma única voz, um sussurro sequer, a pronunciar o nome dele. Logo o nome dele, artista de méritos, um pintor, desenhista, ilustrador e, sobretudo, um escultor de especial talento. Estava configurada uma inominável injustiça, mesmo porque mais de que um artista, ele foi um defensor incansável da arte pernambucana.
Já que se falou em injustiça, responda-se: o que é justiça?
A resposta é relativamente simples: é o que está conforme o que é direito, o que é justo, incensurável. O reconhecimento do mérito de alguém faz, igualmente, parte do conceito de justiça. Então, pode-se dizer, sim, que justiça é a força moral de reconhecer o direito de cada um, vez que, somente através dela se alcançará a paz.
Carlos de Hollanda, o injustiçado, ou para os que quiserem adocicar a verdade, o esquecido, organizou e participou do I Salão de Artes Independentes de Pernambuco, ocorrido em agosto de 1933.
No Recife, era um tempo em que só se viam as ingentes dificuldades que dificultavam as atividades culturais, especialmente levar cultura ao povo. Os artistas ainda anônimos, muitos transbordantes de talento, existiam, como existem nos dias de hoje, mas se deparavam com obstáculos intransponíveis a vencer. Como mudar a ordem vigente, sem as armas do incentivo? Como tornar a arte um bem realmente acessível, tanto que estimule a sua produção?
Ora, se desde as cavernas a arte se faz fundamental na vida das pessoas, por que não estimular esse fluxo? ─ ruminava Carlos de Hollanda, e a plenos pulmões deblaterava a falta de apoio e de oportunidades.
Não se imagine, porém, que a vida de Carlos de Hollanda foi toda voltada para o exercício da política. Entre as batalhas, produziu quadros, desenhos, capas de livros e revistas, e duas esculturas. A primeira, um busto do maestro Carlos Gomes, em madeira de lei, com 65 centímetros de altura, que se encontra no teatro de Santa Isabel. A outra, por encomenda do governo pernambucano, representava a pujança da nossa indústria, foi exposta no Rio Grande do Sul, em evento sobre a revolução Farroupilha.
Mesmo assim, a conduta de Carlos de Hollanda lhe traria dissabores. Quer ver um exemplo? A única vez que seus quadros mereceram uma visão de conjunto foi logo após ele haver morrido. Quer outro? De 1930 até hoje, não teve sua obra reunida para análise e reavaliação crítica! Este outro é profundamente censurável: hoje em dia, apesar da importância de que se reveste, a sua obra não tem um lugar adequado para facilitar o acesso ao púbico. Vaga, vulnerável a danos, em casa de parentes e amigos, quando deveriam estar em mãos profissionais.
Para a imprensa, Carlos de Hollanda era um talento insubmisso e quase louco. Para Aníbal Fernandes, no dia seguinte ao de sua morte, este Carlos de Hollanda, de quem os jormais noticiaram, ontem, a morte, era um artista que a cidade precisava conhecer para sentir o seu desaparecimento.
Ainda sobre a morte do artista, comentou o teatrólogo Waldemar de Oliveira: morre com ele um dos muitos artistas que o Recife possui e o Recife mata. E refletindo o quanto Carlos de Hollanda houvera sido esquecido, disse, mais adiante, que o artista fora maisrado que anônimo: não passara das colunas amigas dos jornais e sua celebridade não foi além do Café Lafayette, uma antiga cafeteria existente na esquina da rua do Imperador com a Primeiro de Março.
Carlos de Hollanda nasceu em 5 de maio de 1905, no Cabo de Santo Agostinho, conviveu com artistas do quilate de Percy Lau, Carlos Amorim, Bibiano Silva, Renato Silva, Augusto Rodrigues, Murilo Lagreca e Elezier Xavier, e morreu em 1938, aos 33 anos.