Da Fundaj
O caráter épico e dramático da história do industrial Delmiro Gouveia (1863—1917) já lhe rendeu inúmeras obras. O cearense de origem pobre tornou-se um dos homens mais ricos e importantes do Nordeste do Brasil na virada do Século 20, quando promoveria uma transformação social e econômica no Sertão alagoano. O tema da sexta edição da série Grandes Personalidades da História do Nordeste da Fundação Joaquim Nabuco serão seus casos e feitos revisitados pelo pesquisador Edvaldo Nascimento, na palestra ‘Delmiro Gouveia – a trajetória nada ortodoxa de um industrial sertanejo’. O evento ocorre hoje (23), às 17h, no canal da instituição pernambucana no YouTube, com mediação do jornalista Marcelo Abreu.
Responsável pela construção do que é considerado o primeiro shopping center do País, ainda no Século 19 — o Mercado-modelo do Derby —, foi também pioneiro na industrialização do Sertão. “Delmiro Gouveia é dos poucos brasileiros a que se pode aplicar de modo exato e sem exagero o clichê de que estava muito mais avançado que o seu tempo, a sua geração”, opina Mario Helio, diretor de Memória, Educação, Cultura e Arte (Dimeca), da Fundaj. “Pioneiro de fato, em mais de um negócio, da indústria e do comércio, foi também o exemplo daquela ideia de Ortega y Gasset de que uma pessoa é o que é e mais as suas circunstâncias, e as dele resultaram trágicas e frustradas em mais de um aspecto”, conclui.
Autor de Delmiro Gouveia e a Educação na Pedra (2012), caberá ao pesquisador alagoano Edvaldo Nascimento contar desta figura à luz de seu tempo. “Desde 1997, me relaciono com Delmiro, quando passei a morar na cidade que leva seu nome, aqui em Alagoas. Uma relação que se aprofundou quando desenvolvi minha pesquisa de mestrado sobre o projeto educativo instituído por ele no Sertão alagoano”, relembra. Segundo ele, a imagem da região e do sertanejo no pensamento nacional da época, majoritariamente, era de lugar inóspito, avesso à modernidade, de cidadãos incultos e incapazes. “Delmiro contrapôs essa visão hegemônica com suas realizações. Foi líder de uma experiência que mostrou justamente o contrário”, defende Nascimento.
Lá, o conhecido ‘Rei das Peles’ consolidou seu império. Fugido do Recife em novembro de 1902 para a seca região da Pedra, contornada pela Cachoeira de Paulo Afonso, não só ampliou seus negócios com peles de cabras e ovelhas, como construiu uma fábrica de linhas e explorou o potencial energético da queda d’água, inaugurando a primeira Usina Hidrelétrica de Paulo Afonso. “Ele vai ser transformado no símbolo de modernidade e progresso. Vai instituir jornada de oito horas de trabalho, regras e hábitos, construir escolas e cinemas, vai abrir estradas ligando a várias estados para facilitar o escoamento das produções e a chegada de máquinas. Passa com isso a ser visitado por lideranças religiosas e políticos”, conta o pesquisador.
Entre afagos e ofensas
Filho do cearense Delmiro Porfírio de Farias e da pernambucana Leonila Flora da Cruz Gouveia, o futuro empreendedor ficou órfão aos 15 anos de idade, quando começou trabalhar como cobrador em uma companhia de trem no Recife. De lá até se tornar o ‘Rei das Peles’, como maior comerciante do gênero, foram apenas cinco anos. Delmiro Gouveia tinha tino para os negócios. No Recife, foi proprietário não só do Mercado-modelo (atual Quartel do Derby), mas também de um hotel de status internacional (hoje Memorial da Medicina de Pernambuco) e da Usina Beltrão (mais tarde, Fábrica Tacaruna). “Entrou para a história da capital, com uma trajetória polêmica. Ele foi amado e odiado”, revela Edvaldo.
De acordo com o pesquisador, ele transitou entre intelectuais de diversas vertentes ideológicas. “Era um homem de respeito em Apipucos, onde realizava eventos com a alta sociedade. Entre seus admiradores estavam Assis Chateaubriand, Gilberto Freyre, Graciliano Ramos, Otávio Brandão, Pedro Mota Lima, dentre tantos outros. Mas também era um don juan, afeito aos namoros, do tipo que não levava desaforo para casa”, destaca. Dentre os seus desafetos estavam o Conselheiro Rosa e Silva, vice-presidente da República entre 1898 e 1902, a quem teria agredido no Rio de Janeiro, e o então governador de Pernambuco Sigismundo Gonçalves. “Ele se envolveu com a amante do governador e saiu do Recife para não morrer”, conta.
Assassinado em 10 de outubro de 1917, Delmiro Gouveia estava na varanda de seu chalé quando foi alvejado com três tiros. Sua morte nunca foi totalmente esclarecida. “Na versão oficial, foram condenadas três pessoas como autores materiais e duas como autores intelectuais. Entretanto, há controvérsias na história e nos processos. Por isso, biógrafos e historiadores levantam várias possibilidades. Existe quem defenda que tenha sido em razão do envolvimento com a filha do capitão Firmino Rodrigues; quem diga que tenha sido por uma agressão cometida com Herculano Vilela, na Feira de Água Branca; outros que seria ainda consequência da briga com oligarquia pernambucana”, finaliza.