Pedro Josephi é coordenador da Frente de Luta pelo Transporte Público e membro do Conselho Superior de Transporte Metropolitano (CSTM). Conversamos com ele, em meio à discussão sobre a construção de novos paradigmas para o transporte público durante a atual crise da pandeia do coronavírus, para apontar o olhar dos usuários do sistema sobre como melhorar a mobilidade urbana para quem usa ônibus para se deslocar na Região Metropolitana do Recife.
Qual a principal demanda dos passageiros nesse momento de retomada das atividades econômicas, em relação ao transporte público?
Nós, enquanto membros do Conselho Superior Metropolitano, apresentamos desde o início da pandemia propostas para que pudéssemos evitar aglomerações e superlotações. Lembrando que a pandemia apenas veio escancarar um problema em que a população que usa o transporte público já sofre diariamente: superlotação, aglomerações e o não cumprimento de viagens. Tudo isso as pessoas já sofrem diariamente. A primeira proposta é que as linhas de ônibus pudessem circular dos bairros diretamente para o centro da cidade. Sem a necessidade de ir para um terminal integrado (TI), que hoje é um grande ponto de aglomeração. Não todas, mas algumas, de modo a equilibrar e retirar a superlotação dos terminais. Isso já é uma defesa que fazemos há 10 anos, que é a integração temporal, a possibilidade de você fazer integração, que é sair de um ônibus e entrar em outro, sem ir para um terminal, na própria parada de ônibus ou avenida. Isso diminui a necessidade de pessoas dentro do sistema de TI. Outro ponto de maior demanda que temos apresentado é a distribuição de materiais de proteção, máscaras e alcool em gel. Algo que começou logo quando nós representamos ao Ministério Público para que o Estado e empresas de ônibus cumprissem com as normas de proteção emitidas pela Anvisa e pelo Ministério da Saúde. No início foram distribuidas 30 mil máscaras e foram afixados lavatórios nos terminais. Só que já temos denúncias de que alguns desses lavatórios e banheiros não estão funcionando nos terminais e que a distribuição de máscaras não existe mais. Para se ter ideia, temos cerca de um milhão de pessoas circulando diariamente no setor de transporte e 30 mil máscaras distribuídas em uma semana não dão conta da necessidade da população que é diária.
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Quais as demais propostas?
Outro ponto que temos levantado é a necessidade de testagem de todos os rodoviários, já que eles têm trabalhado no serviço público essencial, era necessário que todos os motoristas e cobradores fizessem a testagem do coronavírus de forma universal para que a gente não expusesse os próprios trabalhadores, nem os usuários à contaminação do coronavírus, além do isolamento da cabine do motorista. Várias outras cidades fizeram isso, isolamento com material adequado para motorista e cobrador. Por fim, outro ponto que temos levantado e discutido é a necessidade de 100% da frota circulando. A gente entende que há uma dificuldade pelas nossas vias engarrafadas. Recife tem o pior trânsito do Brasil, mas entendemos que é preciso que toda frota estivesse disponível para que nós diminuíssemos a quantidade de pessoas dentro dos ônibus. Essas são as três principais demandas que nós já apresentamos formalmente ao governo desde março.
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Há um grande dilema sobre o financiamento do setor. Para garantir melhor qualidade no transporte, que tipo de alternativas o movimento considera possível para aumentar os recursos aplicados no transporte?
Nós sabemos que não existe almoço grátis. Quem milita na área do transporte sabe que precisa ter financiamento de alguns setores para que a gente possa garantir a melhor qualidade. Então precisamos observar as melhores práticas internacionais, observar o que outros países fizeram para que pudéssemos aplicar esse modelo no Brasil. Antes de mais nada, nós temos a Política Nacional de Mobilidade Urbana, que é uma Lei Federal, que determina que o financiamento do transporte coletivo não possa se dar apenas pelo contribuinte direto, apenas pela tarifa, pela pessoa que paga a passagem. Infelizmente no Brasil, na maioria das cidades, como é no Recife, o transporte em grande parte é financiado através da tarifa. Isso implica dizer, aqueles processos que as empresas fazem todo início de ano para aumentar as passagens, porque tanto a remuneração do setor, as empresas privadas que estão operando o serviço público, e precisam serem remuneradas pelo serviço, ocorrem através das tarifas, como a própria estruturação do sistema, as melhorias do terminal, das vias. Toda estrutura é financiada pela tarifa e passagem de ônibus, o que é um erro. Se encaramos o transporte público como serviço essencial, ele precisa ser financiado não apenas pelo contribuinte direto, quem paga a passagem, mas por toda a coletividade. Toda a sociedade precisa contribuir para o financiamento desse transporte. Isso pode ser feito através de vários meios, como de subsídios fiscais, que hoje na verdade a maioria dos países fazem. Isso implica dizer que toda a sociedade estaria contribuindo com aquele transporte. Eu defendo, por exemplo, um Fundo Metropolitano para o Transporte.
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Como funcionaria esse Fundo Metropolitano para o Transporte?
Nele nós teríamos as rendas derivadas dos pedágios urbanos, as rendas derivadas das zonas azuis, as contribuições sociais em cima de estacionamentos privados nos centros urbanos, toda a renda dos outbus e publicidade que existe nos sistemas de transporte, a renda da possível concessão à iniciativa privada dos terminais integrados de ônibus, além de um debate que precisamos fazer a âmbito nacional que é discutir o Pacto Federativo. Nós precisamos, por exemplo, municipalizar a Cide Combustível, que é um dos importantes tributos que a união arrecada, mas quem cuida do transporte são os municípios e os Estados. Então a União arrecada um valor a título de tributo muito alto, mas quem tem a responsabilidade de custear e de financiar e estruturar o transporte são os municípios e Estados. Precisamos inverter essa lógica, também defendemos a municipalização da Cide Combustível e também uma contribuição social em cima do carro, do IPVA. Teríamos um percentual dessa contribuição social para custear o sistema de transportes.
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Há uma discussão sobre incentivar um maior escalonamento dos horários das atividades para reduzir a quantidade de pessoas nos horários de pico do transporte. Como você observa essa proposta?
Nós entendemos que existe um novo normal que vai modificar as relações profissionais nessa perspectiva do trabalho remoto, do trabalho a distância. Era uma necessidade que já estava posta e que vai ser intensificada nesse novo normal. Então nós entendemos que se não for investido efetivamente no transporte coletivo ou não houver uma inversão de prioridade no sistema de mobilidade, de forma a priorizar as estruturas cicloviárias e paraos pedestes e os corredores exclusivos, em detrimento dos carros, nós iremos colapsar o sistema de transporte e a mobilidade urbana. Medidas como essa do escalonamento dos horários, assim como rodízio, são alternativas, só que não enfrentam a raiz do problema. São medidas que podem ter êxito por um, dois ou três anos. Mas a médio prazo, que é o que nós estamos discutindo e defendendo, é preciso tirar carros da rua em detrimento do transporte coletivo.