*Por Houldine Nascimento, especial para Algomais
A 44ª Mostra Internacional de Cinema São Paulo segue a pleno vapor. Mesmo diante de um cenário pandêmico, o tradicional evento audiovisual se mantém como porta de entrada para vários filmes no Brasil. Um deles é “O charlatão”, novo trabalho da prestigiada cineasta polonesa Agnieszka Holland, de clássicos como “Colheita amarga” (1985) e “Filhos da guerra” (1990), pelo qual foi nomeada ao Oscar de melhor roteiro adaptado.
Além disso, ela contribuiu como roteirista para os diretores Andrzej Wajda (“Danton”, “Um amor na Alemanha”) e Krzysztof Kieslowski (trilogia das cores), seus conterrâneos. Agnieszka seguiu carreira como realizadora e agora, em “O charlatão”, põe em evidencia a trajetória do herborista tcheco Jan Mikolasek, venerado por curar centenas (talvez milhares) de pessoas na então Tchecoslováquia, mostrando uma habilidade incomum de diagnosticar doenças a partir da urina de seus pacientes.
Sua fama correu o país, a ponto de o presidente Antonín Zápotocký, morto em 1957, ficar aos seus cuidados. Graças a essa atuação, Mikolasek fez fortuna enquanto a Tchecoslováquia vivenciava profundas transformações e a História acontecia diante de seus olhos. Soube conviver com a turbulência da Segunda Guerra e a alternância política ocasionada com a ocupação nazista e, mais adiante, pelo regime comunista.
Coube ao experimentado ator tcheco Ivan Trojan interpretar com muita competência este personagem complexo. Agnieszka empregou uma narrativa clássica, entremeando o momento escolhido (anos 1950) com fragmentos do passado, quando decide mostrar a adolescência de seu protagonista, sobretudo como ele se tornou esse herborista requisitado. Nessa fase, é vivido por Josef Trojan, filho de Ivan.
A diretora reserva mais ousadia à trama já no desfecho, ao adentrar na sexualidade de uma figura santificada por muitos e exibir seu convívio sem questionamentos com os diversos regimes, sendo perseguido por um deles. É nessa meia hora final que as várias facetas do personagem central vêm à tona. Talvez tarde demais.
*Houldine Nascimento é jornalista e assistiu o filme em 26/10/2020 a convite da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.