Túlio Velho Barreto, cientista política e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, foi um dos entrevistados da matéria de capa da última semana da Algomais, sobre a corrupção. Ele conversou com o jornalista Rafael Dantas sobre o impacto dos recentes escândalos expostos na CPI para o engajamento político da sociedade e nas eleições 2022.
Qual o impacto nos eleitores e na percepção da política na sociedade quando surgem grandes denúncias de corrupção, como as que vemos na CPI?
A recorrência do surgimento e evidências de casos de corrupção na administração pública envolvendo agentes do Estado ou atores políticos tende a gerar descrença generalizada da sociedade na política. E também na capacidade dos órgãos públicos de controle e de investigação de inibi-la, e dos órgãos públicos de justiça em puni-la. Em última instância, em muitos casos, pode mesmo criar descrédito nos institutos legais e nas instituições da democracia. Evidentemente, isso tende a fazer com que os eleitores e as eleitoras neguem a política e tornem-se apáticos com relação à própria democracia como um valor imprescindível à República. Daí, abre-se espaço para o surgimento de outsiders da política, aventureiros ou ditadores, ou candidatos a ditadores.
Antes de Bolsonaro, outras lideranças políticas já tiveram o discurso anticorrupção como um dos seus pilares, como os ex-presidentes Lula, Collor e Jânio Quadros. Esse tema tão recorrente ainda tem peso na decisão dos eleitores? Na sua avaliação, a pauta corrupção deve surgir forte de novo em 2022 ou será deixado de lado pelos principais candidatos?
É provável que o tema da corrupção ainda venha a pautar as próximas eleições. Mas, na minha avaliação, não deve ser um tema central, porque há outros, como a crise sanitária e a omissão, por um lado, e as ações estapafúrdias, por outro, do governo federal quanto a essa questão, que tenderão a ocupar o centro do debate eleitoral em todos os níveis. Nesse momento, o Brasil já ultrapassou mais de meio milhão de óbitos e quase 20 milhões de pessoas contaminadas, e apenas patina em termos de vacinação. Tudo isso em decorrência da forma irresponsável e inconsequente como o governo federal e os seus apoiadores têm agido ou deixado de agir diante da crise sanitária. E a CPI da Covid tem apontado casos de corrupção no ministério da Saúde e envolvendo outros setores do governo federal. Então, tais fatos tenderão a inibir iniciativas de trazer para o centro do debate a questão da corrupção. E deverão dar centralidade à crise sanitária e o quanto esta escancarou e agravou as desigualdades no País, sem que o governo federal tenha sido capaz de dar uma resposta satisfatória. Muito pelo contrário.
O Brasil não é o único País, nem deve ser o primeiro, a ter uma trajetória política com vários episódios de corrupção. Olhando para o cenário internacional, o Sr. destacaria algum case de um País que tenha enfrentado com sucesso um quadro de corrupção crônico? Caso, sim, quais os caminhos que foram trilhados?
Corrupção há em quase todos os países e sociedades, mas isso não justifica a sua existência dessa forma endêmica que perdura no Brasil. Até porque há países e sociedades em que a corrupção é algo absolutamente residual. A grande diferença é que há sociedades em que há o que chamo de “cultura de intolerância” em relação à corrupção, e em que o Estado e os seus órgãos públicos, criados para tanto, são eficientes em fiscalizar, controlar e punir casos de corrupção. No Brasil, há certa tolerância por parte da sociedade mesmo no dia a dia, até porque não é incomum praticar, vamos dizer, pequenos atos de corrupção no cotidiano. E, por seu turno, os órgãos públicos são lenientes e ineficazes em punir exemplarmente. Veja o caso da operação Lava Jato que se deixou contaminar completamente por opções políticas e por posição de classe. Isso para dizer o mínimo. Ou mesmo porque foi criada e agiu deliberadamente por motivações políticas e classistas. No fim, colocou-se tudo a perder pela forma como agiram procuradores e juízes federais. E tornou-se um escândalo até maior do que aquele que, supostamente, era o seu objetivo investigar e punir. Mas, enfim, não há fórmula pronta e essa “cultura da intolerância” com a corrupção, ou seja, com os corruptos e corruptores, e a eficácia estatal para punir, é algo que tem que ser construído e consolidado no seio da sociedade. Infelizmente, parece que ainda estamos longe disso ainda.
A maior exposição da corrupção contribui para disseminar as práticas de corrupção na sociedade, visto que há quase que uma normalização desses assuntos?
Não acredito que a maior exposição da corrupção implique em sua disseminação em qualquer sociedade, porque, nesses casos, como você pergunta, haveria uma naturalização. Pelo contrário, acho mesmo que é importante que haja transparência na divulgação de casos de corrupção. Essa almejada transparência, em minha análise, é que pode contribuir para que se crie o que estou chamando de “cultura da intolerância à corrupção” no seio da sociedade, por assim dizer. É preciso mesmo expor ao máximo tais casos e os responsáveis garantindo-se, evidentemente, todo o direito de defesa aos acusados e julgamentos à luz da legislação. O problema, portanto, não é a exposição da corrupção; o problema é a existência da corrupção e a leniência e tolerância dos órgãos públicos em puni-los exemplarmente, como afirmei anteriormente. Sem isso não avançaremos nem tão cedo no combate à corrupção.