Alento mesmo foram as paraolimpíadas. Que maravilha aquela abertura. Melhor ainda a cerimônia de encerramento. Só mesmo o esporte para levantar a autoestima dos nossos heróis. Mesmo a TV aberta não transmitindo nada. Ainda bem que pago a TV a cabo em dia. Até que veio o Ministério da Educação e pá…tornou a educação física eletiva. Até que veio o Joaquim e pediu para mudar o canal. Até que veio a autoridade máxima de um dos poderes desta nação, em entrevista à Globo News, e afirmou que a sociedade poderia esperar o empenho dos integrantes do STF, porque eles não eram autistas, e sim cidadãos – e, por isso, queriam rapidez nos julgamentos.
Pera aí! Para tudo! Oi? E os autistas não são cidadãos? E não querem rapidez nos julgamentos? Os microfones são inimigos dos ministros do Supremo. Vez ou outra danam-se a falar demais, assim mesmo, na frente das crianças. Entrevista de ministro deveria ser proibida para menores de 18 anos. Seria maravilhoso os ministros compreenderem que as pessoas com deficiência, incluindo os autistas, desejam – e muito – a celeridade processual. Não só aqueles que brigam na Justiça, por exemplo, contra as empresas de saúde privada para que o tratamento seja coberto pelo plano, como também os que litigam contra a União para que o SUS cumpra o papel de se aparelhar com profissionais capacitados para tratamento adequado. Ou aqueles que pretendem ter simplesmente diretos básicos de cidadania respeitados.
Dizia a reportagem ser ela mestre em direito constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais. Não quer ser chamada de presidenta, mas sim de presidente. Senhora distinta, cabelos brancos. Séria, culta, honrada. Acredito em tudo isso apesar de não conhecê-la pessoalmente. Só a vi na TV. Seu nome é Cármen Lúcia. Quero perdoá-la.
Não bastassem todas as irresponsabilidades do poder público que é flagrantemente omisso, ouvir a presidente do Supremo Tribunal Federal falar isso, assim, na lata, dentro da minha casa, sem pedir licença, parecia brincadeira. Mas não era. Foi de perder a esperança, confesso. Sim, era mais relaxante assistir ao Amigãozão no Discoveykids. É um elefante azul que nos agride bem menos. Fizemos uso do controle remoto.
Logo em seguida, a ministra veio a público pedir desculpas, de forma protocolar, e dizer que não deveria mais fazer uso dessa palavra – autista – para definir algo negativo. Não deve ter sido sua intenção, como guardiã da Constituição Federal, afrontar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana com Deficiência, amparado pela Carta Magna.
Na verdade, o Brasil é que nos deve desculpas, ínclita ministra. Aliás, a mim, a V. Exa. e a todos os outros brasileiros. Este é um país que jamais se preocupou verdadeiramente com a pessoa com deficiência. Trata-se de uma nação que não preparou a mim, nem a V. Exa., a conviver com pessoas ditas especiais. Conquanto tenhamos uma legislação avançada acerca da matéria, nunca houve política pública adequada em prol dessa minoria. Sua declaração é reflexo da completa ausência do que chamamos de educação inclusiva, douta julgadora. A senhora jamais foi incluída. Eu também. As pessoas sem deficiência precisam ser incluídas. Somos vítimas da anestesia geral que assombra a sociedade. Somos humanos. Quero perdoá-la.
A Lei Brasileira de Inclusão, que entrou em vigor em janeiro deste ano, trouxe a obrigatoriedade do Poder Público capacitar servidores que atuam no Poder Judiciário quanto aos direitos das pessoas com deficiência. Asseverou que devem ser oferecidos, por exemplo, todos os recursos de tecnologia assistiva disponíveis para que a pessoa com deficiência tenha garantido o acesso à justiça, sempre que figure em um dos polos da ação. Preciso perdoá-la ministra, mas que tal V. Exa. estimular, no âmbito do poder que ora chefia, o cumprimento da lei? Seria um belo início de gestão, não acha? Corra, Excelência! Antes que meu amigãozão mude de canal novamente.