Temudo fala por si

Dia após dia, milhares de pessoas dos mais variados estratos sociais transitam pelo viaduto Joana Bezerra, a maioria esmagadora sem se dar conta de que o viaduto Joana Bezerra, é na realidade o viaduto Capitão Temudo. Você, possivelmente, é uma dessas pessoas.
Capitão o quê? você tem razão de achar a afirmação muito estranha. Não só pelo fato de o nome correto não ser Joana Bezerra, mas por ser Capitão Temudo. Pois saiba que muito se tem a falar dele.

Quem, afinal, foi o capitão Temudo? Foi um militar português que deixou o seu nome insculpido não só no viaduto Joana Bezerra, mas na história do Brasil e de maneira mais marcante na de Pernambuco. Você, de novo, se põe a cismar: Quer dizer que um militar português deu nome a um monumento brasileiro, genuinamente pernambucano!

Quer saber por quê? André Pereira Temudo, o nome completo do capitão, acompanhou, em 1615, a expedição destinada a auxiliar Jerônimo de Albuquerque na expulsão dos franceses do Maranhão e do Pará. Missão cumprida, em janeiro de 1616, o capitão-mor Francisco Caldeirar Castelo Branco e o capitão de infantaria André Temudo navegaram por um afluente do Rio Guajará e em determinado ponto construíram um fortim, dando por fundada sob a proteção de Nossa Senhora de Belém a povoação Feliz Lusitânia.

Logo ela passou a chamar-se Nossa Senhora de Belém do Grão-Pará, em seguida Santa Maria de Belém e, finalmente, Belém. Foi assim que nasceram o Estado paraense e a sua capital, Belém. Tamanha foi a sua importância na conquista do Maranhão e do Pará que, como recompensa, pouco depois ele foi nomeado capitão-mor da capitania do Rio Grande do Norte.

De que têmpera deveria ser o homem a assumir os destinos de terras tão inóspitas, de vida tão insípida e, sobretudo, de alto risco? Deveria ser suficientemente forte, física e mentalmente, para desempenhar tão difícil missão, e o capitão Temudo o era. Os capitães-mores tinham formação militar e larga experiência em combates. Eram oficiais de milícias, soldados de carreira construída em Portugal ou, quando não, plasmados em forças organizadas.

Ex-participantes das lutas pela conquista de terra, eram frequentes entre eles gestos de coragem e desprendimento. Eram homens rústicos, decididos, desprovidos de eufemismos, absolutamente resolutos em qualquer situação enfrentada, quase nada sensíveis à justeza das suas decisões. Simplificando, não vacilavam, administrando a capitania com mão de ferro. Disciplina era a palavra-chave, não importava a circunstância. E quando se impunha a mediação do capitão-mor em alguma contenda, a sentença era, com frequência, rápida, contundente e irrecorrível.

Eram esses os traços levados em conta na escolha dos capitães-mores, já que eles detinham poder incontrastável sobre a milícia, sobre a população circunvizinha, podendo eventualmente surrar as pessoas, pô-las a ferro, condená-las ao degredo ou, até, em situações extremas, à morte, desde que os motivos fossem plenamente justificáveis. Pensando bem, ele era o representante do rei luso.

Fazia mais: concedia sesmarias, mas para obtê-la o postulante tinha que ser seguidor do catolicismo, a religião oficial. Não havia concessão se não houvesse plena satisfação de tal requisito. Em síntese, o capitão-mor era plenipotenciário, a suprema lei.

Naqueles tempos, o Estado não era laico… A Igreja, pregavam, purificava as almas.A conduta austera, inteligente e briosa do capitão André Temudo lhe rendeu reconhecimento, empossado que foi na capitania-mor do Rio Grande do Norte. Ao fim de sua administração, todavia, fixou residência em Olinda, onde passou a comandar uma companhia de infantaria e mostrou de forma cabal a razão de ser nome do maior viaduto recifense.

É óbvio que você, com muita razão, insiste no questionamento do que leva um homem nascido há 400 anos, em Portugal, o homem que fundou Belém, capital do Pará, a ter seu nome imortalizado em uma obra tão importante quanto o Viaduto Joana Bezerra, aliás Capitão Temudo?

Vieram as invasões holandesas. O Recife, então com escassos 150 moradores, estava armado e pronto para resistir. De um lado, o Forte de São Jorge, de outro o Diogo Paes, ambos prontos para nos defender. Para nós, brasileiros, tratava-se da nossa jovem nação. Para os portugueses a defesa de mais uma colônia entre as tantas que possuía em todo o mundo, esta riquíssima e extensa. Para os invasores holandeses, a exploração da cana-de-açúcar, de que, naquela época, Pernambuco era o maior produtor mundial.

O rio Tapado, defesa natural do porto do Recife e das praias de Pau Amarelo, ficara sob os cuidados do capitão André Pereira Temudo, à frente de 130 homens, número que logo cresceu quando a ele se juntaram três companhias dos distritos mais próximos, os índios com suas flechas, e até mesmo cidadãos ciosos do imperativo de defende a pátria, o lar, a honra.

Ocorre que, mesmo assim, era um número insuficiente de pessoas para fazer o que precisava ser feito, e o porto do Recife e as praias de Pau Amarelo deveriam ser defendidas a qualquer preço. Ademais, no Recife se encontravam dois fortes da Coroa e o tesouro representado pelo açúcar, pelo pau-brasil, pelo algodão, pelo fumo, pelo gengibre e tantas outras riquezas. Recife precisava de auxílio e o pedia insistentemente.

Como vencer a distância e o tempo que separavam aqueles pontos vitais? Se não havia combatentes bastantes para defender sequer um posto, como defender quatro léguas de praias? Ainda que precariamente, as praias do Pau Amarelo estavam, de qualquer forma, com a defesa pronta, e o capitão André Temudo, por sua vez, mantinha a posição do rio Tapado. Ocorre que os holandeses eram numericamente superiores: 2 mil soldados bem armados e bem treinados, embora os luso-brasileiros fossem, do ponto de vista do amor à causa, muito superiores.

Não havia, no entanto, como deter a escalada neerlandesa. Os invasores desembarcaram na praia de Pau Amarelo, passaram a progredir no terreno e foram recebidos a tiros nas margens do Rio Doce. Não detiveram a marcha, contudo. Prosseguiram para o sul, para conquistar Olinda.

Ali, o combate foi encarniçado. A superioridade numérica dos holandeses era flagrante e em determinado estágio da batalha, o capitão Temudo foi compelido a recuar até o adro da igreja da Misericórdia, onde foi morto.

Trezentos anos depois, em 1930, celebrando o tricentenário da invasão holandesa, no local onde os bravos tombaram foi afixada uma pedra que dizia: Aqui, no adro desta igreja, o capitão André Pereira Temudo, seguido de um punhado de bravos pernambucanos, sacrificou heroicamente a sua vida para vingar os ultrajes que faziam à pátria e à religião os criminosos invasores holandeses em 1630.
Temudo está enterrado em Olinda e eternizado no viaduto recifense que leva o seu nome.
Como ficou visto, Temudo merece ter seu nome bem nítido no viaduto.

*Por Marcelo Alcoforado

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