Mar de plástico: como o mundo e Pernambuco estão enfrentando esse problema? – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

Mar de plástico: como o mundo e Pernambuco estão enfrentando esse problema?

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*Por Rafael Dantas

Você sabia que podemos estar comendo um cartão de crédito por semana? De acordo com estudo encomendado pela WWF International e realizado pela Universidade de Newcastle, da Austrália, o ser humano consome até 1.769 partículas de plástico toda semana. A proliferação dos plásticos espalha partículas pelo meio ambiente e afeta não apenas a nossa alimentação. O descarte desse resíduo promove desequilíbrios preocupantes, cria grandes ilhas de lixo nos oceanos e mata muitos animais marinhos. Para enfrentar esse cenário, há um tratado internacional em construção para banir os plásticos desnecessários. O Brasil, sob o comando da ministra do Meio Ambiente Marina Silva, tem um papel relevante nesse xadrez global. No País, Pernambuco pode ter protagonismo nessa agenda a partir da experiência do Arquipélago de Fernando de Noronha.

A cada minuto um caminhão de plástico é despejado nos oceanos, segundo dados da ONU (Organização das Nações Unidas). Os ítens plásticos correspondem a 80% do número de resíduos acumulados. Além do extenso volume, esse é um material que pode durar até alguns séculos antes de entrar em decomposição. Diferente de outras cadeias produtivas, como a do alumínio que consegue recolher e reciclar quase todas as latinhas que circulam no País, a reciclagem dos plásticos ainda é pouco amadurecida. Todo o drama que envolve essa questão e algumas soluções foram discutidos no evento Noronha e Oceanos sem Plásticos, promoção do Lab Noronha pelo Planeta.

“Estamos diante de um oceano de oportunidades, de fazer muita coisa, mas de grandes desafios. Temos um oceano único no Planeta. Quando pensamos nessa questão do plástico, por exemplo, em Noronha, chega lixo vindo até da África. Nos lugares mais profundos do oceano já foram encontrados plásticos”, afirma Ana Paula Prates, diretora de Oceano e Gestão Costeira do Ministério do Meio Ambiente.

A ambientalista destacou o risco sanitário que o descontrole da produção e descarte de material representam. “Já existem vários estudos demonstrando que esse monte de plásticos, que é arrastado, é um dos grandes vetores de pandemias. Daqui a pouco, a gente vai começar a ver novas pandemias sendo trazidas pelos plásticos. Os impactos se estendem pelo turismo, pela segurança alimentar, na navegação, pesca, bem-estar animal, biodiversidade. Já está no plâncton e até no leite materno”, alertou Ana Paula.

O enfrentamento à proliferação desses resíduos pelo Planeta está sendo costurado por meio de um Tratado Global contra os Plásticos. Representantes de 175 países estão em negociações para a escrita desse documento de referência, mas tem ainda poucos avanços, após duas rodadas de negociação. Ana Paula Prates indicou que o acordo não deve ser finalizado até o final do próximo ano, devido às disputas no setor, que movimentam diversos elos da indústria.

O tratado deve prever ações sobre os plásticos que já foram depositados nos oceanos, a redução escalonada de alguns produtos e o banimento de outros produtos evitáveis. A definição do que é evitável é um dos grandes entraves da construção do documento. “O que está sendo discutido no tratado é que temos que fazer uma transição da economia linear para uma economia circular”, resume a diretora do Ministério do Meio Ambiente.

Enquanto o mundo avança para assinar esse documento de referência para uma transição, Pernambuco já tem desde 2018 o Decreto Noronha Plástico Zero. O arquipélago está em transição, com forte trabalho educativo com os ilhéus e com seus visitantes. Muitos produtos de plástico deixaram de entrar na ilha desde a assinatura do marco legal, como pratinhos e talheres. A ilha está bastante sinalizada com campanhas educativas em direção ao fim do uso de materiais não essenciais.

“O Noronha Plástico Zero é estruturado por meio do decreto datado de 2018 que iniciou efetivamente em 2019. Nesse caminho teve uma pandemia que inviabilizou muita coisa, mas hoje a gente trabalha com equipes de fiscalização, com técnicos, biólogos e engenheiros que ficam responsáveis por fazer a abordagem, tanto nas vias de entrada da ilha, no porto e no aeroporto, como também em bares, restaurantes e pousadas. É um trabalho de extrema importância de relevância ambiental para manutenção não só no arquipélago, mas para vida no oceano como um todo”, afirma Ramon Abelenda, gerente de Meio Ambiente de Fernando de Noronha.

Ele afirma que hoje o maior desafio do arquipélago no gerenciamento dos resíduos sólidos está no fato dele receber um número de turistas elevado, em que há um tempo muito curto de conscientização quanto ao descarte adequado. “A gente tem que conscientizar o público que vem a Noronha antes de chegar na ilha. Isso é um desafio. Além disso, todo nosso resíduo é descartado no continente, ele não pode ser aterrado aqui. Então, um desafio a ser vencido é a redução do consumo aqui na ilha, com a priorização do uso de materiais e embalagens biodegradáveis”, explicou Abelenda.

INICIATIVAS DA SOCIEDADE

O enfrentamento ao problema do descarte dos plásticos no mundo passa por iniciativas amplas e de definição de marcos legais, bem como por ações individuais e de pequenos grupos. No Recife e em Fernando de Noronha há projetos como o Xô Plástico e o Minuto Noronha que atuam tanto no viés educativo, como no trabalho voluntário para retirada dos resíduos sólidos do meio ambiente. É o trabalho de formiguinha que tem alguns resultados bem impressionantes.

O Minuto Noronha, iniciativa de dois moradores do arquipélago, Túlio Cesar e Giselle Duque, retirou da natureza nada menos que 4,42 toneladas de resíduos em 70 ações realizadas nos últimos quatro anos. Eles não recolhem apenas plásticos, mas também garrafas, metais e outros materiais e pesam a coleta a cada saída. “O projeto surgiu a partir de uma vontade minha de participar de ações de preservação ambiental. Daí nasceu o Minuto Noronha, que incentiva a cada pessoa a fazer sua ação tirando um pouquinho do seu tempo para ajudar a ilha”, declarou Túlio.

Foto: Rafael Santiago

Eles usam o tempo de folga do trabalho para andar pela ilha e retirar o que está em desequilíbrio com o meio ambiente. Após a abertura de um perfil no Instagram (@minutonoronha) sobre o projeto, a iniciativa dos dois já inspira outras pessoas na ilha a usarem um pouquinho do seu tempo para a preservação ambiental. “O Minuto Noronha é mais que uma causa, é um movimento que promove o despertar de consciência sobre a responsabilidade de cada um no desenvolvimento e preservação da ilha de Fernando de Noronha, buscando engajar as pessoas por meio de senso de comunidade e do incentivo de práticas de pequenas ações no dia a dia”, explicou Giselle.

No Recife, duas irmãs incomodadas com os plásticos depositados nos mangues, no habitat dos caranguejos, começaram, há cinco anos, um trabalho semelhante. Laís Araújo, bióloga, e Laísa Araújo, bibliotecária, começaram a anunciar nas redes sociais que iriam fazer coleta de plásticos nas praias e nos mangues. O interesse coletivo foi rápido. Elas reúnem grupos de 50, 100 e até 200 pessoas nessas intervenções, recolhendo toneladas de lixo do meio ambiente.

“Promovemos ações de limpeza no mangue e nas praias como uma forma de ativismo e educação ambiental. A partir da experiência de catar plástico começa a despertar uma mudança de hábito. Não é possível passar uma hora catando canudo de plástico e copos descartáveis e não lembrar disso depois”, afirmou Laísa Araújo.

Além do trabalho voluntário de catação, que acontece mensalmente, elas também têm dedicado tempo para fazer um trabalho educativo nas escolas. A atuação do movimento acontece principalmente no Recife e em Olinda, mas já chegou também em Porto de Galinhas.

ECONOMIA CIRCULAR E LABORATÓRIO REGENERATIVO NO RADAR

A indução da economia circular, em que todos os materiais voltam para novos elos da cadeia produtiva, é uma tendência que parte tanto da iniciativa privada, como por novos marcos legais. “Latinhas são dinheiro em peso de ouro. O plástico, não. Segundo os catadores que estão participando da discussão, eles têm coletado, prensam, mas aquilo acaba se tornando um lixo para eles, pois não tem quem compre. Essa é uma das coisas sobre as quais estamos fazendo decretos para forçar que a indústria recolha isso”, afirmou Prates.

Ela faz coro também para que o arquipélago pernambucano seja um expoente nacional da posição do Brasil no enfrentamento às mudanças no clima. “Noronha tem tudo para ser um superexemplo. Já tem essa iniciativa do decreto. Vamos tentar implementar e virar uma vitrine dessa atitude mais ousada e mais sustentável. É isso que queremos levar como uma posição brasileira. Queremos um tratado mais ousado e mais de vanguarda para resolver esse problema”, afirmou Prates.

Além de possuir um decreto para acabar com os plásticos evitáveis e ter ações de voluntariado para enfrentar o problema dos resíduos, uma grande novidade em 2023 no arquipélago de Fernando de Noronha será a inauguração do Lab Noronha Pelo Planeta. Trata-se de um projeto para interligar tecnologias e modelos de negócios sustentáveis e replicáveis, com foco na cultura, na educação e na economia regenerativa e do descarbono. Mesmo antes da inauguração do seu espaço na ilha, o laboratório já promoveu o evento Noronha e Oceanos sem Plásticos, que contou com a participação virtual e ao vivo da ministra Marina Silva.

“Teremos uma central de reciclagem lixo zero e seremos um espaço para discutir a circularidade de todos os produtos. Nossa ideia é identificar os principais produtos que geram impactos na ilha e discutir com as empresas soluções. Sobre o plástico, a ideia é que venha para cá apenas aquilo que é absolutamente indispensável. Ao chegar, que tenha um processo de retorno ou aplicações na ilha. Estamos vendo também formas de condensar o plástico em materiais que podem ser usados em pisos, coberturas. Existem várias possibilidades com uso de pouca energia”, afirmou o diretor-executivo do Lab Noronha e ex-secretário de Meio Ambiente, Sérgio Xavier.

Além de ter uma operação limpa, o Lab Noronha tem a proposta de ser um equipamento que consiga gerar recursos para reverter o processo histórico de degradação ambiental. O espaço nasceu em uma área de descarte irregular de lixo na ilha e está recuperando paulatinamente o terreno. Todo o investimento na infraestrutura é viabilizado por parceiros da iniciativa privada. Para Sérgio Xavier, que acabou de ser nomeado como coordenador- executivo do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima, não é suficiente apenas ser autossustentável, mas é preciso desenvolver um modelo que compense também o passivo ambiental deixado pelas atividades produtivas no passado.

EDUCAÇÃO E INTERVENÇÕES URBANAS

No Estado, foi criado no ano passado o Plano de Ação de Combate ao Lixo do Mar no Litoral de Pernambuco (Pacolmar). De acordo com Danise Alves, gerente geral de áreas costeiras da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), Pernambuco está na fase de planejamento estratégico para execução das ações. “Neste semestre pretendemos trabalhar a comunicação ambiental, para sensibilizar a população em relação ao descarte do lixo no oceano e promover educação ambiental em parceria com empresários e organização de catadores. Esse é o momento de buscar parcerias para a execução”.

A gestora avalia que um dos grandes desafios a serem atacados pelo Estado é sobre o descarte de lixo irregular no ambiente terrestre que acaba chegando nos rios e termina nos oceanos. “Pernambuco tem uma faixa litorânea muito extensa, então tudo acaba chegando na praia, que vai para os oceanos. Ter um gerenciamento para que o resíduo não chegue no rio é um desafio. Com certeza, a educação ambiental é nosso pilar porque a gente precisa educar essas pessoas. O problema de descarte em canais agrava o assoreamento dos rios por causa de resíduos sólidos, gera a contaminação de água e traz agentes de doenças. São várias consequências”, afirmou Danise.

Mestre em Gestão Sustentável da Água Urbana e Cidades Resilientes ao Clima, Mila Montezuma defende que, além da educação, é preciso imprimir um conjunto de esforços e intervenções urbanísticas para reduzir a poluição. “Em relação aos plásticos nos rios, a educação ambiental é forte aliada. Mas também outras medidas como a criação de barreiras físicas para os plásticos em suspensão. Há, ainda, barreiras não físicas, como o sistema de bolhas lançadas no leito do rio — que geram a suspensão não só de plásticos mas também de demais resíduos sólidos — para em seguida se fazer o recolhimento”. Segundo Mila, os sistemas de bolhas, usados na Holanda, por exemplo, são uma espécie de barreira de ar, colocada no leito dos rios, que joga para a superfície os materiais plásticos que podem ser recolhidos de forma mais fácil pela coleta municipal.

Entretanto, Mila Montezuma considera que a grande questão atual é primeiramente mudar os meios de produção e consumo, além de ressignificar o descarte das matérias-primas. “Ou seja: transformar o lixo e efluentes em parte ativa do sistema urbano, como um ciclo, a exemplo de economia circular. Tratar rios de regime exógenos (que vão para os oceanos) e sanear as cidades, evitando assim o escoamento superficial e a drenagem subterrânea que leva aos mares”. Ela menciona ainda soluções de caráter mitigatórias como possibilidades mais imediatas, como a remoção de tais poluentes do oceanos.

Na capital pernambucana a limpeza dos rios tem sido realizada pela Emlurb (Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife). A assessoria de imprensa do órgão ressalva que constitucionalmente, rios que têm nascente e foz no território do Estado são responsabilidade dos governos estaduais, o que restringe a atuação da gestão municipal. Apesar da restrição, anualmente é feita a limpeza dos 99 canais que cortam a cidade, um custo de cerca de R$ 10 milhões aos cofres públicos.

A assessoria acrescenta que há também o trabalho de limpeza dos resíduos flutuantes do Rio Capibaribe, realizado pelo Ecobarco. “O equipamento atua em todos os trechos navegáveis do rio, dentro do município do Recife, incluindo as ilhas do Centro do Recife, a Zona Norte até a BR-101, e na bacia do Pina e seus afluentes. A cobertura é de aproximadamente 35 quilômetros”, afirma a nota da Emlurb, salientando que a maioria do lixo removido é de garrafas plásticas.

Independentemente do caminho traçado ou dos diversos trajetos adotados para o enfrentamento ao problema dos plásticos, o momento de discussão global é oportuno para um avanço em Pernambuco. Os passos já dados em Fernando de Noronha e mesmo com a edição do Pacolmar, no ano passado, podem colocar o Estado numa posição de protagonismo nessa agenda ambiental. Um lugar que demandará maior unidade do poder público com a iniciativa privada e a sociedade civil organizada.

*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)

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