O charme das lojas de rua – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

O charme das lojas de rua

Claudia Santos

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Ninguém duvida que shoppings e hipermercados vieram para ficar, em razão da praticidade que oferecem. Mas o comércio de rua resiste e proporciona benefícios nem sempre tangíveis para as cidades e seus habitantes. Padarias, boutiques, mercadinhos e mercados municipais humanizam a boa e velha convivência entre donos dos estabelecimentos e seus vendedores com os clientes. Não raro, esses comerciantes atendem seus fregueses pelo nome e conhecem suas preferências.
Mais do que pontos de referência, os pequenos comércios preservam a identidade das áreas urbanas onde estão inseridos. O Mercado Público da Madalena, por exemplo, é “a cara” do bairro que leva o mesmo nome, assim como o Bar 28 não pode ser dissociado do Recife Antigo. Por essa razão estudiosos afirmam que as lojas de rua conservam o patrimônio material e imaterial das localidades.

Quem conhece a Mercearia Nabuco sabe que isso é uma realidade. Localizada numa antiga e charmosa casa na esquina da Rua Harmonia, em Casa Amarela, a bodega há 107 anos supre sua freguesia com uma infinidade de produtos que vai do detergente à cerveja. Entrar no seu ambiente de portas altas e um amplo balcão é retornar aos tempos dos armazéns. Os donos, o casal Lindalva Araújo – a dona Dalva – e Arthur Francisco de Araújo, estão à frente do negócio há inacreditáveis 45 anos. São verdadeiros anfitriões que recebem uma fiel e assídua clientela.

“Somos o terceiro proprietário da mercearia. Na época que assumimos não havia supermercado. As pessoas faziam compras grandes e mandavam entregar”, conta dona Dalva. Para se adaptar aos novos tempos, o casal introduziu algumas mesas e o local virou também um bar. “Hoje o que nos sustenta é a venda de bebidas. Aqui vem de doutor a pedreiro, considero os clientes pessoas de casa”, diz dona Dalva com ar quase maternal.

de um tudo
Na Mercearia Nabuco, Seu Arthur vende ” de um tudo”: ovos, produtos de limpeza, carne, cerveja

Logo cedinho, às 6h30, chegam os trabalhadores em busca do café da manhã. A partir das 10h, um divertido grupo de amigos aposentados começa aos poucos a ocupar uma mesa. “A gente bota conversa fora, mentindo de vez em quando”, brinca Antônio Cerqueira.

Já o funcionário público Ranício Galvão sai de Olinda onde mora, se apossa de uma mesa da mercearia, enquanto espera sua mulher, professora do Colégio Apoio – situado nas proximidades – sair do trabalho para levá-la para casa. “É como se fosse meu escritório”, graceja. “Fico aqui resolvendo algumas coisas. Gosto do ambiente é como se eu ainda estivesse em Olinda”, compara Galvão.

“A mercearia é um resquício do bairro”, resume Tadeu Caldas, outro integrante do assíduo grupo de clientes. “São pessoas que se conhecem há muito tempo e vêm aqui, onde as relações são mais pessoais, não tem gente em computador, nem no celular, tampouco máquina de cartão de crédito”. Por incrível que pareça seu Arthur conserva a tradicional caderneta para vender fiado. “Ainda temos esse sistema, mas que é usado discretamente, porque é preciso confiar na pessoa”, ressalva dona Dalva.
Entretanto, a Mercearia Nabuco também inova para seduzir o público jovem, que frequenta o seu happy hour. As terças-feiras, um grupo musical de chorinho embala a conversa da freguesia, que costuma se deliciar com quitutes feitos por dona Dalva.

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Antônio, Sílvio e Tadeu se encontram quase todos os dias na Mercearia Nabuco

Os encontros acontecem das 19h às 21h, porém, empolgada na diversão, a clientela costuma dar uma “esticadinha”, permanecendo mais tempo. Para desespero do filho do casal, Arthuzinho, que costuma implorar para que todos saiam, com uma costumeira frase: “Olha o horário!”. Situação que não resistiu ao humor dos clientes. Como bons pernambucanos, eles fundaram o bloco Olha o horário, que desfila próximo à mercearia depois do Carnaval. Tem até hino oficial criado pelo músico e frequentador da bodega Romero Andrade (ouça a música).

TROCANDO EM MIÚDOS
Ter um comércio de rua não é exclusividade de casas centenárias. As designers Juliane Miranda e Amanda Braga, jovens proprietárias da marca de acessórios femininos Trocando em Miúdos, fizeram a mesma opção. “Costumamos dizer que temos lojas afetivas”, conceitua Juliane. “Nossa relação com as clientes é muito próxima e estar na rua facilita essa proximidade”.

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Juliane, da Trocando em Miúdos, preferiu o comércio de rua por permitir uma relação afetiva com as clientes

A elegante ambientação da Trocando em Miúdos, que reflete essa preferência. Tanto a Casa Rosa, em Casa Forte – que engloba ateliê e local de venda – como as lojas da Jaqueira (que as sócias dividem com duas outras marcas) e a do Espinheiro seduzem pelo intimismo revelado por cortinas, sofás, abajures e flores. E, como o próprio nome da marca (inspirada numa canção de Chico Buarque e Francis Hime) sugere há muita troca com as mulheres de 20 a 70 anos que as frequentam.
“Temos clientes que há dez anos compram conosco, que é o tempo de existência da marca. Elas mandam fotos do closet com várias de nossas peças, pedem sugestões de looks, uma delas até nos enviou a imagem do ultrassom quando ficou grávida”, conta Juliane. O afeto que envolve essa relação levou as designers a homenagear clientes batizando seus brincos com o nome delas.

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Para dar um tom mais intimista, loja da Trocando em Miúdos tem decoração semelhante a uma casa.

Uma das homenageadas é a arquiteta Sara Holmes. “Fiquei emocionada em ter um brinco com meu nome”, derrete-se a cliente. Sara acredita o fato de a marca ter lojas de rua contribuiu, de certa forma, para essa relação. “As vendedoras já me conhecem, me chamam pelo nome, sabem o estilo de coisas que eu gosto. O shopping tem a sua hora porque traz muita comodidade. Mas a loja de rua possibilita essa intimidade. Já foi comprovado que é interessante ter existir comércio numa área com residências, porque traz uma movimentação maior para as ruas, o que colabora até para tornar as vias mais seguras”, analisa a arquiteta.

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