“Acreditamos no mercado local e queremos participar da transformação do Centro do Recife”

Edson Cedraz, Sócio líder da Deloitte para o Nordeste, explica por que a empresa escolheu o Recife para instalar o seu segundo centro tecnológico, comenta a adesão ao programa Embarque Digital e analisa o ambiente de negócios no País e os impactos da reforma tributária e da inteligência artificial.

Em 1917, a Deloitte chegava ao Bairro do Recife, junto com os ingleses que vieram para ampliar a malha ferroviária no Brasil. Em janeiro passado, 107 anos depois, a empresa retornou ao seu local de origem na capital pernambucana, instalando-se no Moinho Recife, no Porto Digital, realizando um verdadeiro upgrade ao abrigar na nova sede um centro tecnológico. Nessa sua trajetória de inovação durante mais de um século, hoje, além dos serviços tradicionais de consultoria empresarial, a empresa constrói soluções customizadas para os clientes com o uso de tecnologia. “Se a gente continuasse fazendo o que o Sr. Deloitte, fundador da empresa, fazia há 180 anos, não estaríamos aqui para contar a história”, ressalta Edson Cedraz, sócio líder da Deloitte para o Nordeste.

Nesta entrevista a Cláudia Santos, ele explica os motivos que levaram a empresa ao escolher o Recife para sediar o centro tecnológico (é o segundo do País, o primeiro fica em Campinas) e a participar do projeto Embarque Digital, financiado pela Prefeitura do Recife e liderado pelo Porto Digital, que forma jovens de baixa renda para atuar na área de tecnologia. Edson Cedraz também analisa o atual ambiente de negócios no País e os impactos da inteligência artificial e da reforma tributária.

A Deloitte está há quase dois séculos no mercado. A que se deve essa longevidade?

Fundada em 1845, a Deloitte tem quase 180 anos de existência. Em relação ao faturamento, é a maior firma de serviços profissionais do mundo. Para se manter nesse ritmo, a Deloitte vem ajudando os clientes a superarem desafios que os novos tempos trazem. A empresa já nasceu inovadora pois praticamente criou a profissão de auditoria. Ao longo de todos esses anos, continuamos com o mesmo DNA inovador. Cinquenta por cento do que a Deloitte fatura no Brasil são serviços que não existiam anos atrás.

Se a gente continuasse fazendo o que o Sr. Deloitte, fundador da empresa, fazia há 180 anos, não estaríamos aqui para contar a história. Então, metade do que produzimos é referente a demandas que provavelmente nossos clientes nem sabiam que tinham cinco anos atrás, pois o dinamismo dos negócios é muito mais acelerado hoje. Dessa forma, conseguimos manter nossa liderança e sobreviver nos próximos 180 anos ou mais daqui para frente.

A Deloitte inaugurou recentemente um Centro de Tecnologia no Recife. É o segundo do Brasil e o primeiro do Nordeste. Fale um pouco desse novo espaço e por que o Recife foi escolhido para sediá-lo?

A manutenção do nosso espírito de inovação passa por iniciativas como centros de tecnologia dedicados a prover serviço ao cliente, trazendo todo processo de pesquisa e desenvolvimento. Afinal, consultores só entram em cena quando o cliente precisa de algo novo. O Recife foi escolhido como segundo centro de tecnologia da Deloitte por alguns motivos, o primeiro deles é a conexão com todo o ecossistema que foi formado a partir do Porto Digital. Enxergamos aqui um celeiro de oportunidades para nos aproximarmos de empresas e startups bastante promissoras.

O segundo motivo é o capital humano, a capacidade que a região tem de prover profissionais qualificados, pessoas que, além de conteúdo, bagagem e capacidade técnica, têm um engajamento muito maior do que em outras localidades. Além disso, acreditamos na região, a Deloitte está no Recife desde 1917, são 107 anos de presença física. A empresa não está aqui para se aventurar ou apenas para servir como ponto de apoio para atender clientes de fora. Estamos fortalecendo investimentos. Queremos contribuir com o desenvolvimento econômico local apoiando as empresas daqui, ajudando-as a prosperar.

Acreditamos no mercado local e queremos participar do processo de transformação do tecido urbano do Centro do Recife, que é uma área próspera e estamos fazendo a nossa parte para requalificá-la. Outro motivo para escolhermos o Recife é a possibilidade de contribuir ativamente com impactos sociais. Há também a questão emocional, a Deloitte tem a oportunidade de se instalar no Centro da cidade, o mesmo local onde se instalou em 1917, quando desembarcou aqui junto com os ingleses que vieram ao Brasil para ampliar o número de ferrovias. Isso é uma questão emblemática, simbólica de voltar para as nossas origens.

E está dando muito certo. Antes da pandemia, quando esse centro ainda não estava na pauta, tínhamos um terço da quantidade de profissionais que temos hoje. Nós triplicamos de tamanho e acreditamos que esse número irá crescer muito, dará saltos maiores em curto prazo. Estamos aqui para reforçar o compromisso que temos de, há 100 anos, investir e estar sempre presente. Agora a gente vai viver talvez o melhor momento dessa história com um aporte de investimentos e confiança para continuar contribuindo com a economia, com a sociedade e com as empresas locais.

O senhor falou em capital humano e em contribuir socialmente com o Recife. A Deloitte participa de algum projeto social nesse sentido?

Sim. Há um projeto de educação muito bonito, do qual a Deloitte faz parte, chamado Embarque Digital, financiado pela Prefeitura do Recife e liderado pelo Porto Digital. Nós compramos essa ideia, estamos totalmente dentro e trazendo para a Deloitte profissionais que foram formados nesse projeto. Grande parte deles vem da escola pública, tem origem humilde e fatalmente não teria chance de ingressar no mercado de trabalho numa área privilegiada, de alto nível profissional, se não fosse por esse programa.

Quantos profissionais a Deloitte tem e quantos foram ou serão contratados no programa Embarque Digital?

No Brasil, temos um pouco mais de sete mil profissionais, dos quais, cerca de 500 são da região Nordeste, onde há bases com 50 a 100 pessoas em Salvador e Fortaleza, mas o grande volume na região está no Recife devido ao Porto Digital, onde temos em torno de 400 profissionais. O Embarque Digital é um projeto novo, embarcamos no Porto Digital há apenas dois meses e já contratamos a primeira turma de 20 profissionais. Não são profissionais já formados. Eles vêm com conhecimento importante da academia, mas esse é o primeiro emprego de muitos deles. Muitos chegam como estagiários e investimos na sua formação.

Que tipo de serviços o centro tecnológico oferece?

Oferecemos os serviços tradicionais da Deloitte, como consultorias tributária e empresarial além das ofertas de tecnologia com soluções customizadas para resolver problemas específicos do cliente, operando por meio de alianças com todas as big techs e com os maiores provedores de tecnologia do mundo.

Traduzimos muitas das soluções desses provedores para a realidade dos nossos clientes e entregamos soluções desde um ERP (Enterprise Resource Planning, ferramenta de gestão empresarial que integra e automatiza processos em várias áreas da empresa), até sistemas com inteligência artificial. Outro serviço ofertado pela Deloitte são os delivery centers (centros de entrega), em que operamos, para o nosso cliente, processos de compras, controle financeiro, pagamentos, recebimentos, conciliações, utilizando ferramentas tecnológicas.

Também operamos processos mais tradicionais de contabilidade, folha de pagamento, gestão tributária, que é uma demanda muito grande das empresas, especialmente a partir da reforma tributária. Então, operamos, para o cliente, processos que não são da linha de frente do seu negócio para ajudá-lo a se concentrar no que é importante para ele. Isso tudo usando muita tecnologia, além de prover serviços de sustentação de sistemas específicos, manutenção de plataformas.

O senhor mencionou a inteligência artificial. Como ela impacta os negócios nas empresas?

No século passado, as novas tecnologias nasciam nas empresas e depois iam para as casas das pessoas, para a vida pessoal. Quando falamos em inteligência artificial, as tecnologias estão muito mais avançadas no uso pessoal e as empresas começam a experimentar o seu potencial. Estamos experimentando, testando. Algumas aplicações práticas estão voltadas para o que já se conhece, como atendimento ao cliente por meio de tecnologias que já eram usadas há décadas e vêm ganhando impulsionamento agora com a IA.

Entretanto, poucas empresas hoje têm uma clareza do potencial e uma estratégia definida de como a IA vai ser utilizada nos seus negócios, enquanto equipamentos de uso pessoal, como os celulares, aparelhos da casa, as TVs, estão embarcados em tecnologias de ponta. A Deloitte fez recentemente um seminário de IA com associações, empresários, membros da academia, representantes de outros países, e a tônica foi: estamos só começando. O potencial, tanto positivo quanto negativo, ainda não foi descoberto porque as empresas estão experimentando, criando os seus espaços controlados para fazer testes.

Assim como quaisquer outras tecnologias, a IA tem riscos mas ela traz uma preocupação envolvendo a capacidade de governar, de propriedade intelectual, de cyber segurança, privacidade, desinformação. Isso porque a inteligência artificial, no estágio atual, tem muitas aplicações, muitos modelos, é como se fosse criança sendo alfabetizada. Ou seja, para ganhar massa crítica em troca de resultados, se você alimenta a inteligência artificial com desinformação, informações falsas, ela vai produzir um resultado indesejado ou que traz malefícios para determinada parte da sociedade.

Um dos trabalhos da Deloitte é a consultoria tributária. Qual a sua expectativa em relação ao impacto que a reforma tributária terá sobre os negócios?

Como toda mudança, ela traz um misto de oportunidades e desafios. Com um olhar mais cirúrgico para o Nordeste, percebemos desafios a serem avaliados em relação aos incentivos fiscais que às vezes representam uma questão de sobrevivência de determinadas regiões. Se não houver um modelo de transição e de substituição desses incentivos por algo que beneficie a região, pode trazer grande prejuízo. A gente sabe que efetivamente há uma defasagem de infraestrutura, do tamanho do mercado consumidor, e a instalação de negócios aqui depende essencialmente de incentivos fiscais e de contrapartidas corretas que podem funcionar. Entretanto, percebemos a reforma mudando esse conceito, trazendo uma forma de compensação diferente e isso é uma oportunidade mas, também, um risco que precisa ser avaliado quando a gente olha para a região.

Apesar dos desafios com os quais as empresas vão conviver ao trabalhar com algo novo, daqui a alguns anos, quando a reforma estiver estabilizada, teremos um ambiente mais seguro e mais simples de lidar. Até lá, nós teremos, no mínimo,10 anos de muita instabilidade, de trabalho dobrado para conviver com dois sistemas e isso traz uma complexidade dobrada. A ideia é simplificar mas, até chegarmos nessa plenitude, há um caminho a ser seguido que ainda não é totalmente conhecido, considerando a regulamentação que está por vir.

O senhor falou que a infraestrutura é um dos dos problemas a serem enfrentados em Pernambuco. Quais são os outros desafios do Estado para o desenvolvimento?

A questão da infraestrutura é um desafio do Brasil inteiro, mas o Nordeste em especial, não só Pernambuco, tem uma série de gargalos de logística, de oferta de mão de obra capacitada a incentivos para a região. A ideia original é que os estados supram essas lacunas para que as empresas possam competir em pé de igualdade para atrair investimento e não oferecer compensações para as lacunas.

Apesar da capacidade de alguns estados de atrair investimentos, a região Nordeste ainda sofre com falta de infraestrutura, logística, oferta de mão de obra. Então temos, de fato, algumas dificuldades que trazem desvantagem competitiva e, por isso, as empresas têm que ser criativas para conseguir concorrer no cenário nacional para suprir essas lacunas que existem na região.

Em termos gerais, como o senhor avalia o ambiente de negócios no Brasil, após a pandemia e a instabilidade política que o País enfrentou recentemente?

O País está acostumado a conviver com as incertezas, eu diria que o Brasil até teve uma transição um pouco mais suave do que outros países desenvolvidos justamente por nossa resiliência. O cenário hoje é de incerteza, devido ao fator global com conflitos geopolíticos relevantes que afetam os negócios e a humanidade. Depois da pandemia, veio a guerra da Ucrânia, em seguida a guerra no Oriente Médio. Isso afeta a confiança para se investir, afeta o custo, os insumos, as matérias-primas.

Percebemos o movimento global de desglobalização buscando internalizar o máximo possível para reduzir a dependência, pois vimos o Brasil sofrer com falta ou risco de falta de alguns insumos para o agrobusiness por causa da guerra na Ucrânia. Então, a tendência é que haja cada vez mais instabilidade e isso afeta a confiança para investimentos e obviamente afeta as economias emergentes, os países em desenvolvimento como o Brasil. O fato é que estamos tendo uma certa dificuldade, no mercado, de atrair novos investimentos por causa dessa instabilidade global e local. Mas o Brasil tem um potencial muito grande com fundamentos postos, depende muito mais da habilidade política de articular entre os agentes da macroeconomia. O País tem uma governança sólida do ponto de vista da democracia. Os poderes, apesar de todo debate, ainda estão funcionando de uma maneira independente. O empresariado local tem vontade de investir, só precisa daquele empurrão para ter mais segurança em relação à estabilidade fiscal, ao compromisso do governo em manter o equilíbrio das suas contas, em relação à taxa de juros, que hoje é impeditiva, mas com a sinalização de baixa.

Então, o cenário hoje é mais positivo do que o fechamento do ano passado, mas ainda é de muita incerteza, ninguém está abrindo o bolso para colocar investimento cegamente sem nenhum tipo de preocupação, ainda há um cenário de cautela nos investidores.

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