Os ventos que sopram os Lençóis Maranhenses trazem consigo a sensação de paz, mansidão e tranquilidade, como nas fotos. Mas como diz Gil, tudo agora mesmo pode estar por um segundo.
À noite, logo no primeiro dia de viagem, quando já terminávamos nossa sobremesa de cupuaçu em um dos restaurantes de Atins, depois de assistirmos a um lindo pôr-do-sol em uma das dunas do parque, ouve-se um tiro vindo da calçada, em frente à casa vizinha. Os clientes sentados na área externa do restaurante, olhos esbugalhados, correram desesperadamente para a parte interna, onde estávamos. Assustados, corremos cozinha adentro para nos protegermos, enquanto outros se abrigaram embaixo das mesas ou no banheiro, como foi o caso de Marcela, que desesperou- se ao perceber que Ricardo, seu marido, com ela não estava, e tentou sair para procurá-lo.
Fernando, que também havia entrado no banheiro com sua esposa, Renata, tentou impedir Marcela de sair, tendo escorregado e metido a quengo na privada, lá ficando desacordado, aos gritos da Renata: “de novo não, de novo não”. Ricardo, esposo da Marcela, já conosco nos fundos, estava preocupado não com os tiros, mas com o moído que dela teria que ouvir ante seu abandono matrimonial. Era bala para tudo quanto é lado.
Em meio à confusão, e num espaço apertado para ser palco de um cu-de-boi desses, Milena queria voltar à cena do crime para achar as havaianas que dos seus pés caíram durante o corre-corre. “Legítimas, só elas”, dizia, enquanto eu lhe lembrava, “Milena, tu já tem problema demais”. Carlão que conseguiu esconder seus 1,85m em um beco ínfimo atrás da porta, não largou sua caipirosca em momento algum evidenciando suas prioridades, enquanto os gritos de Raquel, sua amada, sobressaiam na confusão: “Cadê meu marido?”.
Luís, o maratonista, aproveitou seus dotes e está correndo até agora, enquanto Paula, sua mulher, conseguiu se esconder estrategicamente numa respeitável loja de vinhos na rua de trás. No meio da confusão eu só pensava em retornar à mesa onde o restinho do sorvete de cupuaçu derretia igual ao gelo que aliviava o galo na cabeça do pobre Fernando, aquele corpo atordoado ainda estendido no chão.
A tranquilidade dos Lençóis, pensamos, foi interrompida por esse episódio isolado, certo? Errado! Na noite seguinte fomos jantar à luz de velas em plenas dunas do parque, no meio do nada. O guia que nos transportava numa caminhonete 4×4 se perdeu, nos fazendo rodar em círculos na escuridão. De tão nervosos, ficamos mudos, inclusive o próprio guia que nenhuma explicação dava. Enquanto minha mente traumatizada e pessimista fazia uma correlação com o tiroteio do dia anterior, finalmente encontramos a lagoa e rezamos embaixo de um céu lindo de estrelas que estávamos a contemplar. Pedimos ao Senhor que abençoasse o restinho da nossa viagem.
No dia seguinte, enquanto velejava com sua prancha de kitesurf, Ricardo invadiu a área de uma competição na qual não estava inscrito, arrancando vaias e palavrões dos locais que queriam matá-lo, ficando para sempre conhecido em Atins como Haole. Então pensamos: os perrengues acabam por aqui, não é, Pai? Mas, assim como nossos celulares, acreditamos que Deus estava sem wi-fi, só pode! Não estávamos conseguindo conexão com Ele. No dia seguinte, Haole quase se afogava enrolado na pipa, sendo salvo por Marcela, sua incansável esposa. Mesmo abandonada no tiroteio do dia anterior, resolveu se jogar nas águas em busca do seu amado, salvando-o. E, por causa disso, tome mais “muído”.
Terminado esse passeio tranquilo pela paradisíaca Atins, retornamos a São Luís, a capital, para jantarmos. Entre mortos e feridos, todos pareciam estar a salvo, confere? Calma aí! Terminou ainda não. Na mesa ao lado, duas mulheres resolveram brigar, tendo uma cortado metade da orelha da outra com um copo de vidro. Estávamos tão pertos da confusão que até agora estou sem saber se aquela coisa borrachuda que eu mastigava era mesmo o polvo a lagareiro que eu havia pedido.
Para quem gosta de destino de aventura, recomendo os Lençóis. Inesquecível!
(Foto de abertura de Danielle Pereira)