Sísifo veste farda: a escala 6x1 como o castigo do trabalhador atual
João Galamba* Imagine acordar todos os dias, de segunda a sábado, repetindo uma jornada exaustiva que consome corpo, mente e alma. Ao final da semana, um único dia é concedido como “descanso”, onde o trabalhador não repousa, ele apenas se prepara para sobreviver à semana seguinte. Agora, imagine que isso se repete indefinidamente, como um ciclo sem fim. Assim vive o trabalhador submetido à escala 6x1. Quem vive sob essa lógica sabe: o domingo não é repouso, é manutenção. Lava-se a roupa, compra-se comida, arruma-se a casa, visita-se a família. Prepara-se o corpo para mais seis dias. E quando o corpo não responde, é culpa do cansaço? Não do sistema! No mito grego, Sísifo foi condenado pelos deuses a empurrar uma pedra até o topo da montanha, apenas para vê-la rolar de volta, num ciclo eterno, sem propósito ou recompensa. O esforço contínuo que não leva a lugar algum. Hoje, milhões de trabalhadores brasileiros vivem uma versão moderna desse castigo, disfarçada de legalidade: a jornada 6x1. No Brasil, Sísifo veste uniforme e bate ponto. Sua pedra é o turno de trabalho. Seu castigo é a repetição constante, sua liberdade é ficção. A cada semana vencida, não há vitória: há apenas o reinício do ciclo. A pedra rola de novo. O trabalhador acredita que está descansando, mas está apenas se preparando para recomeçar. Ele acorda cedo, enfrenta transporte precário, jornadas intensas e metas inalcançáveis. Quando finalmente chega o domingo, ele não vive: sobrevive. Tal como Sísifo, que via sua pedra rolar sempre de volta, o trabalhador vê a semana reiniciar, ainda mais pesada. E o mais perverso: acredita que isso é normal. Afinal, “sempre foi assim”. Mas naturalizar o excesso é aceitar a desumanização. É urgente discutir a redefinição da jornada de trabalho. Reduzir o tempo de labuta, garantir folgas reais e combater abusos que transformam o descanso em ficção. O trabalho não pode ocupar todos os espaços da vida. Se o tempo de viver se resume ao tempo de produzir, então não há liberdade e sim uma condenação. Sísifo não teve escolha. Mas o trabalhador tem. É hora de parar de empurrar a pedra. Repensar a escala 6x1 não é apenas uma questão de legislação. É uma questão de humanidade. *João Galamba é advogado especialista em direito do trabalho e sócio do escritório Galamba & Félix
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