Na semana do 8 de Março, conversamos com Glauce Medeiros sobre violência de gênero, políticas públicas e sobre a sua gestão na Secretaria da Mulher da Prefeitura do Recife. Socióloga, com mestrado em Extensão Rural e Desenvolvimento Local, ela tem uma trajetória acadêmica e profissional dedicada à luta por igualdade social e de gênero.
A violência contra a mulher, que é um dos principais temas de todas as estruturas públicas voltadas para a população feminina, aumentou com o confinamento? O que já se sabe sobre esse fenômeno?
O estudo Violência Doméstica Durante a Pandemia de Covid-19 feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontou aumento de 22% dos casos de feminicídio no Brasil só nos dois primeiros meses de pandemia, ao passo que as denúncias de casos de violência contra a mulher nas delegacias diminuíram. A subnotificação da violência contra a mulher aumenta em períodos de isolamento.
É preciso ficar em casa para salvar vidas, mas mantemos nossos serviços para que as mulheres tenham o apoio necessário quando estiverem em situação de violência. O confinamento aumentou a vulnerabilidade das mulheres ante os seus agressores. A necessidade de isolamento fez com que as mulheres vítimas de violência passassem a ter convívio exclusivo com os agressores, e as manteve afastadas do convívio com familiares e amigos, e sob vigilância do agressor, o que diminuiu as possibilidades de denunciar e de pedir ajuda. Desse modo, a subnotificação aumenta ainda mais. No início da pandemia, a Prefeitura do Recife disponibilizou o serviço de orientação por Whatsapp 24h, e garantiu o atendimento presencial e pelo Liga Mulher das 8 às 18h. Realizamos também a campanha Ficar em casa não é ficar calada, com vídeos e cards para a internet e cartazes distribuídos em postos de saúde supermercados e farmácias.
Os casos de violência doméstica atingem mulheres de todas as classes sociais ou existe alguma classe que sofre mais este tipo de agressão?
A violência contra a mulher não tem classe social, mas a autonomia financeira impacta diretamente nas condições concretas para que as mulheres saiam do ciclo violência. Desta forma, infelizmente, as mulheres negras, que estão na base da pirâmide social, são maioria entre as que perdem suas vidas em decorrência dos feminicídios. De acordo com os dados do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, 73% das mulheres que morrem pela condição de gênero são mulheres negras.
Qual tem sido a principal agenda da Secretaria da Mulher neste período de plena pandemia?
Neste período de pandemia, a Secretaria da Mulher tem centrado esforços na prevenção e no enfrentamento da violência contra a mulher por meio da ampliação dos nossos serviços de atendimento e acolhimento. Os atendimentos feitos pelo Centro de Referência Clarice Lispector, de orientação jurídica, acompanhamento psicológico e social para mulheres vítimas de violência doméstica e sexista, passaram a ser realizados também nas unidades do Compaz. No dia 8 de março, o prefeito João Campos anunciou a autorização para ampliarmos o horário de atendimento presencial do Clarice Lispector para 24 horas. A rede municipal de proteção das mulheres em situação de violência conta ainda com a Brigada Maria da Penha, uma parceria da Secretaria da Mulher e da Secretaria de Segurança Urbana, e com o Centro de Atendimento às Mulheres Vítimas de Violência Sony Santos, o centro fica dentro do Hospital da Mulher do Recife e é coordenado pela Secretaria de Saúde.
A Prefeitura do Recife é a primeira capital do País que instituiu uma paridade de gênero nas suas secretarias, com 50% dos postos ocupados por mulheres. Em que essa decisão influencia no trabalho da gestão municipal?
Essa medida traz um simbolismo muito grande, mas é também uma política efetiva na construção da igualdade gênero. Esse gesto indica o compromisso da gestão com a promoção da igualdade de direitos e oportunidades entre mulheres e homens. E garantir a paridade de gênero no secretariado significa que a tomada das decisões que impactam o dia a dia das mulheres vai ser pensada por quem também vivencia as consequências de viermos em uma sociedade que oprime as mulheres. As políticas públicas para mulheres têm muito forte a característica da transversalidade, então ter mulheres nas diferentes áreas de atuação fortalece a formulação e execução de políticas específicas para esse público em todas as áreas.
Ter mais mulheres em cargos de poder contribui para termos uma sociedade que trate as mulheres com mais respeito?
Sim. A disparidade de representação entre mulheres e homens nos cargos de poder é fruto de um conjunto de desigualdades historicamente construídas e socialmente naturalizadas, que relegaram às mulheres ao espaço privado e às funções domésticas e de cuidado. Quebrar essa barreira e ascender aos postos de comando é romper também com o padrão de pensamento e comportamento que estrutura não só essa, como outras opressões. É uma reação em cadeia, em que a conquista de um direito pavimenta o caminho em direção à equidade.
A senhora está ainda nos primeiros meses à frente da Secretaria da Mulher. Quais marcas ou legados a senhora gostaria de deixar até o final desse mandato?
Assumir a pasta da Secretaria da Mulher é um grande desafio, o cotidiano de trabalho é muito intenso, mas só é possível realizá-lo, em razão de uma equipe totalmente comprometida e uma gestão integrada. As políticas para mulheres só têm robustez se desenvolvidas de forma transversal, e hoje tenho a felicidade de fazer parte de uma gestão que enfrenta as desigualdades de gênero de forma efetiva, garantido a paridade de gênero nos cargos de lideranças. Esse é um legado histórico, uma importante marca da gestão do prefeito João Campos. Enquanto secretaria, queremos servir cada vez mais e melhor a nossa população, contribuir com políticas públicas estruturadoras para as mulheres, promovendo a autonomia financeira e gerando oportunidades, realizar ações de prevenção da violência doméstica e sexista, sempre garantido serviços de qualidade nos equipamentos de atendimento às mulheres em situação de violência. Tudo isso dialogando com os vários setores da sociedade.
A senhora tem trabalhado no movimento de mulheres há alguns anos, tanto na presidência da União Brasileira de Mulheres ou mesmo nas pesquisas acadêmicas. Algum motivo especial a levou a abraçar essa pauta?
Observando a vida compreendi, bem cedo, que havia desigualdades entre as pessoas. Meu pai era sindicalista, na juventude atuei no movimento estudantil. Minha militância foi construída considerando sempre a interseccionalidade entre as questões de raça, classe e gênero. No movimento de mulheres aprendi muito sobre a nossa luta histórica e isso me levou a atuar dentro da academia pesquisando sobre a participação das mulheres na política e na educação. Estamos sempre em construção, e pra mim a defesa dos direitos das mulheres e a luta por igualdade são um farol que guia minha vida pessoal, profissional, acadêmica e política. Considero que devemos ter sempre uma mulher a mais nos espaços de poder, com autonomia financeira, empoderada e fora do ciclo de violência.
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*Por Rafael Dantas, repóter da Revista Algomais. Ele assina no Algomais.com as colunas Gente & Negócios e Pernambuco Antigamente (rafael@algomais.com)