"Estamos sofrendo um desmonte de políticas culturais muito radical"
Numa entrevista no Restaurante Bragantino, no Mercado da Encruzilhada, o secretário de Cultura de Pernambuco Gilberto Freyre Neto conversou com os jornalistas Cláudia Santos e Rafael Dantas sobre sua atuação no setor público e planos para o próximo ano. Ele comentou ainda como foi sua relação como neto do sociólogo Gilberto Freyre e tratou do potencial de exploração cultural da cachaça e dos mercados públicos, duas de suas paixões. Em primeiro lugar, porque você escolheu que a entrevista fosse feita no Mercado da Encruzilhada e qual a sua relação com os mercados públicos? Primeiro, gosto muito de bolinho de bacalhau. Segundo, gosto muito de cachaça. Esse ambiente é o primeiro teatro, é o primeiro cinema, é o primeiro tudo da produção cultural do mundo. Para a cultura, o mercado tem um simbolismo muito forte. Esse é um dos primeiros equipamentos culturais que a gente tem e Pernambuco tem uma riqueza muito grande de mercados. Não sou um gerente de nenhum, não está na minha pasta, mas a gente precisa reconhecer o papel desses espaços como composição da nossa identidade. Estamos aqui tomando uma cachaça, comendo bolinho de bacalhau. Iguarias estrangeiras que aqui chegaram e se transformaram em produtos brasileiros. Como é ser secretário de cultura em Pernambuco no período em que o País é presidido por Jair Bolsonaro, que tem um desalinhamento político com o Estado? Nunca achei que a cultura fosse algo de responsabilidade única do Estado. De certa maneira eu tenho um viés liberal, ao mesmo tempo, entendo que o Brasil é uma federação. Cada estado pode e deve ter sua própria política alinhada com planos outros, que podem ser federais ou, no nosso caso específico, também com os municípios. Acho que tudo isso faz parte do universo republicano. Ao mesmo tempo, faço uma autocrítica: a nossa República nunca deixou de ter um imperador. Somos muitos centralistas, sempre fomos extremamente dependente de uma política do plano nacional. Mas o que está acontecendo hoje é o ultraliberalismo no Brasil. Da noite para o dia se desligou uma chave e se ligou outra. Estamos sofrendo um momento de desmonte de políticas de forma muito radical. Isso eleva a responsabilidade dos estados em todas as frentes, não apenas na cultura. No caso específico da cultura tem sido bastante danoso, porque há políticas de salvaguarda que estão em xeque. Os estados que têm a riqueza e a dimensão da atividade cultural como a nossa sofrem um impacto muito forte dessa desestruturação. Quais são os problemas que mais lhe preocupam neste momento? Alguns programas alimentam a capilaridade da cultura pernambucana e nordestina. O desligamento dos motores que vinham do plano federal quebra essa alimentação e isso gera uma superdependência no plano estadual. Mas existe uma limitação muito forte do Estado em absorver, da noite para o dia, o apoio à gama de manifestações em atividade, uma energia que só existia porque o plano federal atuava de forma muito objetiva. Então, isso desestrutura a dinâmica que foi construída nos últimos 20 anos. É algo que assusta bastante o poder público porque no fundo, estamos falando de uma camada da população que não vive da cultura, ela sobrevive da cultura. A ausência de uma política de proteção vai quebrar esse pilar que é basilar para a identidade do povo nordestino e de Pernambuco. No novo contexto passamos a ser protagonistas da esperança da manutenção dessas estruturas sociais que têm uma dependência forte do papel do Estado. Mas eu vejo que isso precisa ser equilibrado. Não acho que o Estado tem que ser a única ferramenta, a sociedade civil precisa participar. Estou falando de todo pernambucano, de todo nordestino. Nós precisamos ter uma política de consumo da nossa cultura. Tudo nosso é de graça porque o Estado paga. Esse é um cenário em que nenhuma indústria cultural é sustentável. O desmonte do cinema é um campo que tem preocupado mais a Secretaria de Cultura? Temos visto muita ação sua nessa área. O cinema talvez seja, entre as camadas das indústrias culturais, aquela mais bem estruturada em Pernambuco. A estruturação dessa cadeia, no caso específico, gera muito valor. Temos filmes sendo produzidos diariamente. Alguns com repercussão internacional, outros realizados em coprodução com diversos parceiros de outros países. Mas é uma cadeia que depende diretamente de recursos do Fundo Setorial do Audiovisual, e de recursos do Fundo de Incentivo à Cultura de Pernambuco. A ausência de uma política no plano federal, mais uma vez, transfere uma escala gigante de dependência para o plano estadual. Pernambuco é um dos estados que certamente vai ter um grande sofrimento pela ausência de uma política nacional estruturada. Já existe hoje um impacto pela não liberação de recursos do Fundo Setorial do Audiovisual. Isso é um problema que precisa ser atacado. Há uma grande discussão na Ancine, que esperamos que se resolva em breve para que volte a ter uma atuação dinâmica e qualificada para que essa cadeia de valor não se perca, porque ela migra com muita facilidade. Os técnicos que trabalham no audiovisual precisam ter uma atividade econômica constante para permanecer naquele território. Eles são bastante qualificados e podem migrar com suas habilidades, com os seus saberes, para outros campos ou para outros territórios. Isso seria uma grande perda para Pernambuco também na geração de empregos. Eu posso fazer uma comparação. Acabamos de participar da inauguração de uma fábrica de medicamentos extremamete refinada aqui, custou mais de R$ 600 milhões e que vai empregar 180 profissionais, porque o nível de requisito técnico na operação dela diminui a necessidade de mão de obra. No cinema é exatamente o contrário. Bacurau, filme de Kléber Mendonça, empregou mil pessoas. É uma dinâmica de uso extensivo de mão de obra das diversas camadas técnicas e nos diversos ciclos de produção do audiovisual. Tanto dos habitantes de determinada cidade, convidados incidentalmente para alguma atividade, até o técnico de ponta que vai trabalhar no refinamento de som em um laboratório no exterior ou no nosso Porto Digital, no Portomídia. Você fala bastante da paradiplomacia (política de
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