Com ou sem tatuagem no trabalho?
Uma recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) ganhou destaque nas redes sociais e jogou luz sobre uma antiga discussão: tatuagem pode ser um eliminador na hora de assumir um emprego público? Por maioria, em outubro, a Corte decidiu que o tema merece ser analisado, e, por enquanto, aguarda votação. O debate envolve, no entanto, não apenas o mundo dos concursos, mas abrange o mercado de trabalho como um todo. Afinal, o desenho corporal pode desclassificar um candidato para uma vaga de emprego? Segundo a sócia da ÁgilisRH e da TGI Consultoria, Eline Nascimento, não do ponto de vista legal. A tatuagem não deve ser o foco. “Os indicativos devem ser o desempenho, as habilidades, a atitude frente ao ambiente de trabalho e o cuidado que o candidato tem com a sua apresentação.” O adorno, entretanto, ainda sofre resistência em locais mais tradicionais, como escritórios de advocacia e entidades médicas. É preciso, então, que o profissional tome alguns cuidados. Fazer tatuagens em locais discretos, Enquanto o STF não decide a questão, especialistas orientam profissionais recursos humanos além de utilizar roupas e adereços para cobri-las são alguns deles. Apesar de a escola particular onde trabalha permitir o uso das pinturas, a professora de biologia, Taynara Araújo, 24 anos, prefere esconde-las com anéis, pulseiras e camisas de manga. “Eu evito mostrar, porque sei que há pais que ainda não aceitam muito bem. Tem gente que não entende que a tatuagem não influencia em nada. Muitas pessoas nem imaginam que tenho tantas e quando me encontram em outros lugares, até se surpreendem”, revela. Taynara sabe também que o adorno pode dificultar na hora da contratação. “Minha tia trabalha em um colégio mais tradicional. Recentemente fui enviar um currículo para essa instituição e ela me disse que se eu fosse chamada, teria que ir cobrindo todas as tatuagens, porque lá eles não aceitam de jeito nenhum”, conta. Aliás, algumas dicas podem ser seguidas para uma entrevista de emprego. “A nossa recomendação é que não deixe a tatuagem exposta, que tire o piercing, além de perguntar ao entrevistador se há algum problema da empresa com relação a essa questão”, aconselha Eline. Como se pode notar, mesmo que o preconceito com a pintura tenha diminuído em relação a décadas passadas, a rejeição ainda existe. Isso se deve ao estilo de vida de um povo. Presente na história da humanidade, a tatuagem recebeu valores diferentes ao longo do tempo. No Antigo Egito, por exemplo, os cidadãos já ostentavam os adornos na pele. Aceito por algumas sociedades, a pintura foi, associada a pessoas marginalizadas, por outras. “Há países em que tatuagens estão relacionadas a um padrão de beleza. Então, cada cultura vai ter uma forma diferente de ver a estética”, avalia Eline. O mesmo ocorre quando se leva em consideração o ambiente de trabalho. De acordo com a consultora, é preciso avaliar os valores da empresa no momento em que se escolhe se candidatar. “Apresentação pessoal pode ter uma interferência para aquele segmento de trabalho. Essa é uma questão que passa pela história, pela cultura e pelo produto que uma empresa vende. Afinal, a imagem do profissional, também é a imagem do serviço que ela oferece.” Então, se para alguns exibir as tatuagens não é aconselhável, para outros pode ser um diferencial. É o que nota a jornalista Rebeca Tavares, 29 anos. Dona de uma agência, ela acredita que o desenho gravado no corpo em determinadas situações pode colaborar. “Eu trabalho com a cena cultural e a tatuagem não é um problema, na verdade, ela até ajuda, porque você fica com um ar mais descolado”, acredita. As duas tatuagens que possui ficam em locais mais discretos. Uma na costela e outra no cóccix. Na época, a escolha da localização levou em consideração o futuro profissional ainda incerto. “Acho que o preconceito contra a tatuagem é algo que ficou no passado. A última que fiz tem 7 anos. Acho que se tivesse sido há uns 2 anos, teria sido em um local mais visível.” Tanto que Rebeca já marcou as próximas sessões para uma nova tatuagem, agora, no braço. Independente do ambiente de trabalho, algo é certo: um candidato não pode ser excluído de um processo seletivo ou demitido por ter uma tatuagem.“Uma empresa que, por exemplo, restrinja tatuados ou um funcionário que se tatuou posteriormente, nessa situação, sim, cabe uma ação posterior por danos morais, tendo em vista que pode ser considerado preconceito”, esclarece o advogado Cristiano Lopes. O advogado, que também é professor do cursinho espaço Heber Vieira, é contrário à restrição de tatuagens existente nos editais de certos concursos, como por exemplo, para polícia. “O candidato faz o concurso, passa por todas as etapas de formação e depois faz uma tatuagem. Então, existe certa hipocrisia.” Para ele, a proibição vai de encontro aos direitos constitucionais. “Isso fere, inclusive, o conceito da dignidade da pessoa humana. A própria Constituição estabelece que não possa haver distinção em razão do sexo, da idade, da cor, da raça, das preferências sexuais ou qualquer outra forma de discriminação.” Enquanto o STF não toma sua decisão, um conselho é bem-vindo: “Se você não se sente seguro, não faça, embora, isso não deve ser requisito para se ingressar na carreira pública”, coloca Cristiano. Ele inclusive tem várias tatuagens espalhadas pelo corpo e acredita que elas não interferem em sua vida profissional. “Nas ações não é que eu esconda, mas como eu estou de mangas compridas elas realmente não aparecem. Já em aulas, quando eu vou com camisas de manga curta, eu não sinto nenhum tipo de constrangimento. Embora, perceba que ainda há preconceito.” Eline, por sua vez, observa que esse cenário vem mudando e cada vez mais a tatuagem é aceita. “As pessoas têm se posicionado mais e discutido mais essas questões abertamente hoje.” (Por Camila Moura)
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