Oscar Wilde sonhava com o dia em que as máquinas fizessem todo trabalho braçal realizado pelos humanos. Estamos muito perto disso, segundo Silvio Meira, um dos idealizadores do Porto Digital e professor extraordinário da Cesar School. Hoje colheitadeiras e caminhões autônomos já cortam a cana-de-açúcar e a transportam para a moenda sem a presença de trabalhadores. Mas, a tecnologia não foi capaz de liberar todos os homens para o desenvolvimento intelectual, como torcia o escritor irlandês. Nesta entrevista a Cláudia Santos e Rafael Dantas, Meira prevê um aumento do desemprego ainda maior no País, caso não haja políticas e estratégias para inserirem o País entre as nações “provedoras de soluções para o mundo”. Ele também defende uma mudança profunda no sistema educacional do País. Analistas dizem que após a retomada da economia, grande parte dos desempregados não será absorvida pelo mercado. Você concorda? Sim e acho que a situação vai piorar muito por falta de estratégia, de visão de mundo e de políticas públicas. Temos um grande desafio histórico e contínuo que é a transformação do trabalho. O trabalho se transforma o tempo todo, se não fosse assim, estaríamos todos no campo. A agricultura aconteceu nos últimos 15 mil anos. Nos EUA, em 1850, havia 60% da força de trabalho atuando no campo. Em 2015, este percentual é de 3%, mas ao mesmo tempo, foram criados empregos nos setores de educação, serviços, de governo, financeiro, saúde e varejo. Nos anos 60 e 70, as fábricas contratavam grande volume do capital humano, que agora foi reduzido. Primeiro porque foram introduzidos novos parâmetros de qualidade do trabalho. Se você analisar uma fábrica de automóvel nos anos 50 ou 60, verá um esquadrão de pessoas dentro de cabines de pintura que eram quentes, com poluentes agressivos que encurtavam a vida de quem trabalhava nelas. À medida em que houve a automatização das fábricas, as pessoas foram retiradas dessas posições, que eram trabalhos repetitivos ou insalubres ou os dois, ou eram atividades nas quais humanos não conseguiam fazer com o mesmo grau de precisão repetidamente durante muito tempo. Esse processo de introdução de tecnologias da informação e comunicação e controle na sociedade vem acontecendo desde a década de 50 e chegou agora a um patamar de performance em que se tornou prático, econômico e viável, basicamente qualquer pessoa montar um negócio eletrônico em quase qualquer setor da economia. Qual a consequência disso? O trabalho que você estava fazendo ou será feito de uma forma radicalmente diferente ou vai ser feito num outro lugar, ou vai ser executado por um sistema de informação. A McKinsey (consultoria empresarial americana) fez uma estimativa que aponta que o Brasil terá uma força de trabalho, em 2030, de 110 milhões de pessoas. Temos uma taxa de desemprego da ordem de 15% hoje. A estimativa é que 14% da força de trabalho do Brasil vai ser deslocada (isto é desempregada) nos próximos 15 anos, ou seja, além dos 15% que estão procurando emprego, outros 14% terão o seu trabalho deslocado. Situação pior enfrentam países sofisticados economicamente. A Alemanha terá 25% da força de trabalho deslocada, porque eles investem mais rapidamente, têm uma indústria globalmente mais competitiva que precisa continuar competitiva. Na China, que terá 17% da força de trabalho deslocada, as prefeituras de cidades industriais estão investindo na robotização das fábricas para continuarem competitivas globalmente e os empregos mais sofisticados ficarem naquela cidade. O que você precisa proteger não é o trabalho nem o emprego, são as pessoas e elas só podem ser protegidas com educação. As escolas estão preparadas para formar profissionais para essa realidade? Não. O que as escolas do mundo fizeram até agora: sistematizaram o conhecimento do passado, prepararam esse conhecimento dentro de pacotes estruturados e entregaram para uma performance no presente, mas deveria ter uma certa continuidade para o futuro. Como vivemos no espaço de aceleração da evolução do conhecimento e sua aplicação na sociedade, as escolas têm que parar de fazer esse processo de codificar o passado. Precisam extrair do passado quais são as leis fundamentais para determinadas classes de trabalho ou de competências ou de performances que você quer no mercado e preparar as pessoas em função dessas leis ou das estruturas fundamentais de conhecimento de certas áreas para as pessoas continuarem aprendendo. Não existe mais o “me formei”, você tem que sair no último grau de aprendizado do qual você esteve com a cabeça de aprendiz. O futuro não é pra quem tem conhecimento, é pra quem tem capacidade de aprender. Se pegar a simples capacidade de saber coisas, ela está 100% disponível na internet. As pessoas têm que ter base para aprender continuamente. Isso significa: saber a língua do país e matemática (que inclui programação). É necessário capturar a expressão do mundo e entendê-la, perceber o mundo de uma maneira sofisticada, isso é línguas e os contexto linguístico na história, na geografia, na sociologia, na política e assim por diante. É preciso saber modelar o mundo, isso é matemática, e programar o mundo, isso é computação. São condições para fazer qualquer coisa em qualquer área. Se você quiser ser um profissional um pouco além do seu local, deve saber também inglês. Como os governos estão se preparando para esse desemprego futuro? Em países como Japão, Alemanha, Suíça, Singapura, Suécia, Coreia, a regeneração da máquina econômica funciona numa outra velocidade porque eles se interpretam como provedores de soluções para o mundo. Isso faz com que as novas indústrias demandem da máquina pública um conjunto de ações derivadas de políticas e de estratégias que vão prover esses caras com esse novo trabalhador. Ao invés de terem um montador de máquina, terão um programador de robô. O Brasil tem um megaproblema: possui pouquíssimas empresas que competem globalmente e todas as empresas globais competem dentro do espaço econômico brasileiro que é grande: um mercado 220 milhões de consumidores. O impacto disso é que pouquíssimas empresas brasileiras precisam de inovação e criatividade feita no Brasil, porque não competem globalmente, e quase nenhuma empresa global que compete