Parque Nacional da Abolição, situado no local onde Joaquim Nabuco passou parte da infância, no Cabo de Santo Agostinho, equipamento cultural foi incluído no estatuto da Fundaj, passou por reparos estruturais e será reaberto no dia 19 de agosto com lançamento de livro e de mostras Após dois meses fechado para reparos estruturais, o Parque Nacional da Abolição, localizado no Engenho Massangana, no Cabo de Santo Agostinho, volta a receber o público no próximo dia 19 de agosto, quando se completam 173 anos do nascimento de Joaquim Nabuco. A ocasião, porém, é mais do que um retorno normal às atividades. O equipamento cultural vinculado ao Museu do Homem do Nordeste foi incorporado ao estatuto da Fundação Joaquim Nabuco. Reabrirá a partir das 10h, com cerimônia de lançamento de livro e inauguração de duas exposições. Como explica o diretor de Memória, Educação, Cultura e Arte da Fundaj, Mario Helio, a incorporação do Engenho Massangana ao estatuto e, posteriormente, ao regimento interno da Fundação ratifica o vínculo do espaço com a instituição, responsável pela ocupação e uso do local desde o tombamento. A medida visa reforçar o caráter museológico do Parque Nacional com sinalização já na placa de entrada. Trata-se, observa o diretor, de uma nova fase para o equipamento cultural, onde as pessoas escravizadas serão protagonistas da história, não os senhores de engenho. Reafirmando o valor do Engenho Massangana como elemento fundamental para a formação de Joaquim Nabuco -, o abolicionista morou no local até os oito anos de idade-, as mostras Masanganu: memórias negras e Jeff Alan: pra deixar de ser pra inglês ver enfatizarão o legado da cultura afro-brasileira. O princípio dessas mostras norteará as futuras ações realizadas no espaço a partir do diálogo com as comunidades do entorno, entre elas as de Massangana e Engenho Serraria, além de associações de escritores, músicos e demais pessoas da sociedade, construindo assim uma pauta cultural conjunta. Na cerimônia de abertura o diretor Mario Helio fará o lançamento da versão digital do livro “Camões e os Lusíadas”, ensaio publicado por Joaquim Nabuco em 1872 e reeditado neste ano pela Editora Massangana, da Fundaj. O lançamento do livro será divulgado pelos instagrans do Engenho Massangana (@engenho.massangana) e da Editora Bem-te-vi (@editorabemtevi), da família Nabuco. Essa obra de Nabuco traça a biografia do poeta português até a concepção da sua renomada epopeia que, naquele ano, completava três séculos. Esta reedição, marca os 450 anos de publicação de “Os Lusíadas”, poema épico inserido no hall das obras mais importantes da literatura de língua portuguesa. ExposiçõesTrazendo já no título a palavra de origem africana que originou o nome do Engenho e do rio que passa por ele, a exposição “Masanganu: memórias negras” promove um diálogo entre documentos históricos relacionados à vida dos escravizados da propriedade onde Nabuco cresceu e obras artísticas de importantes vozes pretas do país. O projeto tem como proposta um uso decolonial tão complexo na história das populações marginalizadas no Brasil. A mostra exibirá, nas três salas da casa-grande do Engenho, material oriundo do acervo da Fundaj e do Museu da Abolição, com curadoria de Victor Carvalho e Henrique de Vasconcelos Cruz, além de trabalhos produzidos por artistas como Zózimo Bulbul, principal referência do cinema negro brasileiro; Marcelo D’Salete, um dos maiores nomes da literatura em quadrinhos do país; e Gê Viana, artista plástica maranhense que produz peças com colagens e arquivos sob uma perspectiva decolonial. Entre os documentos históricos que farão parte da exposição, estão uma carta da madrinha de Nabuco, Ana Rosa Falcão, relatando a companhia de uma criança escravizada, Marcos, para a ida do pequeno Joaquim ao Recife; e uma lista de escravizados do engenho obtida a partir de um inventário. Também há imagens e textos que retratam as amas de leite e mucamas, mulheres escravizadas que eram exploradas na própria casa-grande onde a mostra será realizada. “Temos essa perspectiva decolonial aplicada aos museus, tornando protagonista determinadas populações que eram invisibilizadas. No nosso caso, os escravizados, pretos e pretas que foram contemporâneos de Joaquim Nabuco e foram esquecidos”, explica um dos curadores, Henrique de Vasconcelos Cruz. Fazendo referência à expressão usada para descrever algo sem efetividade, cunhada no século 19 como sátira à promulgação da Lei Feijó, que proibia o tráfico de escravos, mas nunca saiu do papel, a mostra “Jeff Alan: pra deixar de ser ‘pra inglês ver’” busca explicitar a relação entre memória e reconhecimento da população negra. Para levantar a questão, serão exibidas 12 obras do artista visual pernambucano Jeff Alan, que retratam importantes nomes do abolicionismo e da cultura afro-brasileira, como André Rebouças, Luís Gama, José do Patrocínio, Machado de Assis e Carolina de Jesus. “Liberdade pressupõe dignidade. Buscamos com essa exibição reavivar a memória daqueles que lutaram por esses ideais”, afirma a antropóloga e chefe da Divisão do Engenho Massangana e de Estudos Museais do Museu do Homem do Nordeste, Ciema Mello. Daltônico, Jeff Alan extrai nas pinturas retratos tão densos que se tem a impressão de que, a qualquer momento, as faces vão se desprender da tela. “Projeto a obra no espaço da Massangana de forma vivaz, com o desejo de um futuro melhor para o meu povo”, ressalta o artista. O Engenho MassanganaDe origem que remonta ao século 16, o Engenho Massangana foi construído em uma área de floresta antes habitada por indígenas, assim como outros engenhos de açúcar erguidos na região, tendo como provável fundador Tristão de Mendonça, que recebeu as terras do então donatário da capitania de Pernambuco, Duarte Coelho. No clássico “Minha Formação”, Joaquim Nabuco dedica um capítulo ao engenho. Foi lá, ao observar a rotina e as condições de vida dos escravizados, que encontrou as bases para a construção dos ideais contra o regime escravocrata que vigorava desde o período colonial. Considerado “fogo-morto”, por não produzir mais açúcar, o engenho foi reconstituído em 1870, fornecendo insumos para a Usina Santo Inácio, que, depois, assumiu o controle da propriedade em razão de dívidas. Em 1972, o Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra) desapropriou o engenho, que foi restaurado e transformado em museu.