Como nos informamos na sociedade digital e na era da desinformação?
Na edição em que comemoramos os 18 anos da Algomais, discutimos alguns dos dilemas presentes e futuros do jornalismo *Por Rafael Dantas Temos mais acesso à informação do que em qualquer período na história. Ao mesmo tempo, os desafios da comunicação nunca foram tão presentes na sociedade, a ponto de ameaçar o debate público, com uma enxurrada de fake news. Em pouquíssimo tempo a prática de se informar predominante transitou do impresso ao digital, dos grandes canais às plataformas, das grades de programação da TV aberta ao streaming. Transições não só tecnológicas mas, que também, impulsionam mudanças sociais e econômicas, com impactos na sobrevivência da própria democracia e nas soluções para problemas centrais do planeta, até cada recanto do Estado. Quando a Algomais nasceu, em 2006, como uma revista local e impressa, não havia ainda Instagram nem WhatsApp. As redes sociais davam seus primeiros passos. Para se ter ideia, o Twitter nasceu também em março daquele ano, estávamos perto do auge do finado Orkut e nos primeiros anos do Facebook. Nada de streamings, nem de influencers. Ainda faltavam 10 anos para termos como pós-verdade e fake news ganharem os postos de palavras do ano em 2016 e 2017. Uma transição avassaladora no setor. Esperar o horário do noticiário da TV ou a chegada do furo de reportagem do jornal impresso pela manhã ficaram no passado que nem lembramos mais. Na sociedade online, conectada 24 horas por dia, as notícias e fake news saltam nas notificações ao longo do dia. Especialmente das grandes plataformas e redes sociais, sejam por aquelas que decidimos seguir ou via amigos da nossa imensa rede de conexões virtuais. Mas as transformações não param por aí. Flávio Moreira, editor- chefe do UOL e mestre em estratégias digitais para empresas de mídia, projeta que há uma grande transição no horizonte futuro, ao menos para o jornalismo. “A grande mudança no consumo de notícias é que estamos saindo da era das plataformas. Nas duas últimas décadas, vivemos um período em que os publishers tiveram sua distribuição de conteúdo impulsionada por redes sociais e mecanismos de busca. Agora, as plataformas diminuíram a prioridade para mostrar notícias e o consumo passa a ser por canais mais diretos, como newsletters e apps de mensagens. Sobrevive quem consegue construir marca e cria pontos de contato próprios para que o usuário consuma notícias sem passar por um intermediário”. “A grande mudança é que estamos saindo da era das plataformas. Elas diminuíram a prioridade para mostrar notícias e o consumo passa a ser por canais mais diretos, como newsletters e apps de mensagens.” (Flávio Moreira, editor do Uol) A relação tensa entre as grandes plataformas globais de circulação de mídias com a produção de jornalismo não é uma novidade. Essa virada, inclusive, é desafiante. No estudo mais recente do Reuters Institute for the Study of Journalism, o Digital News Report 2023, apenas 22% dos entrevistados declararam que seu consumo de notícias acontece diretamente em sites ou aplicativos de notícias. Um total de 30% disseram preferir acessar o noticiário por meio das redes sociais ou de pesquisas online. O estudo ouviu mais de 93 mil consumidores de notícias online do mundo. INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO RADAR Se a forma como consumimos e produzimos informação já deu alguns giros de 360 graus nos últimos anos, ainda temos pela frente novas cambalhotas com a popularização da inteligência artificial. Moreira considera que o impacto da IA no setor acontece em dois pontos principais. “O primeiro é na personalização do produto jornalístico. Conseguimos escala para entregar dados e informações noticiosas de acordo com o perfil do usuário e no formato que ele mais gosta de consumir”. A segunda mudança que ele destaca está nos mecanismos de busca. O jornalista conta que as inteligências artificiais usam o conteúdo de publishers para entregar respostas e conteúdos prontos, sem que haja a necessidade de o usuário clicar no link do site de notícias. “É um paradoxo, pois quebra-se um modelo de negócio no qual presumia-se um page view vindo do mecanismo de busca para justificar a permissão para que ele fosse usado no serviço. Se agora o Google vai mandar menos tráfego para sites de notícias, deixa de ser interessante que eles forneçam seus dados para aprendizado da IA ou até pode ser que muitos se tornem financeiramente inviáveis. Com menos sites de notícias produzindo jornalismo, com quem a IA vai aprender?”, questiona o editor do UOL. O engenheiro da computação, Rafael Toscano, que é doutorando em engenharia com foco em inteligência artificial aplicada, considera que a tecnologia tem potencialidades de facilitar a vida dos jornalistas, qualificar a experiência dos consumidores de notícias mas, também, guarda riscos relevantes. “Em se tratando de auxílio ao profissional jornalista, a IA traz grande potencial na automatização de diversas tarefas maçantes ou demoradas, como a coleta de dados, permitindo que jornalistas se concentrem em atividades do campo criativo e analítico. Algoritmos de IA, por exemplo, podem analisar grandes conjuntos de dados em poucos segundos, identificando padrões, tendências, etc. Possibilitando a geração de insights valiosos e oportunidades para reportagens interessantes num piscar de olhos”, afirmou o engenheiro. Pela ótica do consumidor de informações, Toscano considera que a IA surge como uma tecnologia assistiva (no sentido de prestar apoio, assistência) na curadoria de conteúdos relevantes, a partir dos interesses e preferências dos usuários. “Plataformas extremamente consolidadas como o Google News usam IA para personalizar e elevar a experiência do usuário, sugerindo artigos com base no histórico de navegação mas, principalmente, pela identificação de seu comportamento online. Ainda sob a ótica do consumo e a onda assistiva, as tecnologias de tradução automática, reconhecimento de voz e transcrição automática ampliam a inclusão e a diversidade no acesso à informação, democratizando a entrega e o consumo das informações”. Na escolha do conteúdo que chegará ao leitor, ouvinte ou usuário, a curadoria passa, nesse contexto, das mãos dos editores para os algoritmos. Quanto às ameaças que o avanço da IA pode impor à sociedade, o engenheiro destaca que todas as tecnologias associadas ao
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