Em uma entrevista exclusiva, Emanuel Leite Junior, pesquisador pernambucano vinculado à International College of Football na Tongji University (China), compartilha insights sobre o ambicioso Plano de Desenvolvimento do Futebol da China. Explorando os problemas identificados e as estratégias adotadas, o pesquisador destaca a crucial ligação entre o sucesso no campo esportivo e a visão chinesa de liderança global na indústria esportiva até 2035. Além disso, Leite discute possíveis parcerias entre o futebol chinês e os clubes pernambucanos, delineando caminhos para uma colaboração mutuamente benéfica. Em meio a reflexões sobre a crise no futebol pernambucano, o pesquisador oferece propostas estruturais e destaca a necessidade de uma gestão profissionalizada para impulsionar a revitalização do esporte na região. O pesquisador respondeu ao repórter Rafael Dantas questões relacionadas a possibilidade de instituição de SAFs nos clubes pernambucanos e sobre questões bem específicas do futebol pernambucano e chinês. Hoje falamos muito sobre a necessidade de profissionalização dos clubes. Na prática, o que é profissionalizar o futebol? Na viragem do século 21, à luz das rápidas mudanças tecnológicas e mediáticas, do impacto da influência regulamentar de organismos como a União Europeia, das forças da internacionalização e da globalização, e da prevalência de políticas econômicas e empresariais começou a permear um grande número de esportes. O futebol nos ajuda a caracterizar esta transição global como sendo composta por várias fases, desde o século 19 com a fundação e codificação do futebol moderno; passando pela sua estratificação e profissionalização ao longo do século 20; chegando à sua comercialização já nos anos 1990, aprofundando-se na virada do século. Essencialmente, uma viagem em que o futebol evoluiu de uma simples competição desportiva para se tornar uma competição desportiva situada num conjunto complexo de estruturas econômicas, sociais e políticas com enorme significado cultural e financeiro. Para muitas pessoas em todo o mundo, o futebol continua a ser uma celebração, um hobby, uma atividade de lazer e um rito de passagem; no entanto, o futebol é cada vez mais reconhecido como uma indústria em si, uma indústria que deve ser gerida de forma profissional. O futebol é o esporte mais rentável numa indústria que, considerando o entretenimento desportivo (que inclui ligas desportivas profissionais), produtos desportivos e organizações de apoio ao esporte, gerou 455,7 bilhões de euros em 2022 e deverá atingir receitas de 642,96 bilhões de euros até 2026. Nos primórdios do futebol moderno, quando se discutia a profissionalização do esporte, o que estava em questão era basicamente a divisão entre as pessoas que defendiam que o futebol deveria continuar a ser praticado apenas pelo prazer de jogar bola (afinal o amador é aquele que ama o que faz, não se importando com o dinheiro) e aquelas que percebiam a necessidade de se profissionalizar o jogo, para que os atletas fossem remunerados, além dos custos cada vez mais crescentes à medida em que o futebol se popularizava cada vez mais. Essa discussão foi travada na Inglaterra ainda nos fins do século 19 e no Brasil se intensificou nos anos 1920, com o reconhecimento oficial da profissionalização nos anos 1930. Tanto na Inglaterra como no Brasil havia, também, um inequívoco recorte de classes. O futebol moderno, como sabemos, foi codificado a partir de diversas práticas de jogar bola nas escolas das elites britânicas. Os primeiros clubes de futebol eram constituídos, essencialmente, pelas camadas privilegiadas da sociedade. Os amadoristas naquela altura não eram meros românticos do esporte, mas pessoas que defendiam a manutenção do seu status quo dominante no jogo. Ao passo que os profissionalistas argumentavam no sentido de se oficializar algo que gradativamente foi crescendo no esporte: o pagamento a atletas para jogarem futebol. Isso porque com o crescimento do futebol, foram surgindo novas competições, o que implicava uma maior frequência de partidas e, principalmente, a necessidade de atração de futebolistas de maior qualidade (e isso tinha, evidentemente, um custo). Contudo, e finalmente chegando ao âmago da tua questão, quando se fala na contemporaneidade em “profissionalização dos clubes” ou “profissionalizar o futebol” o termo “profissionalização” já tem outra conotação, completamente diferente daquela de 100 anos atrás. Em tempos de hipercomercialização e hipercomodificação do esporte, profissionalização significa a gestão profissional do futebol. Ou seja, refere-se à administração das atividades e responsabilidades relacionadas ao futebol como uma indústria, o que envolve a habilidade de planejar, organizar, liderar, comunicar e tomar decisões eficazes no contexto da grande atividade econômica e financeira que a indústria do futebol se tornou. Os clubes de futebol são uma das principais partes interessadas (stakeholders) nesta indústria, afinal de contas sem clubes não existe futebol, pois foi a partir da paixão, devoção e dedicação dos torcedores de clubes que o futebol evoluiu até se consolidar como um grande setor de atividade econômica. Gerir de forma profissional implica em compreender toda a complexidade de um clube de futebol no contexto contemporâneo no qual está inserido. Um clube “profissional” nos dias atuais é aquele que se organiza e estrutura de forma a gerir de forma eficaz e eficiente, no qual há a reunião dos recursos – as pessoas, o dinheiro, o equipamento – necessários para tornar o trabalho e os trabalhadores mais produtivos. Mas, no que diz respeito ao futebol, é necessário ter em conta que a gestão do futebol também pressupõe a responsabilidade pelo desempenho não apenas financeiro do clube, mas desportivo. E a responsabilidade pelo desempenho envolve combinar e coordenar recursos humanos, tecnológicos e financeiros para atingir os objetivos primordiais de um clube de futebol que são os resultados desportivos. Esta compreensão complexa de um clube de futebol nos obriga a visualizar este organismo como uma estrutura que precisa gerir desde a formação de atletas nas categorias de base até ao time profissional, o que implica na reunião de profissionais como treinadores, psicólogos, nutricionistas, médicos, fisioterapeutas, massagistas, cozinheiros, etc; passando pela gestão do marketing, que envolve tanto a captação de recursos através de patrocinadores até a comercialização de produtos que não se limitam mais às camisas e equipamentos esportivos, mas toda uma parafernália de produtos com a marca do clube; chegando