Arquivos Bruno Moury Fernandes - Página 4 de 6 - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

Bruno Moury Fernandes

Para onde estamos indo, não precisaremos de estradas

Você que anda de ônibus, carro, a pé, kombi, lotação, van, jumento, carroça, táxi ou que pega bigu: seus problemas acabaram! A Embraer e o Uber apresentaram projeto de transporte aéreo urbano, em evento que aconteceu na cidade de Austin, nos Estados Unidos. As duas empresas estão desenvolvendo o projeto como alternativa para fugir do trânsito caótico das grandes cidades. Não é piada! A famosa frase do Doutor Emmet Brown, o professor maluco do filme De volta para o Futuro, que dá título a esta singela crônica, pronunciada antes de sua aeronave levantar do solo, passará a ser realidade. O objetivo é fazer testes com as aeronaves já em 2020. Assisti ao vídeo da apresentação. Uma moça sai do seu trabalho, entra numa pequena aeronave que a transporta, em poucos minutos, até a sua casa. Assustei-me! Incrível! Chegamos, senhoras e senhores. The future! Vamos voar no nosso dia a dia, meus amigos. Voar! Já imaginaram? Adeus, buracos de Hellciffe e demais cidades. Adeus, vendedores de água mineral nos sinais de trânsito. Adeus, assaltantes disfarçados de vendedores de pipoca na Avenida Agamenon Magalhães. Adeus, operações tapa-buraco. Adeus, licitações superfaturadas para recapeamento de vias. Até nunca mais senhores guardas de trânsito que ficam atrás das árvores escondidos com suas canetas sedentas por multas. Adeus, Avenida Rui Barbosa às 7h30 da manhã. Oremos! Estamos no olho do furacão. Uma mudança profunda de era. A quarta revolução industrial. E com ela a previsão do fim de algumas profissões: carteiro, agricultor, leitor de medidores, repórter de jornal impresso, agente de viagens, lenhador, comissário de bordo, funcionário de gráfica, fiscal de impostos, dentre outras. É bem provável que novas profissões surjam. Fazendeiros urbanos, por exemplo. A gente tem que se adaptar. Criatividade, inteligência interpessoal e especialização. Serão armas poderosas no futuro próximo. Acredito na criatividade como forma de vida. Ferramenta necessária para solução de todos os problemas. Algo essencial para a sobrevivência humana. Saber viver em coletividade, no planeta cada vez menor, integrado, também será apreciado. Desconfie de tudo o que veja, hoje. Nada será igual. A velocidade com que as coisas estão mudando assusta. Confesso que não acompanho o ritmo. Enquanto escrevo essas linhas, estou em pleno Vale do Silício, na Universidade de Stanford, Califórnia. Vim discutir com empreendedores de algumas legaltechs, o futuro do direito. Embasbacado como a tecnologia irá mudar minha profissão rapidamente e o impacto direto disso nos escritórios de advocacia e no próprio Poder Judiciário. Robôs fazendo o papel do advogado, peticionando e proferindo pareceres. Máquinas substituindo juízes, julgando processos. Adeus às brigas dos ministros nas sessões do STF. Máquinas não brigam, ministro Gilmar Mendes. Quando chegar o dia de ir ao fórum na minha aeronave e despachar um processo com um robô-juiz, teremos chegado lá, definitivamente. Lá onde Mcfly, coitado, só conseguiu chegar num mísero skate voador. Lá onde não precisaremos de estradas, mas sempre, em qualquer tempo, de gente que não jogue lixo pela janela.

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Mar adentro

Assisti, pela segunda vez, ao filme “Mar Adentro”, com Javier Barden no papel principal. O filme é sensacional. Baseado em fatos reais, Ramón Sampedro fica tetraplégico depois que bate com a cabeça na areia, ao dar um mergulho no mar. Deitado numa cama, sem qualquer movimento, por cerca de vinte e oito anos, Ramón resolve contratar uma advogada para suplicar ao Estado o direito de morrer. Perseguiu, desesperadamente, uma autorização judicial para tirar sua própria vida, argumentando que viver daquela maneira já seria estar morto, dia após dia. A justiça espanhola rejeitou o seu pleito. Mas num ato de rebeldia e, contando com ajuda de amigos, conseguiu tomar uma substância letal para, enfim, literalmente, “partir desta para uma melhor”, realizando seu desejo de morrer. Paralelamente, li, na última semana, o livro “Pulmão de Aço” de Eliana Zagui. A autora narra a sua própria trajetória de vida. Chegou ao Hospital das Clínicas de São Paulo aos dois anos de idade com poliomielite. Paralisia do pescoço aos pés e quase incapaz de respirar. Todos aguardavam a sua morte, em razão do grave quadro apresentado. Mas quarenta anos após, Eliana ainda vive na UTI do Instituto de Ortopedia e Traumatologia daquele hospital. Aprendeu a ler e escrever, concluiu o ensino médio, estudou idiomas. Escreve, pinta, usa celular e notebook utilizando, pasmem, a boca. Conhece o mundo pela internet, televisão e através das raras saídas do Hospital. Chegou a estudar formas de tirar sua própria vida. Porém, diferentemente de Ramón, desistiu desses pensamentos. Diz ela no livro: “Há tanta coisa que ainda não realizei. Sonhos, passeios, trabalhos. Isso me motiva.” Para explicar a escolha de Eliana, suas palavras bastam. Para tentar compreender a escolha de Ramón, tomo as palavras de Rubem Alves: “A vida humana, como fato biológico, não é o valor supremo. Todas as religiões reconhecem que, acima do valor da vida, está o valor do amor. Por causa do amor, até a vida pode ser sacrificada. As coisas que nos dão razões para morrer são as mesmas coisas que nos dão razão para viver”. Amo a vida! Quero morrer quando estiver velhinho, arrastando as sandálias. Mas entendo perfeitamente as escolhas de Ramón e Eliana. Aparentemente antagônicas, contudo, iguais. Um escolheu morrer e a outra escolheu viver. O que há de comum nesses caminhos? Ambos vão em busca do prazer. Pode haver prazer em morrer? Claro! O extermínio do sofrimento é o encontro com o prazer do não mais sofrer. Não vale a pena uma vida condenada ao sofrimento eterno. Eliana encontrou motivos para seguir em frente porque encontrou o prazer dos desafios. Ramón, sem desafios, encontrou razões para se despedir. A natureza humana fascina, com sua inexplicável e infinita complexidade. Nem o avanço tecnológico será capaz de alcançar a mais profunda intimidade dos pensamentos de uma pessoa. Mas uma coisa é certa: a vida que vale a pena ser vivida é a vida com prazer, desafios e dignidade. É para isso que estamos aqui, senhoras e senhores. Como diria Millôr Fernandes, “O pior não é morrer. É não poder espantar as moscas”.

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O filho perfeito

É menino! É menino! O pavor de todo cronista é a falta de assunto. Já estava desesperado. Minha mulher engravidou e, então, pá! Salvou-me! Já tenho do que falar. E não é qualquer assunto não. Quer novidade maior que esta? Terceiro filho, “pouxa”! Lembrei de quando recebi a notícia do primeiro. Fiz todas aquelas fantasias. Idealizei o filho perfeito como faz todo pai de primeira viagem. E já imaginei todos aqueles elogios. É conversador, traquino, comedor, astuto, inteligente, esperto, culto, expansivo, empreendedor. “Vai trabalhar contigo no escritório ou será doutor igual ao avô?” “Piloto ou esportista?” “Prendam suas cabritas que meu bode está solto”. Logo aos 2 anos, foi diagnosticado no espectro do autismo. Não ouço os elogios que sonhei. Não é conversador. Por enquanto, não se comunica de forma totalmente apropriada para crianças da sua idade. Não se enquadra no modelo de astuto, inteligente e esperto, não obstante suas tiradas estejam me surpreendendo cada vez mais. Provavelmente não será, pelo seu perfil, comedor ou empreendedor. Não acredito que venha a ser esportista, piloto de avião, conquanto eu tenha fé de que algum ofício, no futuro, terá. Tive meu primeiro luto ao receber o diagnóstico. A relação que eu tinha com o autismo vinha do filme Rain Man, com Dustin Hoffman e Tom Cruise. E só! Nada mais! Não sabia nada sobre o assunto. Quando passei a ler e pesquisar a respeito, tive o segundo luto. A certeza de que o autismo não teria cura. Então morreu em mim, naquela época, a ideia que fazia do filho perfeito. Foi quando parei de lamentar e de tentar nadar no mar de incertezas. Mergulhei no convívio com o filho que Deus mandou. E descobri, no seu universo particular, uma beleza tão gigantesca que jamais poderia imaginar. É um doce de menino. Jamais será capaz de mentir ou falar mal de alguém. Nunca será falso. Não fará rodeios para dizer verdades. Autistas são extremamente sinceros. Meu filho é amável, meigo, doce. Deita em nossa cama todas as noites. Gosta de estar em casa, dando e recebendo carinho. Ama a irmã pentelha, melhor terapeuta. É capaz de entrar nos nossos celulares ou no seu Ipad, escolher o vídeo ou jogo que quer (viva Steve Jobs!), se vira sozinho. Toma seu próprio banho, é vaidoso, adora pentear os cabelos, tem personal trainner, gosta de ir ao cinema. Come charque com “bolachinha”. É vidrado em churrasco, barco, praia e piscina. Está no colégio. É o xodó dos amigos. Seu vocabulário só aumenta, a cada dia. Sua agenda é mais lotada que a minha, com tantas e tantas terapias. Impossível não o amar. Para mim, um exemplo de superação. Mas a maior virtude desse pirralho foi a transformação que ele causou na vida dos que estão à sua volta. Se nossa família parece cultivar valores como aceitação, paciência, empatia, simplicidade, persistência, determinação e perdão, posso dizer que é graças ao nosso menino. Posso afirmar que meu filho transformou nossas vidas. Há, no meio disso tudo, a importância da atuação do tempo que operou o ciclo do amadurecimento, nos fazendo enxergar que Deus mandou o filho perfeito.

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2018: Como ser um político bom em Pernambuco?

Enquanto escrevo essas linhas no final do ano de 2017, caro político comum de Pernambuco, você já está aí no mês de janeiro de 2018, lendo esta coluna. Resolvi escrever-te daqui do passado para transmitir algumas dicas de como ser, ou continuar sendo, um político comum em nosso Estado. Especialmente em se tratando de ano eleitoral. Primeiro, leia pouco. Leia quase nada. Na sociedade do cansaço, as pessoas não terão tempo para ouvir o que você teria a dizer, caso lessem alguma coisa. As pessoas são preguiçosas em debater e, ainda se tivessem tempo, chegariam atrasadas graças ao trânsito da Agamenon. Não ouça a população. Apenas finja, a cada quatro anos. Já estás no ano oficial do fingimento. A voz do povo é a voz de Deus, mas até Ele parece às vezes se esquecer. Cerque-se de gente que necessite das suas vitórias. Darão a vida por você e farão de tudo para o manter no poder. Ou seja, não perca a relação de dependência da equipe para consigo. Mantenha distância regulamentar dos adversários e controle-se ao falar mal deles. Lembre-se: a roda gira. Fale mal na medida certa porque amanhã, em algum momento, vocês estarão juntos. Se puder, inaugure um partido para chamar de seu. Ter um partido é essencial para o futuro. “Quem manda na porra toda é a dona do cabaré,” já dizia Toinho, meu avô. Se já nasceu espinhas na cara de Juninho, lance-o candidato a alguma coisa. Decore números e frases de efeito. Isso tem um valor essencial para angariar votos. As pessoas podem achar que você está realmente preocupado com os índices e que se apropriou do tamanho do problema. Mas, se preferir, pode trazer algo genérico, do tipo: “para resolver o problema da insegurança é preciso investir em inteligência policial”. Isso pega bem, vá por mim! Tome caldinho nos mercados, distribua abraços, levante as criancinhas ao alto e encham as bichinhas de beijos. Olhe para as câmeras e faça o famoso “v” da vitória. Se puder, contrate um marqueteiro competente. Fale em mudanças. Diga que você representa a grande novidade. Fale de algum político comum do passado que seja bem avaliado pelo povo e diga que ele sempre foi seu guru. Os que não são, chame-os de traidores, especialmente se vocês já dividiram o mesmo palanque. Aproxime-se das mídias e blogueiros. Faça amizades nas redes sociais. Poste vídeos bacanas, de preferência com camisa de mangas arregaçadas e aquele capacete de engenheiro vistoriando obras que é para passar a ideia de homem trabalhador. Compre votos. Compre muitos votos. O máximo que você conseguir. Seus adversários o farão e você não poderá sair atrás na corrida eleitoral. Enfim, se eleito for, dê uma entrevista no outro dia, pela manhã, na varanda da sua casa, dizendo que é hora de reunir todas as forças em prol do bem comum, aparar as arestas e seguir trabalhando por um Estado melhor. Assim que a jornalista sair pela porta, arrume as malas e vá direto para o Aeroporto Internacional dos Guararapes. Pegue o avião e vá para bem longe. Volte descansado e no discurso de posse chore emocionado, dizendo que é hora de olhar para o futuro que se inicia.

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Na pele dos meus irmãos negros

Descobri que o racismo existe no Brasil desde cedo. Sou branco e tenho um irmão negro. Quando pequenos, indagados se éramos realmente irmãos, respondíamos: “é que nosso pai é moreno e nossa mãe é loira”. A resposta apropriada, claro, seria a verdadeira: eu sou filho biológico dos nossos pais que são brancos e ele é filho adotivo, e provavelmente, filho biológico de pais negros, apesar de não os conhecermos. Ninguém nasce racista. Mas até mesmo essa resposta era de cunho racista. Porque a sociedade nos ensinou sutilmente que a cor do meu irmão deveria ser negada. Eu dizia a todos que ele era moreno. Como se fosse pejorativo dizer que era negro. Nunca conversei com meu irmão sobre o racismo que sofrera. Mas evidente que isso marcou sua vida. Deve ter sido foda ser o único negro da escola particular “cristã” da classe média da Zona Norte do Recife, na década de 80. Deve ter sido cacete sentar todos os dias no sofá, com a família, e se ver representado nas telenovelas por atores negros a quem sempre eram reservados os papéis de escravos ou criminosos e, jamais, papéis de empresários, executivos ou cientistas. Não deve ter sido fácil estacionar o carro numa padaria e ouvir “cuidado para não arranhar o carro do patrão”, sendo aquele o carro do seu próprio pai. Deve ter sido difícil ser o negro do apartamento 602, o único do prédio totalmente ocupado por brancos, racistas na sua maioria. Foi compreensível que ele tenha pedido para se “exilar” no nosso sítio, aos 15 anos de idade, e de lá não querer mais sair, em sinal de esgotamento. Já minhas irmãs, gêmeas, que nunca se viram representadas nas princesas da Disney (“ô mainha, por que meu cabelo não assanha igual ao da Cinderela?”), talvez tenham sofrido menos, pois são mais jovens e, afinal, hoje é mais cult assumir a negritude. Há um certo freio no processo de branqueamento que vivemos. Isso é fato. Mas o racismo está longe de acabar. Está nas facetas da sociedade. Na forma de olhar. Nas entrelinhas das expressões. Covarde e cretino. Por isso, sou adepto do empoderamento. Não basta ser contra o racismo. É preciso ser antirracista. É preciso falar do orgulho de ser negro. Falar de negros de sucesso para que jovens negros se sintam empoderados e confiantes. Falar de pessoas como José do Patrocínio, Juliano Moreira, André Rebouças, Joaquim Barbosa, Lázaro Ramos, Taís Araújo, Milton Santos, Ernesto Carneiro Ribeiro, Lima Barreto, Carolina Maria de Jesus, Sueli Carneiro, Gilberto Gil, e tantos outros. "É triste, senhores, que até hoje, quando apenas cinco anos nos separam do centenário glorioso dos direitos do homem, nesta América que parecia dever ser o refúgio de todos os perseguidos, o asilo de todas as consciências, a praça inexpugnável de todos os direitos, a escravidão ainda manche a face do continente, e um grande país, como o Brasil, seja aos olhos do mundo nada mais, nada menos, do que um mercado de escravos" (Trecho do discurso proferido por Joaquim Nabuco, no Recife-PE, na Praça S. José do Ribamar, no dia 5 de novembro de 1884, sob aplausos da multidão que o ouvia). Quero meus sobrinhos com orgulho da pele.

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Pitangueiras

Não lembro bem das mãos de quem plantou-me. O fato é que o fizeram em lugar errado. Jardim de hospital não é lugar de se viver. Especialmente se for de frente para uma emergência. Todos os dias vejo dor. Essa é a minha vida: chorar pela amargura alheia. Conforta-me quando parentes vêm adoçar a boca com minhas pitangas. Sinto prazer quando meus frutos dão alívio às goelas engasgadas do sofrimento. Alguns episódios me marcaram. Um em especial. Era domingo, há exatos 20 anos. Por volta das seis e meia da tarde aquela caminhonete preta parou na porta da emergência. Desceu um jovem com cerca de 20 anos de idade, gritando: “socorre o meu pai aqui, socorre o meu pai aqui!”. Um médico veio lá de dentro acompanhado de dois enfermeiros. Colocaram o corpo de um homem gordo numa maca. Apressadamente, todos entraram na emergência. O filho ficou do lado de fora. Andava de um lugar para o outro, como que sem rumo. Chorava, mas tentava se manter calmo. Levava as mãos ao rosto. Rezava em voz alta. Mas suas esperanças duraram apenas cinco minutos. O médico retornou e abriu a porta mais ao fundo da emergência, que dividia o local do atendimento emergencial do espaço onde os parentes sempre aguardavam. Enquanto a porta abria e fechava, como aquelas de filme de faroeste americano, vi o homem deitado imóvel na maca e os dois enfermeiros cobrindo seu corpo com um lençol branco. O médico aproximou-se do filho. Pôs as mãos sobre seus ombros e disse: “ele já chegou aqui sem vida, sinto muito”. Aquele choro não era só um pranto. Era um grito de dor. O fim do contato diário entre duas pessoas que se amavam infinitamente. Um amor que não se pode medir. Filho e pai. A ruptura abrupta que a morte sentenciou. Logo em seguida, veio caminhar pelo jardim, ainda em choque. Sentou-se sob meus galhos. Agarrou-se ao meu caule como quem pede socorro, desesperadamente. Senti que ele daria tudo para ter o pai de volta. Senti nas suas mãos suadas o impacto do raio que acabara de lhe atingir. O cabelo loiro assanhado, jeito maltrapilho, roupa rasgada, parecia que vinha da guerra. Queria abraçá-lo, acolhê-lo, mas meus galhos não seriam suficientes para amenizar o tanto de desespero que ali havia. Foi como se seu toque, no meu caule, transportasse-me para momentos que eles tivessem vivido: vi uma praia de areia branca, mesa farta com família ao redor, música, alegria, gente de toda cor e classe, espíritos, festas, riacho azul, cavalos, churrascos, abraços, carinho, calcanhar rachado e amor. Vi e senti uma vida que não me pertencia, em frações de segundo, através de um simples toque. Era como se aquela vida de outrem alcançasse minhas raízes e se espalhasse por toda minha estrutura até a ponta da folha que mais se aproximava do céu. Uma viagem cósmica ultrapassando a realidade das coisas. Ouvi seu lamento doloroso com palavras que saíam da alma, das quais jamais esqueci: “painho, você foi a minha vida, minha história, meu abraço, meu amigo. Você foi meu exemplo, meu amor. A coisa mais linda de todas as coisas lindas que me aconteceu. Obrigado, por tudo!” De repente, soltou-me. E se foi...

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Pathfinders (por Bruno Moury Fernandes)

Passamos uma semana navegando em um veleiro-catamarã pelo Mar Egeu. Nós e mais três casais. Não meu senhor, não estou “me amostrando”. Não minha senhora, não estou me exibindo. Também pensava ser passeio para ricos. Mas posso garantir que é totalmente acessível. O simples acesso à informação pode ser o elemento que falta para você realizar uma viagem de rico, sendo pobre. Pesquise! Pois deu-se exatamente comigo, lá pras bandas das ilhas gregas. E gostei. Foi bom ser rico por apenas uma semana, apesar da pobreza não ter me abandonado em momento algum. Estava à bordo de um iate movido a vinhos, risadas, peixes e vômitos. Pense num lugar bonito da gota serena! A água azul, mas de um azul que de tão azul nos abestalhava. As ilhas, de nomes bem complicados, uma mais linda que a outra. Paros, Folegandros, Milos, Mykonos, Kimolos. E pensei que para um galeguinho de água doce oriundo de Uruçu-Mirim aquele mar salgado, cristalino, tava de bom tamanho. Então levantei as mãos aos céus e agradeci: “Senhooooôr”. Acho que não rezei direito. Não me pergunte por qual motivo, mas imaginava que praquelas bandas o mar era calmo. Mas como todo mar, o de lá também é bipolar. E em dois dias a embarcação balançou bastante. Eu estava doido por uma aventura. Algo que me desse elementos para uma narrativa próxima a Hemingway, em O velho e o Mar. O mais próximo que aconteceu de perrengue, porém, foi uma das cordas que sustentava o bote ter arrebentado. Nada que um marinheiro experiente não pudesse ajeitar em cinco minutos. Fiquei imaginando ele caindo ao mar e nós, que nunca havíamos pilotado um bicho daqueles, à deriva diante da morte trágica do tripulante mais importante. Então ficaríamos perdidos por uma semana e suprimentos começariam a findar. E seríamos resgatados por um navio italiano que nos avistaria por acaso. Mas voltei à realidade daquela cena entediante de um marinheiro grego arrumando o bote na mais absoluta tranquilidade, enquanto assobiava melodias indefinidas. E fiquei com aquela decepcionante sensação de que tudo correria na mais absoluta tranquilidade até o final da nossa jornada. Infelizmente, decepção para minha mente criativa. As companhias foram ótimas. Tinha uma blogueira chic que ao final da odisseia estava toda descabelada, com o seu marido poliglota. Tinha um doutor que medicava remédio para enjoo e sua esposa que insistia em querer experimentar a comida de todos os outros. O nosso líder comandante e sua esposa fotógrafa. Além da minha esposa que não parava de falar. E bem alto. O engenheiro naval que nos guiava e sua mulher que cozinhava divinamente, ambos gregos. Uma semana convivendo com essas pessoas, dentro de um barco, navegando e trocando experiências humanas. Histórias e causos. Muitos causos. Em meio à imensidão da noite, olhar aquele céu imenso e estrelado e ser aquele pontinho no meio da imensidão, fez-me lembrar que não somos nada. Mas navegar com amigos é sensacional. Então logo voltei à realidade e me senti foda novamente. Justamente por tê-los em minhas vidas. Thank’s pathfinders! Oremos todos novamente: “Senhor, multiplicai os euros, ó Pai, tal qual fizeste com os pães, para que lá possamos retornar um dia”.

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Cheiros da vida (por Bruno Moury Fernandes)

Sinto cheiro de flores e frutas tropicais quando estou perto de Tetê e Quinca, meus filhos. É o cheiro do sol nascendo de manhã, da pura natureza. Sinto cheiro de morango com chantili quando estou perto de Milena. É o cheiro do desejo. Sinto cheiro de banana batida com leite condensado e farinha láctea quando estou perto da minha mãe. É o cheiro da minha infância. Sou um homem olfativo. Trabalho esse sentido, diariamente. Quando cheiro alguma coisa lembro de pessoas ou de lugares. Amo quando alguém fuma perto de mim. É o cheiro do meu pai. Fico impregnado de saudade. Cheiro de guisado na panela então é o mesmo que receber um abraço seu, daquele bem apertado. Cheiro de sargaço remete-me a Itamaracá. Amendoim, me põe no colo da Tia Lídia. Cheirar os pelos de um cavalo é pensar em Fifa, meu irmão. Terra molhada leva-me à Granja Riacho Azul. Perfume francês leva-me ao meu tio Honório, a cabeça mais cheirosa da humanidade. Até cheiro de suor remete-me a coisa boa: o Carnaval do Recife. O cheiro não precisa ser bom. Cheiro de peido, por exemplo, é estar no meu quarto, adolescente, dormindo com meu irmão. O melhor lugar do mundo, apesar das bufas. Cheiro de milho verde remete-me ao amigo de infância, Macaxeira, que vomitou em cima de mim, após comer misturado com quibe. Cheiro de cachorro quente remete-me ao colégio Atual. Cheiro de fritura me leva às coxinhas de aquário que comia nos jogos do Sport, na Ilha do Retiro. Posso passear sem sair de casa. Se me trouxeres coentro e cebolinho estou na feira de Casa Amarela. Se me deres café estou na casa da minha avó. Se me falas de perto com hortelã estou sentado na cadeira de Tio Tuca, meu dentista. Haja nariz para tanto cheiro. Mas esse não é um problema para as pessoas da minha família. Meus tios não têm narizes, na verdade eles possuem naralhos! Um deles resolveu fazer uma plástica para diminuir. A esposa pediu “tore outra coisa que é melhor”. Perguntado o motivo, ela respondeu com franqueza: “gostaria de preservar a única coisa grande e dura que ainda há em ti”. Se me trazes manjericão estou em Milão. Se colocas camarão na panela, mergulhado no azeite, estou no Pinóquio, em Lisboa. Se me entregas salsa estou na casa da sogra. Perfume de bebê, meu afilhado Guigui e meu sobrinho Tomé. Cheiro de energético leva-me à farra. Creolina me põe com meus cachorros, na casa onde morávamos, em Casa Forte. Cominho é de fome. Bromélia é de rede e varanda. Mas cheiro bom mesmo é de livro. Melhor do que ler, é cheirá-lo. Quero sentir cheiro e catinga, para lembrar que a vida é feita de altos e baixos. Quero todos os cheiros que a vida possa me dar. Quero cheirar o mundo! Quero cheirar cada esquina por onde já passei e por onde vou passar. Quero cheirar até o cangote azedo de Joaquim quando da escola chegar. Quero cheirar o perfume da vida até a morte se apresentar. Esticar o tempo até sentir o cheiro que a malvada terá. Suspeito que seja de avenca. Aquela que enfeitou o caixão do Dr. Edmar.

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O monge que tomou banho de cuia (por Bruno Moury)

Alguns gastam rios de dinheiro para estudar em Harvard, MIT ou Stanford. Claro, é importante. Estão atrás de mais conhecimento. Querem aprimorar o que sabem nas universidades de ponta desse mundo de meu Deus. São, na maioria, profissionais bem sucedidos com sede de mais aprendizado. Procuram esses centros do saber para estudarem técnicas de gestão. O intuito, quase sempre, é aplicar aos seus negócios. O custo é alto. Mas os ensinamentos, muitas vezes, estão próximos. E de forma gratuita. Não é preciso ir para far far away. A vida é nossa melhor professora. Na última semana, fiz algo que há muito não necessitava. Faltou energia e o boiler elétrico não funcionou. Banho gelado nem pensar! O Recife anda frio que só a poxa. Enchi um balde d’água quente e tomei o velho banho de cuia. Me dei conta que ali está uma verdadeira aula de administração. Extraí pelo menos 10 ensinamentos. Harvard deveria estudar o banho de cuia e fazer um paralelo com o mundo dos negócios. Como ainda não o fez, faço eu: Ali se aprende na marra o que é (1) controle de estoque, por exemplo. A água, sua matéria-prima, está num único balde que deverá servir para toda a jornada. Você precisa dividi-la racionalmente entre todos os departamentos: cabeça, tronco, membros e partes íntimas. Presente também ensinamentos sobre (2) otimização de tempo. À medida que o tempo passa, a água vai esfriando, razão pela qual é preciso celeridade. Se bobear e cantarolar durante o expediente, ao final do turno, a água estará gelada e você terá que interromper o processo produtivo no meio do caminho, tendo prejuízos. É preciso (3) eficiência e produtividade. Fazer mais com menos. Claro, (4) precisão nem se fala, pois o sabonete não poderá cair no chão. Não poderá haver desperdício de água para lavá-lo. Necessário, outrossim, (5) liderança. Ordens são dadas para que ninguém adentre ao recinto. Não pode haver distração. A palavra é (6) foco! Tem que focar nos detalhes, pessoal! Só assim você atingirá o sucesso. O objetivo final é o (7) lucro: aquele resto d’água que sobra no fundo do balde e que lhe permite dispensar a cuia para que o derrame final seja triunfal. Para que tudo isso seja alcançado, não esqueça: (8) planejamento! Enquanto a água esquenta na chaleira, no fogão, todo o passo-a-passo deve ser planejado, afinal, não há execução sem planejamento. Há quem queira trabalhar o (9) marketing, convidando a esposa para assistir aquela cena linda de nu frontal. Por fim, é preciso pensar na (10) sucessão e passar para as próximas gerações todo o aprendizado. Quem sabe não escrevo um livro sobre isso? Desses que vendem em aeroporto. Se já existe O monge e o executivo e O monge que vendeu sua Ferrari, que tal O monge que tomou banho de cuia? Posso ficar rico que só a moléstia dos cachorros. A literatura de aeroporto é o futuro do meu futuro. Que se exploda Machado, Bandeira, Drummond, Oswald, Meireles, Xico, Prata, Sabino, Joca, Rubem e afins. Eu quero é ficar rico para estudar em Harvard e poder apresentar a tese da cuia ao Tio Sam. *Bruno Moury é cronista

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Máquina do tempo (Por Bruno Moury)

Não é preciso nenhuma engenhoca construída por um cientista maluco para voltar no tempo (sim, eu também assisti De volta para o futuro). Minha máquina do tempo é um Graham’s Twany Port de 30 anos. Vinho do porto do bom! Foi ele que me trouxe até aqui. Estou em 1992. Tenho 17 anos. Acabo de chegar na Rua Bruno Veloso, em Boa Viagem, aqui mesmo no Recife. O Graham’s me trouxe, em sexta marcha, ao paraíso: uma gaiola de 150 metros quadrados. O apartamento 602 do Edifício Sérgio Godoy. Aqui guardei felicidade. Vejo a sala de estar. A varanda mais adiante. Reconheço os móveis. Olha lá, o bar da sala! Não se usa mais, em 2017. Dobro à direita, percorro o corredor e entro no quarto de Edmar, meu irmão. Escolho um disco de vinil, do Queen. Ponho Don’t Stop me Now para tocar na radiola, com Freddy botando pra foder. Saio do seu quarto e entro no meu. Abro meu guarda-roupas. Vejo, colado na porta, pôsteres do Legião, Paralamas, Guns e R.E.M. A cama desarrumada. O quarto está uma bagunça. Entro no quarto dos meus velhos. Lá está meu pai. Deitado na sua cama. O calcanhar rachado. Me aproximo com cuidado para não acordá-lo. Beijo o seu rosto e aliso o seu cabelo. Sussurro no seu ouvido: “obrigado, por tudo”! Minha mãe está ao seu lado. Estão descansando após o cozido. É um domingo. Deito entre eles. Abraço-os. Sinto o cheiro. Beijo-os novamente. Levanto. Retorno à sala. Abro a porta. Chamo o elevador. Estou no pilotis. Falo com Aderbal, o porteiro, que olha com cara de quem desconfia me conhecer. Desço as escadas. Estou na rua. Escondo-me atrás de uma árvore e fico espiando a escadaria do Almeida Garret, o prédio em frente. Lá, reunidos, estamos todos nós: eu, Paulo Gordo, Macaxeira, Forminha, Breno, Marne, Patão, Pitoquinha, Alessandra, Ana Paula, Maguinho, Arroz, Pompéia, Zéconha, Fifa, Mamá e mais um bando de amigos. Olha eu lá no meio da turma. Como sou magrinho. Olha como estamos felizes! Meu Deus! Quero ir lá abraçar a todos, mas não posso. Ah, Rua Bruno Veloso! Que saudade! Que prazer voltar aqui. Localização estratégica para um jovem com testosterona: uma esquina depois do Sampa Night Club e uma antes do Holliday. A lot of teachers! Jogar bola na praia, tomar Coca-cola na barraca do Gordo, comer e beber na picanha no Tio-Dadá, ir para festinhas de prédios vizinhos, jogar Playtime, Atari, andar de skate, surfar em frente ao Acaiaca (ainda não tem tubarão...). Delinquência juvenil perdoada pelo tempo. Saudade do caralho. Desculpe-me por escrever sobre meu infinito particular sob o efeito do Porto. Choro. Agora estou rindo. Estou eufórico. Escuto Stones. Sinto o cheiro da minha infância. Percebo que já retornei a 2017. Preciso dormir. Amanhã acordar. Quem sabe alugar uma fita de vídeo ou assistir aula no Colégio Atual. Sentar ao lado de Nilo. Meu amigo Nilo. Morto num acidente de carro. Vivo. Vivíssimo. Intacto em minha memória.

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